Câncer, doenças neurológicas (esclerose múltipla, dores neuropáticas, epilepsias, síndrome de Parkinson, Alzheimer, Huntigton, Tourette), doenças autoimunes (artrite reumatoide, doença de Chron, lúpus, diabetes tipo 2), doenças infecciosas (Aids, hepatites), glaucoma, distúrbios psiquiátricos (insônia, ansiedade, dependência química e física de drogas como o crack são exemplos dos males que já podem ser aliviados com o uso dos derivados da cannabis. Mas as pesquisas sobre o uso medicinal da erva não param por aí. É o que mostra estudo que vem sendo conduzido no laboratório de biomembranas do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O trabalho aponta na direção da redução da hipertensão e da recuperação do tecido renal.
Não é de hoje que as propriedades curativas da maconha são usadas no mundo – os registros apontam para 5.000 anos – mas até pouco tempo essa utilização passava ao largo da ciência. Só depois que a capacidade de diálogo e entrosamento do corpo humano com a erva ficou clara, por meio da descoberta dos canabinoides, presentes na maconha, e do sistema encanabinoide, presente no corpo humano, a medicina, a química e a neurociências começaram a pesquisar o tema. Hoje, a ciência caminha a passos largos para confirmação de evidências científicas dos benefícios dos principais canabinoides estudados presentes na maconha – o THC (que tem efeito psicoativo) e o CBD (que não tem efeito psicoativo) – para a preservação da saúde humana em campos que vão além dos usos que já estão sendo feitos nos campos do alívio de sintomas de alguns tipos de doenças.
No caso dos estudos levados pela UFRJ, como as pesquisas sobre a cannabis não estão liberadas no Brasil, a saída dos pesquisadores foi desenvolver uma substância sintética que “imita” os efeitos do THC na redução da hipertensão e na recuperação dos tecidos no rim. “Descobrimos que a atuação de um canabinoide sintético, parecido com o THC, em culturas de células do rim é capaz de controlar a entrada e a saída de íons como o sódio”, explica a pesquisadora Luzia Sampaio. Segundo ela, esse composto regula a função de uma proteína específica muito importante do tecido do órgão, conhecida como a bomba de sódio, que em excesso leva à hipertensão.
Um complexo sistema de chaves e fechaduras
Até agora, a pesquisa, que ainda não foi aplicada em seres humanos, aponta para novos caminhos na indústria de medicamentos, podendo chegar a ser uma alternativa para o tratamento de lesões renais, das simples às mais graves, transformando-se numa alternativa aos transplantes do órgão. Tudo isso pode ser explicado por meio do diálogo entre as substâncias presentes na maconha – os canabinoides – e o sistema endocanabinoide do corpo humano. É esse sistema que permite, por exemplo, que uma pessoa acidentada, e em estado grave, possa conversar com o socorrista com lucidez e sem sentir dores, como se nada estivesse acontecendo.
“Parece que o sistema endocanabinoide modula as terminações nervosas na condução do estímulo doloroso. “É como se os canabiboides fossem as chaves e os receptores desses compostos, nas células humanas, as fechaduras. Agora, resta à ciência encontrar onde estão essas fechaduras e descobrir que portas as chaves vão abrir”, explica o mastologista e cirurgião do câncer, Leandro Ramires, do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ele é pai de Benício, de 7 anos, portador da síndrome de Dravet, uma forma severa de epilepsia refratária na qual a maioria dos pacientes não passa da primeira infância. O garoto, que foi internado 48 vezes, 14 delas na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), chegou a receber a extrema unção, e até teve seus órgãos colocados à disposição para doação pelo pai caso a morte cerebral viesse a ser confirmada após 12 dias de coma profundo após status epileticus (crises convulsivas interruptas com elevado risco de morte).
Benício vem sendo tratado com CBD desde os cinco anos. De lá para cá passou de epilético incontrolável a controlado, saindo de cinco a seis crises diárias generalizadas e intensas para períodos de até 30 dias sem crise alguma. A redução no número de medicamentos anticonvulsionantes vem sendo acompanhada pelo neurologista, enquanto a dose do cannabidiol é aumentada gradualmente.
A redução de crises, através da modulação proporcionada pelos canabinoides, é um exemplo da ação do sistema chave/fechadura no controle da epilepsia refratária, explica Leandro Ramires. Estudo observacional realizado por ele em parceria com o médico especialista em medicina preventiva Paulo Fleury Teixeira e o neurocientista Renato Malcher, professor da Universidade de Brasília (UnB), constatou que no caso da epilepsia, o cannabidiol tem efeito três vezes superior ao dos anticonvulsivantes tradicionais. “Essa observação foi feita usando maconha de sem controle de qualidade. Imagine se ela fosse pura, plantada com padrões de exigência para fitoterápicos, exclusivamente para fins de pesquisa científica”, pondera o médico.
Tumores – As portas, no entanto, também se abrem em outros campos. “Hoje, experimentos em cobaias utilizando derivados da maconha para tratar células de tumores malignos humanos considerados intratáveis indicam um bom caminho controle da doença e, até mesmo com possibilidade de cura. Para isso, simula-se, em laboratório, o mesmo tipo de tratamento que se faz com as drogas da quimioterapia, só que usando os canabinoides no lugar dos químicos”, explica Ramires. Até agora, segundo ele, os testes promissores valem para tumores de mama, próstata, pulmão e aqueles com origem no sistema nervoso central. Além disso, também há pesquisas para o tratamento de doenças autoimunes, como o diabetes tipo 2 e artrite reumatoide, e também as ligadas ao sistema nervoso central, como Parkisson e esclerose múltipla. “São perspectivas fantásticas”, observa o mastologista e cirurgião do câncer.
Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o canabidiol já é usado em países europeus, Canadá, México, Índia, Estados Unidos, África do Sul, Chile e Israel. Nesses mesmos países já foram feitos 51 estudos sobre o uso medicinal da maconha, alguns ainda em andamento.
Por que meu filho usa maconha medicinal
“Alice nasceu prematura, com 29 semanas. Aos 2 meses sofreu uma parada cardiorrespiratória. Foram 26 minutos tentando reanimá-la, mas no fim ela acabou com uma lesão cerebral causada por hipóxia (falta de oxigenação no cérebro). Por isso desenvolveu uma epilepsia de difícil controle, a Síndrome de West.
Na tentativa de controlar as crises, já usamos diversas medicações. Duas delas tiveram que ser interrompidas em função dos efeitos colaterais, a Vigabatrina e o Topiramato. Alice começou a perder a visão periférica por causa do primeiro e teve muitos problemas para dormir e alterações no humor, chorava horas sem parar, por causa do segundo. A gente também já tinha tentado Fenobarbital.
Você sabe se uma criança como Alice está bem pelo eletroencefalograma. Acontece que assim que os medicamentos começavam a funcionar e o eletro melhorava, o efeito colateral aparecia. Alice era apática, vivia sonolenta e interagia muito pouco. Todos os neuropediatras com os quais conversamos diziam que o canabidiol era uma possibilidade para ela, mas nenhum assumia a responsabilidade de dar a receita.
Então resolvemos usar. Uma amiga foi para os Estados Unidos e trouxe o canabidiol ilegalmente para nós. A partir desse momento, com orientação de um médico da Associação dos Pacientes de Cannabis Medicinal (Ama+me), e depois com a de um novo neuropediatra, ela começou a tomar o canabidiol. Em um mês, o eletroencefalograma melhorou e a capacidade cognitiva da Alice avançou muito. Ela está usando desde março. Atualmente, são 5 mg por quilo ao dia.
Hoje ela reconhece os objetos, se comunica com a linguagem não verbal, vocaliza para avisar que acordou, mostra que está com sede, com fome e acompanha os objetos. Suas crises de convulsão melhoraram, mas não foram totalmente contidas porque a lesão ocupa 60% do cérebro dela. Antes do canabidiol eram 15 espasmos por dia, agora são dois ou três.
Sou contra o uso de drogas. Minha mulher e eu tivemos muita resistência em relação ao canabidiol. Meu preconceito foi vencido pela ausência de esperança em outras medicações. A desculpa dos médicos para não recomendar o uso é que não se sabe quais são os efeitos colaterais, mas o medicamento tradicional que vinha sendo usado estava deixando minha filha cega”.
Wesllem Farias Bacelar, professor, 42 anos, pai de Alice Rosa Bacelar, 1 ano e 11 meses, portadora da Síndrome de West.
Não é de hoje que as propriedades curativas da maconha são usadas no mundo – os registros apontam para 5.000 anos – mas até pouco tempo essa utilização passava ao largo da ciência. Só depois que a capacidade de diálogo e entrosamento do corpo humano com a erva ficou clara, por meio da descoberta dos canabinoides, presentes na maconha, e do sistema encanabinoide, presente no corpo humano, a medicina, a química e a neurociências começaram a pesquisar o tema. Hoje, a ciência caminha a passos largos para confirmação de evidências científicas dos benefícios dos principais canabinoides estudados presentes na maconha – o THC (que tem efeito psicoativo) e o CBD (que não tem efeito psicoativo) – para a preservação da saúde humana em campos que vão além dos usos que já estão sendo feitos nos campos do alívio de sintomas de alguns tipos de doenças.
No caso dos estudos levados pela UFRJ, como as pesquisas sobre a cannabis não estão liberadas no Brasil, a saída dos pesquisadores foi desenvolver uma substância sintética que “imita” os efeitos do THC na redução da hipertensão e na recuperação dos tecidos no rim. “Descobrimos que a atuação de um canabinoide sintético, parecido com o THC, em culturas de células do rim é capaz de controlar a entrada e a saída de íons como o sódio”, explica a pesquisadora Luzia Sampaio. Segundo ela, esse composto regula a função de uma proteína específica muito importante do tecido do órgão, conhecida como a bomba de sódio, que em excesso leva à hipertensão.
Um complexo sistema de chaves e fechaduras
Até agora, a pesquisa, que ainda não foi aplicada em seres humanos, aponta para novos caminhos na indústria de medicamentos, podendo chegar a ser uma alternativa para o tratamento de lesões renais, das simples às mais graves, transformando-se numa alternativa aos transplantes do órgão. Tudo isso pode ser explicado por meio do diálogo entre as substâncias presentes na maconha – os canabinoides – e o sistema endocanabinoide do corpo humano. É esse sistema que permite, por exemplo, que uma pessoa acidentada, e em estado grave, possa conversar com o socorrista com lucidez e sem sentir dores, como se nada estivesse acontecendo.
“Parece que o sistema endocanabinoide modula as terminações nervosas na condução do estímulo doloroso. “É como se os canabiboides fossem as chaves e os receptores desses compostos, nas células humanas, as fechaduras. Agora, resta à ciência encontrar onde estão essas fechaduras e descobrir que portas as chaves vão abrir”, explica o mastologista e cirurgião do câncer, Leandro Ramires, do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ele é pai de Benício, de 7 anos, portador da síndrome de Dravet, uma forma severa de epilepsia refratária na qual a maioria dos pacientes não passa da primeira infância. O garoto, que foi internado 48 vezes, 14 delas na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), chegou a receber a extrema unção, e até teve seus órgãos colocados à disposição para doação pelo pai caso a morte cerebral viesse a ser confirmada após 12 dias de coma profundo após status epileticus (crises convulsivas interruptas com elevado risco de morte).
Benício vem sendo tratado com CBD desde os cinco anos. De lá para cá passou de epilético incontrolável a controlado, saindo de cinco a seis crises diárias generalizadas e intensas para períodos de até 30 dias sem crise alguma. A redução no número de medicamentos anticonvulsionantes vem sendo acompanhada pelo neurologista, enquanto a dose do cannabidiol é aumentada gradualmente.
A redução de crises, através da modulação proporcionada pelos canabinoides, é um exemplo da ação do sistema chave/fechadura no controle da epilepsia refratária, explica Leandro Ramires. Estudo observacional realizado por ele em parceria com o médico especialista em medicina preventiva Paulo Fleury Teixeira e o neurocientista Renato Malcher, professor da Universidade de Brasília (UnB), constatou que no caso da epilepsia, o cannabidiol tem efeito três vezes superior ao dos anticonvulsivantes tradicionais. “Essa observação foi feita usando maconha de sem controle de qualidade. Imagine se ela fosse pura, plantada com padrões de exigência para fitoterápicos, exclusivamente para fins de pesquisa científica”, pondera o médico.
Tumores – As portas, no entanto, também se abrem em outros campos. “Hoje, experimentos em cobaias utilizando derivados da maconha para tratar células de tumores malignos humanos considerados intratáveis indicam um bom caminho controle da doença e, até mesmo com possibilidade de cura. Para isso, simula-se, em laboratório, o mesmo tipo de tratamento que se faz com as drogas da quimioterapia, só que usando os canabinoides no lugar dos químicos”, explica Ramires. Até agora, segundo ele, os testes promissores valem para tumores de mama, próstata, pulmão e aqueles com origem no sistema nervoso central. Além disso, também há pesquisas para o tratamento de doenças autoimunes, como o diabetes tipo 2 e artrite reumatoide, e também as ligadas ao sistema nervoso central, como Parkisson e esclerose múltipla. “São perspectivas fantásticas”, observa o mastologista e cirurgião do câncer.
Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o canabidiol já é usado em países europeus, Canadá, México, Índia, Estados Unidos, África do Sul, Chile e Israel. Nesses mesmos países já foram feitos 51 estudos sobre o uso medicinal da maconha, alguns ainda em andamento.
Por que meu filho usa maconha medicinal
“Alice nasceu prematura, com 29 semanas. Aos 2 meses sofreu uma parada cardiorrespiratória. Foram 26 minutos tentando reanimá-la, mas no fim ela acabou com uma lesão cerebral causada por hipóxia (falta de oxigenação no cérebro). Por isso desenvolveu uma epilepsia de difícil controle, a Síndrome de West.
Na tentativa de controlar as crises, já usamos diversas medicações. Duas delas tiveram que ser interrompidas em função dos efeitos colaterais, a Vigabatrina e o Topiramato. Alice começou a perder a visão periférica por causa do primeiro e teve muitos problemas para dormir e alterações no humor, chorava horas sem parar, por causa do segundo. A gente também já tinha tentado Fenobarbital.
Você sabe se uma criança como Alice está bem pelo eletroencefalograma. Acontece que assim que os medicamentos começavam a funcionar e o eletro melhorava, o efeito colateral aparecia. Alice era apática, vivia sonolenta e interagia muito pouco. Todos os neuropediatras com os quais conversamos diziam que o canabidiol era uma possibilidade para ela, mas nenhum assumia a responsabilidade de dar a receita.
Então resolvemos usar. Uma amiga foi para os Estados Unidos e trouxe o canabidiol ilegalmente para nós. A partir desse momento, com orientação de um médico da Associação dos Pacientes de Cannabis Medicinal (Ama+me), e depois com a de um novo neuropediatra, ela começou a tomar o canabidiol. Em um mês, o eletroencefalograma melhorou e a capacidade cognitiva da Alice avançou muito. Ela está usando desde março. Atualmente, são 5 mg por quilo ao dia.
Hoje ela reconhece os objetos, se comunica com a linguagem não verbal, vocaliza para avisar que acordou, mostra que está com sede, com fome e acompanha os objetos. Suas crises de convulsão melhoraram, mas não foram totalmente contidas porque a lesão ocupa 60% do cérebro dela. Antes do canabidiol eram 15 espasmos por dia, agora são dois ou três.
Sou contra o uso de drogas. Minha mulher e eu tivemos muita resistência em relação ao canabidiol. Meu preconceito foi vencido pela ausência de esperança em outras medicações. A desculpa dos médicos para não recomendar o uso é que não se sabe quais são os efeitos colaterais, mas o medicamento tradicional que vinha sendo usado estava deixando minha filha cega”.
Wesllem Farias Bacelar, professor, 42 anos, pai de Alice Rosa Bacelar, 1 ano e 11 meses, portadora da Síndrome de West.