Brasília – A acupuntura é usada há mais de 2 mil anos para tratar diferentes transtornos, incluindo tipos diferenciados de estresse físico e mental. Não é por ser milenar, entretanto, que estacionou no tempo: diversos estudos têm ampliado o conhecimento tradicional chinês, elucidando mecanismos quase invisíveis para os antigos. O mais recente deles foi publicado na revista Endocrinology por pesquisadores do Centro Médico da Universidade de Georgetown, nos Estados Unidos.
Utilizando a eletroacupuntura (EA), uma versão atualizada da terapia que consiste na aplicação de estímulos elétricos simultâneos e uniformes, a pesquisadora Ladan Eshkevari descobriu que é possível modular a resposta do cérebro de ratos a situações estressantes que provocam dor (veja infográfico). No caso do experimento, optaram pelo frio intenso. Pelo menos nos animais, a técnica pareceu atuar nas mesmas vias biológicas que são alvo de medicamentos que combatem dor, ansiedade e estresse em humanos.
Esses fármacos atuam direta ou indiretamente no eixo hipotálamo-pituitária-adrenal (HPA). Eles incluem as benzodiazepinas ansiolíticas, agentes melhoradores de serotonina e inibidores da monoamina oxidase, todos usados no tratamento da depressão. A pesquisadora descobriu que é possível alterar o funcionamento do HPA com estímulos direcionados a um ponto específico da perna, o ST36.
Segundo Ladan, a estimulação por EA no ST36 minutos após a exposição ao estresse provocado pelo frio doloroso alterou nas cobaias a atividade da HPA, via de estresse crônico associada com a sensação de dor, o funcionamento do sistema imunológico, o humor e as emoções. Em outros estudos recentes, ela havia percebido que aplicação de EA no mesmo local, antes de os animais serem submetidos ao frio, impediu que o HPA respondesse com picos de hormônios pivôs do estresse doloroso. Nesses estudos, a equipe encontrou sugestões fortes de que a técnica poderia ser uma terapia viável para o estresse crônico.
A questão-chave, e agora elucidada, era saber se essa intervenção seria eficiente quando o estresse já estivesse instalado. “Estamos começando a esclarecer os potenciais mecanismos de ação da acupuntura. Se traduzidos para humanos, os resultados realmente forneceriam evidências de que os profissionais de saúde poderiam recomendá-la como uma terapia para o estresse crônico”, acredita a cientista.
Mal duradouro
O estresse crônico é uma condição parecida com a dor neuropática. Ao contrário do provocado pelo trabalho, não tem prazo de validade e atormenta o paciente por tempo indeterminado. Ele ocorre por uma confusão do HPA e também do sistema simpático, que passam a produzir corticoides de forma descontrolada. Geralmente, o fígado é o responsável por monitorar a fabricação das substâncias, porém, nessa situação, os alertas do órgão são ignorados pelo cérebro.
Ladan Eshkevari planeja, agora, realizar estudos com humanos vítimas de estresse crônico, como pessoas que sofrem com transtorno de estresse pós-traumático. Nesse cenário, a acupuntura seria estudada como um complemento de outras terapias. Entretanto, para os planos saírem do papel, ela precisa de apoio financeiro. “Por agora, o passo limitante é um financiamento adequado. Porém, sem sobra de dúvidas e ainda que demore, o nosso próximo passo será traduzir nossas descobertas para pessoas”.
Canais de equilíbrio
Segundo a interpretação dos médicos da China antiga, o funcionamento do organismo depende do equilíbrio de forças opostas, porém complementares. Seriam o yin e yang. O equilíbrio só existe quando o “qi”, que é a energia vital, flui livremente por caminhos que passam por vários pontos do corpo, os chamados meridianos. O qi bloqueado, acreditavam os médicos do passado, inevitavelmente provocaria problemas de saúde e, inclusive, dor.
Prescrição da técnica demanda cuidados
O médico Fernando Genschow, coordenador-geral das Unidades de Acupunturiatria da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, explica que medicamentos para depressão, acupuntura e até mesmo ioga, meditação e exercícios físicos provocam um fenômeno chamado neuromodulação, que é a indução de um funcionamento neural adequado. Isso se dá devido a estímulos em locais bem determinados do corpo, as chamadas zonas neurorreativas, pontos denominados pelos ocidentais como meridianos.
“Sabemos que, sob o tecido, onde a agulha é inserida, existem enervações especiais, com neurorreceptores e terminações nervosas de tipos diferentes”, esclarece Genschow, também secretário-geral do Colégio Médico Brasileiro de Acupuntura. Entre os neurorreceptores há pequenos espaços, as sinapses, utilizados por diferentes substâncias químicas, os neurotransmissores, para realizar a comunicação entre neurônios: transmissão de sensações, comandos e impulsos neurológicos para todo o corpo.
O uso da agulha surgiu, nesse sentido, para alcançar regiões abaixo da superfície da pele, onde a mão do médico não pode chegar. Por lidar com áreas que influenciam o corpo de uma forma geral, a acupuntura deve ser encarada com seriedade, defende Genschow. Segundo ele, é preciso conhecer, antes de qualquer coisa, a origem da doença ou do mal-estar antes de prescrevê-la. “Só com diagnóstico o médico pode decidir se a acupuntura será o tratamento principal ou o coadjuvante”, complementa.
Contraindicações A cranioacupuntura, por exemplo, traz bons resultados a pacientes com sequelas de acidente vascular cerebral (AVC) por agir diretamente nas áreas cerebrais afetadas. No entanto, pode ser que o problema não tenha sido provocado por um AVC, mas por um tumor no cérebro. Nesse cenário, é altamente contraindicada, visto que acelera o desenvolvimento do câncer porque, além de regenerar tecidos neurais da região estimulada, cria outros, permitindo que a célula cancerosa receba mais nutrientes e cresça.
Genschow reforça que erros de tradução induzem a população a crer que a acupuntura se resume a “alterações de sistemas energéticos por agulhadas”. “Mas não tem nada disso”, ressalta. “São estímulos em áreas críticas que passam por órgãos vitais, vísceras, e representam risco se feitos sem treinamento”, alerta. Ao contrário da China, no Brasil, a prática não é restrita a médicos.
Utilizando a eletroacupuntura (EA), uma versão atualizada da terapia que consiste na aplicação de estímulos elétricos simultâneos e uniformes, a pesquisadora Ladan Eshkevari descobriu que é possível modular a resposta do cérebro de ratos a situações estressantes que provocam dor (veja infográfico). No caso do experimento, optaram pelo frio intenso. Pelo menos nos animais, a técnica pareceu atuar nas mesmas vias biológicas que são alvo de medicamentos que combatem dor, ansiedade e estresse em humanos.
Esses fármacos atuam direta ou indiretamente no eixo hipotálamo-pituitária-adrenal (HPA). Eles incluem as benzodiazepinas ansiolíticas, agentes melhoradores de serotonina e inibidores da monoamina oxidase, todos usados no tratamento da depressão. A pesquisadora descobriu que é possível alterar o funcionamento do HPA com estímulos direcionados a um ponto específico da perna, o ST36.
Segundo Ladan, a estimulação por EA no ST36 minutos após a exposição ao estresse provocado pelo frio doloroso alterou nas cobaias a atividade da HPA, via de estresse crônico associada com a sensação de dor, o funcionamento do sistema imunológico, o humor e as emoções. Em outros estudos recentes, ela havia percebido que aplicação de EA no mesmo local, antes de os animais serem submetidos ao frio, impediu que o HPA respondesse com picos de hormônios pivôs do estresse doloroso. Nesses estudos, a equipe encontrou sugestões fortes de que a técnica poderia ser uma terapia viável para o estresse crônico.
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Mal duradouro
O estresse crônico é uma condição parecida com a dor neuropática. Ao contrário do provocado pelo trabalho, não tem prazo de validade e atormenta o paciente por tempo indeterminado. Ele ocorre por uma confusão do HPA e também do sistema simpático, que passam a produzir corticoides de forma descontrolada. Geralmente, o fígado é o responsável por monitorar a fabricação das substâncias, porém, nessa situação, os alertas do órgão são ignorados pelo cérebro.
Ladan Eshkevari planeja, agora, realizar estudos com humanos vítimas de estresse crônico, como pessoas que sofrem com transtorno de estresse pós-traumático. Nesse cenário, a acupuntura seria estudada como um complemento de outras terapias. Entretanto, para os planos saírem do papel, ela precisa de apoio financeiro. “Por agora, o passo limitante é um financiamento adequado. Porém, sem sobra de dúvidas e ainda que demore, o nosso próximo passo será traduzir nossas descobertas para pessoas”.
Canais de equilíbrio
Segundo a interpretação dos médicos da China antiga, o funcionamento do organismo depende do equilíbrio de forças opostas, porém complementares. Seriam o yin e yang. O equilíbrio só existe quando o “qi”, que é a energia vital, flui livremente por caminhos que passam por vários pontos do corpo, os chamados meridianos. O qi bloqueado, acreditavam os médicos do passado, inevitavelmente provocaria problemas de saúde e, inclusive, dor.
Prescrição da técnica demanda cuidados
O médico Fernando Genschow, coordenador-geral das Unidades de Acupunturiatria da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, explica que medicamentos para depressão, acupuntura e até mesmo ioga, meditação e exercícios físicos provocam um fenômeno chamado neuromodulação, que é a indução de um funcionamento neural adequado. Isso se dá devido a estímulos em locais bem determinados do corpo, as chamadas zonas neurorreativas, pontos denominados pelos ocidentais como meridianos.
“Sabemos que, sob o tecido, onde a agulha é inserida, existem enervações especiais, com neurorreceptores e terminações nervosas de tipos diferentes”, esclarece Genschow, também secretário-geral do Colégio Médico Brasileiro de Acupuntura. Entre os neurorreceptores há pequenos espaços, as sinapses, utilizados por diferentes substâncias químicas, os neurotransmissores, para realizar a comunicação entre neurônios: transmissão de sensações, comandos e impulsos neurológicos para todo o corpo.
O uso da agulha surgiu, nesse sentido, para alcançar regiões abaixo da superfície da pele, onde a mão do médico não pode chegar. Por lidar com áreas que influenciam o corpo de uma forma geral, a acupuntura deve ser encarada com seriedade, defende Genschow. Segundo ele, é preciso conhecer, antes de qualquer coisa, a origem da doença ou do mal-estar antes de prescrevê-la. “Só com diagnóstico o médico pode decidir se a acupuntura será o tratamento principal ou o coadjuvante”, complementa.
Contraindicações A cranioacupuntura, por exemplo, traz bons resultados a pacientes com sequelas de acidente vascular cerebral (AVC) por agir diretamente nas áreas cerebrais afetadas. No entanto, pode ser que o problema não tenha sido provocado por um AVC, mas por um tumor no cérebro. Nesse cenário, é altamente contraindicada, visto que acelera o desenvolvimento do câncer porque, além de regenerar tecidos neurais da região estimulada, cria outros, permitindo que a célula cancerosa receba mais nutrientes e cresça.
Genschow reforça que erros de tradução induzem a população a crer que a acupuntura se resume a “alterações de sistemas energéticos por agulhadas”. “Mas não tem nada disso”, ressalta. “São estímulos em áreas críticas que passam por órgãos vitais, vísceras, e representam risco se feitos sem treinamento”, alerta. Ao contrário da China, no Brasil, a prática não é restrita a médicos.