A tentação calórica é grande para crianças acima do peso. Além de provocado pelas guloseimas, o cérebro delas ignora alimentos aliados da dieta. No caso dos adultos que têm problemas com a balança, o convite vem do cheiro. Eles são mais sensíveis a odores — e não somente aos de comida. Assim, a mente acaba visualizando vividamente o alimento e o sabor deles. As constatações inusitadas, estímulos a mais para sucumbir à tentação, foram apresentadas na reunião anual da Sociedade do Estudo do Comportamento Ingestivo, em Denver, nos Estados Unidos. Segundo especialistas, servem também de incentivo para o desenvolvimento de terapias de combate à obesidade.
A pesquisadora Nicole Fearnbach, aluna de pós-graduação da Universidade Estadual da Pensilvânia, nos Estados Unidos, esclareceu os mecanismos da tentação alimentar no cérebro de crianças. Por meio de exames de imagem, mostrou que o padrão cerebral dos pequenos mais gordinhos difere notadamente do daqueles que têm mais massa magra. Fearnbach observou a substância negra dos participantes para chegar a essas conclusões. É nessa área do mesencéfalo — a parte superior do tronco do cérebro — que alguns hormônios cerebrais são produzidos. “A dopamina, por exemplo”, explica Luis Eduardo Belini, neurologista da clínica Life, em São Paulo. Além de controlar a parte motora, esse neurotransmissor regula o humor e as emoções; sobretudo, as sensações de prazer provocadas por alimentos ricos em açúcares.
A equipe escaneou a atividade cerebral de 38 crianças de 7 a 10 anos. Elas foram observadas no momento em que viam imagens de alimentos com diferentes teores calóricos e quase antagônicos, como batata frita e brócolis. Fearnbach e os outros cientistas notaram ativação neural distinta entre crianças magras e gordas. As com mais massa magra, ou músculos, apresentaram uma reação acentuada na substância negra ao serem expostas a imagens dos alimentos calóricos. “Acreditamos que elas tenham um sistema de recompensa mais potente para essas comidas em parte porque necessitam de mais energia para manter o organismo em funcionamento”, sugere Fearnbach.
As crianças gordinhas, por outro lado, até apresentaram uma ativação interessante no centro de prazer ao mirarem as guloseimas. Mas não foi isso que chamou a atenção de Fearnbach. Elas também se mostraram completamente indiferentes aos alimentos menos calóricos. “Pode ser que a mente dessas crianças tenham aprendido que esses alimentos são menos recompensadores. Porém, ainda não sabemos se o maior percentual de gordura é causa ou efeito disso”, completou a autora. Nesse caso, a recompensa compreendida é a imediata, não a longo prazo, como os benefícios que os alimentos saudáveis proporcionam à saúde e à autoestima. Por isso, destacam os autores, mais pesquisas são necessárias para definir se esses resultados apresentarão uma correlação ao longo do tempo.
Luis Eduardo Belini, neurologista dos hospitais da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC Campinas), diz que, diante dos resultados, dá para inferir que a obesidade de adultos é uma condição aprendida na infância. “Pode ser que, ao longo da vida, as crianças se alimentaram de forma tão errada que essa região ficou condicionada a responder dessa maneira. A área do cérebro entende o que dá prazer e o que não dá. A obesidade não está na barriga, mas na cabeça, porque envolve um sistema total de recompensa”, afirma o médico brasileiro.
Idealização olfativa
Em outra apresentação, pesquisadores do Laboratório John B. Pierce e da Escola de Medicina de Yale revelaram que a capacidade de imaginar vividamente o cheiro de pipoca, biscoitos recém-assados e até mesmo odores não alimentares é mais intensa em adultos obesos. Isso levanta a hipótese de que diferenças na capacidade de idealizar odores, especialmente de alimentos, promova o descontrole patológico por comida, como o relacionado aos ataques desenfreados dos bulímicos.
Os pesquisadores basearam os estudos em uma teoria que defende que a criação de imagens muito reais estimula e mantém os ímpetos de procurar comida pelo pensamento, pelo odor ou pela visualização de um alimento. Embora muitas pesquisas demonstrem que o descontrole ocorra mais entre obesos, a capacidade de imaginar odores nunca foi examinada.
No estudo, os participantes completaram uma série de questionários em que lhes foi pedido idealizar cheiros. Em seguida, classificaram a vivacidade dessas imagens. Na pesquisa, conduzida por Barkha Patel, indivíduos com índice de massa corporal (IMC) mais alto foram os que apresentaram maior capacidade de oferecer detalhes sobre um odor. “Esses resultados destacam a necessidade de uma abordagem mais individualista na identificação de fatores que podem aumentar o risco para ganho de peso”, afirmou Patel, aluno de pós-doutorado do laboratório.
Presidente do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, Cintia Cercato diz que estudos anteriores indicaram que os obesos têm olfato mais aguçado, capacidade chamada de antecipação do prazer, que pode aumentar o desejo por comida. “Isso, entretanto, nunca foi comprovado. Já se sabe, porém, que os odores ativam o córtex órbitofrontal, que tem projeção nos neurônios do centro de recompensa. Essa busca por alimentos palatáveis pode ficar incontrolável e se transformar no transtorno de compulsão alimentar periódica. Nas crises, as pessoas comem até passar mal e se sentem culpadas depois”, detalha.
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As crianças gordinhas, por outro lado, até apresentaram uma ativação interessante no centro de prazer ao mirarem as guloseimas. Mas não foi isso que chamou a atenção de Fearnbach. Elas também se mostraram completamente indiferentes aos alimentos menos calóricos. “Pode ser que a mente dessas crianças tenham aprendido que esses alimentos são menos recompensadores. Porém, ainda não sabemos se o maior percentual de gordura é causa ou efeito disso”, completou a autora. Nesse caso, a recompensa compreendida é a imediata, não a longo prazo, como os benefícios que os alimentos saudáveis proporcionam à saúde e à autoestima. Por isso, destacam os autores, mais pesquisas são necessárias para definir se esses resultados apresentarão uma correlação ao longo do tempo.
Luis Eduardo Belini, neurologista dos hospitais da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC Campinas), diz que, diante dos resultados, dá para inferir que a obesidade de adultos é uma condição aprendida na infância. “Pode ser que, ao longo da vida, as crianças se alimentaram de forma tão errada que essa região ficou condicionada a responder dessa maneira. A área do cérebro entende o que dá prazer e o que não dá. A obesidade não está na barriga, mas na cabeça, porque envolve um sistema total de recompensa”, afirma o médico brasileiro.
Idealização olfativa
Em outra apresentação, pesquisadores do Laboratório John B. Pierce e da Escola de Medicina de Yale revelaram que a capacidade de imaginar vividamente o cheiro de pipoca, biscoitos recém-assados e até mesmo odores não alimentares é mais intensa em adultos obesos. Isso levanta a hipótese de que diferenças na capacidade de idealizar odores, especialmente de alimentos, promova o descontrole patológico por comida, como o relacionado aos ataques desenfreados dos bulímicos.
Os pesquisadores basearam os estudos em uma teoria que defende que a criação de imagens muito reais estimula e mantém os ímpetos de procurar comida pelo pensamento, pelo odor ou pela visualização de um alimento. Embora muitas pesquisas demonstrem que o descontrole ocorra mais entre obesos, a capacidade de imaginar odores nunca foi examinada.
No estudo, os participantes completaram uma série de questionários em que lhes foi pedido idealizar cheiros. Em seguida, classificaram a vivacidade dessas imagens. Na pesquisa, conduzida por Barkha Patel, indivíduos com índice de massa corporal (IMC) mais alto foram os que apresentaram maior capacidade de oferecer detalhes sobre um odor. “Esses resultados destacam a necessidade de uma abordagem mais individualista na identificação de fatores que podem aumentar o risco para ganho de peso”, afirmou Patel, aluno de pós-doutorado do laboratório.
Presidente do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, Cintia Cercato diz que estudos anteriores indicaram que os obesos têm olfato mais aguçado, capacidade chamada de antecipação do prazer, que pode aumentar o desejo por comida. “Isso, entretanto, nunca foi comprovado. Já se sabe, porém, que os odores ativam o córtex órbitofrontal, que tem projeção nos neurônios do centro de recompensa. Essa busca por alimentos palatáveis pode ficar incontrolável e se transformar no transtorno de compulsão alimentar periódica. Nas crises, as pessoas comem até passar mal e se sentem culpadas depois”, detalha.