A indicação para que mulheres façam visitas rotineiras ao ginecologista para o exame de papanicolaou não encontra equidade no caso dos homens: para eles, não há normativa a ser seguida. De acordo com o coordenador geral do Departamento de Doenças Sexualmente Transmissíveis da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), Sylvio Quadros, o exame masculino que poderia detectar a presença do HPV é a genitoscopia, mas só quando há lesão ele é indicado. Segundo ele, é alta a incidência de falso positivo e falso negativo. Por isso, o teste é indicado em casos bem pontuais. “Além disso, é preciso levar em conta que o pênis tem um epitélio resistente, então, mesmo quando o homem tem HPV e a manifestação em forma de verruga, apenas entre 5% e 6% dos casos evoluem para o câncer de pênis. No caso da mulher, não. O colo do útero tem células mais predispostas a transformar o vírus”, diz.
Segundo o médico Krishnansu Tewari, pesquisador-chefe do Grupo de Oncologia Ginecológica nos Estados Unidos, o HPV é o maior agente de risco para mulheres, pois é responsável por 99% dos cânceres no colo do útero. “E um dado interessante é que esse é o único câncer para o qual há vacina. Nenhum outro tem”, alertou Tewari, há 20 dias, num evento para especialistas e jornalistas na Colômbia. A vacinação em vários países, inclusive no Brasil, também é voltada exclusivamente para a mulher. “Apenas em três países (Estados Unidos, Áustria e Austrália) os governos se convenceram de que a vacinação tem que ser ampla, para meninos e meninas”, acrescenta Sylvio.
O contágio com o papilomavírus humano não se dá apenas pela relação sexual homem/mulher. Pode ocorrer sem penetração em casos de relações sexuais entre mulheres, contato pele/pele onde há lesão ou quando há uso de acessórios entre os parceiros. De acordo com o professor Sérgio Augusto Triginelli, doutor em ginecologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), há cerca de 150 tipos de papilomavírus, dos quais dois estão relacionados ao câncer de colo do útero (16 e o 18) e dois à manifestação do HPV na área externa da vagina e no pênis (6 e 11). “A transmissão pode se dar por meio do contato do pênis com a vagina, com a vulva e o ânus, vagina-vagina, com o uso de acessórios entre os parceiros e pelo sexo oral. A transmissão gestacional, da mãe contaminada pelo HPV para o bebê, existe, mas é muito raro”, explica Triginelli. Segundo ele, a maioria dos contágios se curam espontaneamente, pelo sistema imunológico de cada um.
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Levantamento feito pelo Ministério da Saúde com 12 mil pessoas, de 15 a 64 anos, dá o tom do comportamento do brasileiro: 94% dos entrevistados sabem que a camisinha é a melhor forma de prevenir doenças sexualmente transmissíveis, entre elas HPV e HIV, que causa a Aids, mas, ainda assim, quase metade da população sexualmente ativa (45%) não usou preservativo nas relações sexuais casuais durante um ano. Todos os postos de saúde do país distribuem preservativos de forma gratuita, segundo o MS. Em 2014, foram distribuídos 443,8 milhões de preservativos masculinos em todo o país. Entre janeiro e junho de 2015, 283,4 milhões. Numa farmácia, a unidade custa, em média, R$ 1.
DNA para rastrear gravidades
O exame mundialmente mais comum para detectar o HPV ou alterações nas células do colo do útero é o papanicolaou, desenvolvido por George Nicolas Papanicolaou (1833-1962), mas novas técnicas, como o teste de DNA para HPV, já estão disponíveis. “O papanicolaou é a técnica de citologia que permite ver a mal formação das células nessa região do corpo e um dos mais usados no mundo. Para se ter ideia, um tumor nessa região pode levar até 15 anos para se desenvolver, mas com a medicina que temos hoje, o ideal é toda mulher ter acesso ao exame regularmente, para se prevenir”, comenta Tewari.
O teste de DNA para HPV é indicado, segundo ele, para mulheres com idade entre 21 e 65 anos, que mantêm relações sexuais frequentes. “Esse teste pode ser feito a cada três anos, associado à citologia. Indicamos que o DNA seja feito antes pois pode, de cara, indicar a severidade do problema, se houver.”
No Brasil, o teste está no rol da Agência Nacional de Saúde, mas não é feito pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Custa entre R$ 300 e R$ 500, no serviço privado. Ele é feito de forma semelhante e concomitantemente ao papanicolaou: com uma espátula, o médico colhe amostra do colo do útero e um aparelho analisa o DNA do tecido.
“Estudo usando o equipamento cobas 4800 de teste de DNA para HPV, realizado com mais de 47 mil mulheres nos EUA, constatou que uma em cada 10 pacientes que apresentaram resultado positivo para o teste de HPV 16/18 tinham pré-câncer de colo de útero, embora seu exame de papanicolaou estivesse dentro da normalidade”, diz Lenio Alvarenga, diretor médico da Divisão Farmacêutica da Roche Brasil. “O exame pode substituir o papanicolaou com segurança, além de ter maior sensibilidade para detectar as lesões”, acrescenta.
Segundo o professor Sérgio Triginelli, “o papanicolaou pode realmente ter até 25% de falsos negativos devido a vários fatores, entre eles a forma como é colhido, maneira de conservação até chegar ao laboratório etc.”, mas como rastreamento geral da população ainda é o mais viável. “O teste de DNA é muito bom para tipificar o HPV que está acometendo as mulheres, mas seu custo ainda é elevado para ser adotado na população em geral, pelo menos aqui no Brasil”, avalia.
PREVENÇÃO É A CHAVE Para Krishnansu Tewari, a prevenção deve nortear as políticas de governo, principalmente nas localidades mais carentes, como países da América Latina. “Por isso, temos insistido na temática da educação sexual e da vacinação contra o papilomavírus humano (HPV) para meninas que ainda não tiveram sua primeira relação sexual. A eficácia da vacina chega a 100%, quando ministrada corretamente.”
Para Triginelli, é fundamental que haja campanhas para melhorar a vacinação no Brasil, educação sexual nas escolas e também orientação das famílias com seus filhos. “A vacina é de grande importância, inclusive nas mulheres que já tiveram contato com o vírus, pois ela pode ser infectada com outros subtipos. O assunto é um alerta e precisamos trazer outras questões que envolvem o HPV, inclusive os exames de rotina e a vacinação em homens.”
O HPV não tem cura. O tratamento, em homens e mulheres, cuida das lesões ou verrugas que surgem nos órgãos sexuais. No caso das mulheres, há uso de pomadas ou a cirurgia de alta frequência (CAF), nos casos moderados a acentuados. Nos casos leves, é feito acompanhamento. “Grande parte dos casos leves tem regressão espontânea da manifestação clínica do vírus HPV”, acrescenta Triginelli.
Brasil imuniza meninas
No Brasil, a vacinação foi introduzida no calendário e 5 milhões de meninas de 11 a 13 anos tomaram a primeira dose em 2014. Dessas, 3,1 milhões já receberam a segunda. Este ano, 2,37 milhões de garotas, de 9 a 11 anos vacinaram, 48% do público-alvo. O esquema é composto por duas doses, com intervalo de seis meses, e um reforço, cinco anos após a primeira dose. Os meninos não são convocados. Segundo o Ministério da Saúde, o objetivo dess estratégia é reduzir casos e mortes de câncer de colo do útero. “Estudos comprovam que os meninos passam a ser protegidos indiretamente com a vacinação no grupo feminino (imunidade coletiva), havendo drástica redução na transmissão de verrugas genitais entre homens após a implantação da vacina contra o HPV como estratégia de saúde pública.”pasta. Sylvio Quadros, da Sociedade Brasileira de Urologia, critica a medida. “O ideal é que haja um sistema de vacinação para todo mundo, mas é caro. Então, é uma questão de decisão política mesmo”, diz.