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O experimento descrito hoje na edição on-line da revista Science foi feito com um anticorpo específico contra o tipo 2 da dengue — ao todo, são quatro, todos com registros de casos no Brasil. De todas as variações do vírus, essa é a considerada mais complexa, por ter uma estrutura que muda de forma durante a invasão a um organismo. A molécula 2D22, retirada de uma pessoa que havia desenvolvido imunidade a esse tipo da doença, provou ser eficiente contra todas as morfologias do micro-organismo.
“Nós isolamos um glóbulo branco do sangue de uma pessoa que havia se tornado imune à infecção da dengue depois de uma contaminação natural. Isolamos o gene de um único sistema imune de célula que estava fazendo esse anticorpo no corpo do doador. Então, agora, podemos produzir quantidades ilimitadas do anticorpo em laboratório usando esse gene”, conta James Crowe Jr., diretor do Centro de Vacinas na Universidade Vanderbilt, nos Estados Unidos.
O anticorpo foi introduzido em ratos que haviam sido infectados com o vírus da dengue e se recuperaram da doença. Outros experimentos do tipo acabavam levando ao agravamento do estado clínico das cobaias. Alguns animais receberam a molécula antes de serem inoculados com o vírus. Esses desenvolveram um tipo de imunidade temporária e nem mesmo chegaram a ficar doentes. A maioria dos bichos que não recebeu nenhum tratamento morreu.
Graças à técnica de criomicroscopia eletrônica, os pesquisadores conseguiram congelar as amostras do anticorpo e visualizar em detalhes o mecanismo usado pela molécula para debelar o vírus. Eles viram que o 2D22 usa estruturas especializadas, como um sistema de chave-fechadura, que se conecta às proteínas presentes na superfície do vírus, evitando, assim, que ele penetre nas células e cause a infecção.
Os pesquisadores também observaram que a molécula tem uma função que impede o agravamento da doença por outros anticorpos, efeito comum nas pessoas que desenvolveram imunidade contra uma variação da dengue e acabam infectadas por outra. Todos esses efeitos, no entanto, são temporários. Como nenhum dos animais estava produzindo o anticorpo, eles não ficaram permanentemente protegidos contra a dengue, o que acontece com uma pessoa que desenvolve o mecanismo de defesa naturalmente.
Coquetel
Mas, com base nesses resultados, os cientistas acreditam que pode ser possível desenvolver um medicamento ou uma vacina contra o vírus. Todos os anos, 400 milhões de pessoas são infectadas pela febre tropical, mas, até hoje, não há medicamento que seja receitado especificamente para combater o patógeno. “Na verdade, nenhum remédio até agora foi eficaz contra a dengue. Nem antiviral nem vacina. Estudos isolados mostram um menor nível de mortalidade, mas são resultados que não nos permitem tirar qualquer conclusão”, afirma Vera Magalhães, professora de doenças infecciosas na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
O tratamento atualmente é sintomático, consiste no controle dos danos causados pela doença até que o corpo desenvolva uma defesa natural contra ela. “A geração de anticorpos após a infecção envolve diversas etapas, como o reconhecimento e o processamento do antígeno, que é a parte do micro-organismo que vai induzir a geração de anticorpos, e a apresentação dele para as células T. Esses vão auxiliar as células B a se diferenciarem em estruturas especializadas chamadas plasmócitos, que secretam anticorpos no organismo do indivíduo infectado”, explicam, em entrevista por e-mail ao Correio, os imunologistas Juliano Bordignon e Pryscilla Fanini Wowk, pesquisadores em Saúde Pública do Instituto Carlos Chagas, na Fiocruz do Paraná.
Os pesquisadores esperam combinar a estrutura do 2D22 com anticorpos já desenvolvidos em laboratório contra as outras variações da dengue, como uma forma de criar um coquetel que imunize os pacientes. Para criar uma vacina forte o suficiente contra a doença, eles teriam de criar um composto capaz de estimular uma resposta imune que combata as quatro variações da doença — os últimos avanços mostraram bons resultados para os tipos 3 e 4, mas não foram eficientes contra a variação 1 e 2. Os anticorpos estão sendo preparados para a nova fase dos estudos, que devem permitir a condução de testes clínicos nos próximos anos.