Saúde

Profissões que demandam esforço físico podem comprometer a produção de esperma

Pesquisa abre caminho para a criação de estratégias preventivas

Vilhena Soares

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Homens com profissões que exigem muito esforço físico, como pedreiros e carregadores, têm mais risco de desenvolverem problemas de fertilidade. As chances aumentam ainda mais se ingerirem regularmente muitos medicamentos, consequência geralmente do acúmulo de doenças crônicas, principalmente a hipertensão. A constatação vem de um estudo norte-americano publicado recentemente no jornal Fertility and Sterility e pode ajudar no desenvolvimento de soluções que facilitem do desafio de quem planeja ter filhos.


Os autores partiram de estudos que indicavam a relação entre o tempo de vida — que está ligado ao desencadeamento de doenças crônicas — e a fertilidade masculina. “Houve um crescimento de dados indicando que a saúde geral de um homem pode impactar na fertilidade dele. Por conta disso, quisemos explorar a existência de um vínculo também com o trabalho exercido por eles”, justifica ao Correio Michael Eisenberg, um dos autores da pesquisa e diretor do Departamento de Medicina e Reprodução Masculina da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos.

Foram observados durante um ano 500 casais, com 30 anos em média. Os participantes do experimento responderam a questionários que buscavam detalhes sobre a história reprodutiva, a saúde, o estilo de vida e as atividades profissionais deles. Também foram colhidas amostras de sêmen para análise.

Como resultado, os pesquisadores descobriram que grande parte dos homens que relatou desempenhar um trabalho pesado apresentou baixa produção de esperma, se comparados àqueles que relataram baixo esforço físico durante as atividades profissionais. Os cientistas também observaram que os participantes que disseram ter hipertensão arterial, diabetes ou colesterol alto e que ingeriam muitos medicamentos apresentaram uma menor produção de esperma do que os que não se enquadravam nesse perfil.

No estudo, o grupo não conseguiu justificar por que a baixa produção de esperma está ligada a esses fatores, mas levantou algumas hipóteses. “É uma grande questão. Acho que a natureza exata da relação precisa ser mais estudada. Com relação ao trabalho, pode ser que um esforço físico ou o aquecimento do corpo prejudique a produção de esperma. Quanto aos medicamentos e à hipertensão, poderia ser a doença em si (ou fatores de risco comuns) ou o tratamento associado”, explica Eisenberg. “Precisamos entender se os tratamentos ou medicamentos específicos estão causando essa baixa produção porque isso pode ser modificado, sendo possível, assim, retornar os níveis fertilidade considerados normais”, completa.

Novidades
Augusto Barbosa Reis, urologista e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), destaca que o trabalho dos cientistas da instituição norte-americana mostra fatores que já eram relacionados à infertilidade masculina, mas também apresenta novidades. “Já tivemos casos de pacientes com hipertensão que usavam mais medicamentos e relatavam problemas de fertilidade. Em relação ao esforço no trabalho, isso é uma novidade”, detalha. “Sabíamos que alguns atletas que relataram esforços extenuantes tinham esse problema, mas não havia sido associado ao trabalho comum.”

O professor também ressalta que, apesar das observações clínicas, a associação do uso de muitos medicamentos e a infertilidade nunca foi evidenciadas cientificamente. “Nesse trabalho, foi abordado o uso de remédios como um fator prejudicial, mas o número não foi significativo, é algo que ainda precisa de mais estudos para que possamos comprovar.”

Mesmo concordando de que há a necessidade de uma análise mais aprofundada da ligação entre esses fatores, os autores do estudo acreditam que trouxeram conclusões que podem ampliar a busca de estratégias de tratamentos de saúde para casais com dificuldade em engravidar. “ Ao entender por que essas associações existem — entre trabalho, saúde e fertilidade —, podemos ser capazes de projetar intervenções que melhorem o potencial reprodutivo dos homens”, destaca Eisenberg.

Influência da idade
Urologista do Hospital Santa Luzia, no Distrito Federal, José Henrique Mezzeth Filippi observa que os problemas de saúde ligados à infertilidade podem estar correlacionados à idade dos participantes do estudo da Universidade de Stanford. “Podemos dizer que as pessoas que estão por volta dos 30 anos apresentam mais problemas, como obesidade e hipertensão. Essas enfermidades podem interferir diretamente na produção de esperma. E esse é mais um fator que mostra que a decisão de ter filhos tarde pode acarretar em maiores dificuldades.”

Analisar participantes com idades mais diversificadas faz parte do roteiro da próxima etapa da pesquisa, segundo Eisenberg. “Essas associações devem ser exploradas em outras populações. E nosso trabalho é necessário para sermos capazes de entender como um problema de saúde pode afetar a fertilidade.” O desafio torna-se ainda mais importante, segundo o pesquisador, no atual cenário, em que as pessoas decidem ter filhos mais velhas. “O papel de doenças que podem atrapalhar esse projeto deve ser explorado novamente”, diz.

Filippi cita outro problema que tem sido observado frequentemente nos consultórios e que é bastante comum entre os jovens adultos: a ingestão exagerada de anabolizantes. “Muitos homens nem sabem, mas essas substâncias podem prejudicar a quantidade de sêmen produzido, reduzindo o número de espermatozoides”, alerta.


Chance de reversão
“Se verificarmos algo que pode estar prejudicando — como um homem que trabalha em uma siderúrgica, sofre exposição excessiva ao calor e está sofrendo com uma contagem menor de esperma —, podemos ligar uma coisa a outra e corrigir esse problema, reduzindo ou cessando essa atividade até que a pessoa consiga retomar sua contagem normal de esperma. O interessante desse estudo é esse foco em fatores que podem ser reversíveis, ao contrário de causas de infertilidade provocadas por quimioterapias ou tratamentos na infância, por exemplo”

José Henrique Mezzeth Filippi, urologista do Hospital Santa Luzia.