Tudo o que se constrói no campo da consciência e das emoções vai sendo, ao mesmo tempo, edificado no corpo físico, transformando a maneira como ele se expressa e mostrando, cada dia mais, que a saúde física tem tudo a ver com a emocional. Por trás desse aparente clichê sobre a relação entre corpo e mente há uma verdade incontestável: as descobertas de Albert Einsten, que, no início do século 20, além da teoria da relatividade, concluiu que matéria e energia estão tão entrelaçadas quanto o espaço e o tempo. E isso tem tudo a ver com bem-estar e saúde, garantem especialistas, como o clínico médico e homeopata Euder Airon Morais, defensor da ideia de que não existe cura possível de fora para dentro.
Morais, que trabalha como clínico na área de neurologia do Hospital João XXIII, onde já exerceu cargos de direção e foi plantonista da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) por mais de duas décadas, sustenta a ideia de que só existe uma medicina, cuja lógica é ajudar cada paciente a encontrar a melhor maneira de ter saúde e de viver. “É preciso fugir da dicotomia. Não existe prática médica do bem ou do mal. Alopatia e homeopatia são processos complementares”, sustenta. Além da homeopatia, outras terapias integrativas ou complementares vêm, aos poucos, ganhando espaço em hospitais brasileiros, a exemplo do que já ocorre em países mais avançados.
Centros de saúde como o Hospital Israelita Albert Einsten e o Hospital Sírio-Libanês (São Paulo) já abraçaram a ideia, trabalhando com um conceito de cura ampliado, no qual a cura deixa de ser compreendida apenas como o fim de um sintoma e, seguindo as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), passa a ser vista como o restabelecimento do bem-estar físico, mental e social do paciente, num caminho mais amplo e subjetivo de aproximação de um estado de equilíbrio global. Para isso, oferecem aos pacientes ioga, meditação, reiki, acupuntura, musicoterapia, técnicas de relaxamento corporal e práticas de meditação.
Levados pela demanda crescente da população brasileira e pelas recomendações da OMS, em 2006, o Sistema Único de Saúde (SUS) passou a oferecer aos pacientes acupuntura, homeopatia, fitoterapia, crenoterapia e medicina antroposófica. Tudo isso mostra que, cada vez mais, a visão integrativa do ser humano vem, reconhecidamente, ajudando as pessoas a desenvolver saúde e a descobrir que, mesmo com a ajuda inestimável da medicina tradicional, o processo de autocura envolve a capacidade de o indivíduo refazer caminhos e construir transformações corporais. Apesar dos avanços, porém, a prática ainda é tímida no Brasil e a maioria dos interessados acaba recorrendo aos serviços particulares.
Há cinco anos, a artista plástica Vera Lídia Ferreira Durso, então com 75 anos, foi diagnosticada com um linfoma. Junto com a quimioterapia, ela foi tratada com homeopatia, que, segundo Euder Airon Morais, ameniza os efeitos colaterais do tratamento quimioterápico e, ao mesmo tempo, melhora os efeitos positivos desse tratamento. “Acho que a homeopatia ajuda em todos os momentos da vida. Não posso dizer que fui curada pela homeopatia, mas, com certeza, ela ajuda física e psicologicamente”, afirma Vera, que, em todos os momentos de dificuldades com a saúde, mesmo antes do câncer, recorreu à homeopatia. Além disso, ela é, atualmente, adepta das massagens de leitura corporal a cada 15 dias e usa óleos essenciais para se curar de processos de adoecimento cotidiano. “Achei que estava tendo uma recidiva do câncer, usei os óleos e o oncologista ficou surpreso com a redução do tamanho do gânglio depois do uso do óleo. Mandamos fazer a biópsia e não era câncer”, comemora.
ENERGIA VITAL
Baseado no toque suave das mãos, que promove saúde e previne doenças, o reiki tem o poder de provocar mudanças na consciência de si mesmo
Há sete anos, o Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, criou o Núcleo de Cuidados Integrativos, que visa contribuir para que os pacientes sejam amparados em todos os aspectos do seu ser: mente, energia, espiritualidade e família. A ideia que levou o hospital a criar essa instância, que integra a área de medicina avançada e especialidades – junto de cardiologia, diabetes, câncer de pele, geriatria e feridas complexas, entre outras –, é oferecer melhores condições para que os pacientes enfrentem seus tratamentos e, muitas vezes, a difícil realidade do momento. A área reúne sete profissionais, coordenados pelo mestre em reiki Plínio Cutait, que atua nesse campo há 25 anos.
“Levar as práticas integrativas para dentro do hospital é um desafio, porque os paradigmas que existem no sistema de saúde convencional são mais voltados para curar doenças. Nossa intenção é contribuir para a humanização do cuidado. No século 20, a medicina e os hospitais se desumanizaram muito, afastando a concepção do ser humano como um todo”, explica.
A jornada de trabalho de Cutait se estende por 10 horas diárias. Em seu dia a dia no hospital, ele aplica reiki em pessoas com muitos tipos de câncer. “A primeira coisa em que esses pacientes estão pensando é em sua doença física, no sofrimento provocado pelo tratamento, nos impactos financeiros que a doença gera, mas suas necessidades vão além disso”, observa.
MUDANÇAS Segundo ele, em geral, mesmo quando recebem alta e saem do hospital com a certeza de que estão curadas, essas pessoas estão com sua vida virada de ponta-cabeça. Por isso, de acordo com ele, a continuidade da aplicação da técnica é recomendada.
“Essas pessoas voltam para casa com vários problemas depois de cinco anos de tratamento. Perderam uma mama, ficaram com disfunção erétil, gastaram o dinheiro da família. Nesse momento, o reiki traz para elas um pouco de contato consigo mesmas. Recebendo o reiki, elas começam a reconhecer um pouco do sofrimento que carregam e promovem mudanças em suas vidas para superar esse sofrimento”, diz.
PRONTO-SOCORRO NAS MÃOS
Tânia Varela Lopes, terapeuta reikiana e de florais, trabalhou com um grupo de voluntários numa casa de acolhimento de crianças com câncer. Segundo ela, ali o reiki era aplicado não só nos meninos e meninas, mas também em seus pais e nos funcionários do local. “Depois da aplicação, as crianças dormiam muito e, quando acordavam, estavam mais calmas.”
“O reiki funciona na contenção de sangramentos, alivia a dor, cura a depressão e reduz a febre. Assim que fiz o curso, testei em meu próprio filho, que estava com 40 graus de febre, e funcionou. Para mim, a prática é um pronto-socorro nas mãos”, resume.
Plínio Cutait explica que os cuidados integrativos são uma tendência na medicina mundial e que há vários cursos de pós-graduação nesse sentido nas universidades. Ele mesmo acaba de dar uma aula na Faculdade Paulista de Medicina. “Isso está muito disseminado no mundo inteiro”, sustenta.
De acordo com ele, uma das práticas usadas para o alívio mental e espiritual do paciente é o mindfulness, forma de meditação tradicional adaptada para dentro dos hospitais como técnica antiestresse. “Temos no Sírio-Libanês ocasionalmente, para ensinar aos pacientes”, afirma. O termo mindfulness designa um estado mental criado para focar a atenção plena no momento presente. Tudo isso voltado para a saúde do paciente.
DESPERTAR Mas, além de recuperar saúde, é possível promover a saúde do corpo e da alma. O padre Luiz Eustáquio Nogueira coordena o Mosteiro São José, na Serra do Cipó, local procurado por aqueles que desejam aprender e praticar a meditação, a contemplação e a oração. “Investir na consciência interna é ir além da mente e da razão, é ser capaz de se libertar de memórias. Há uma realidade muito maior dentro de nós. O caminho é descobrir o processo de retorno para a própria casa. É encontrar essa casa e abri-la. As janelas são grandes e o mundo inteiro cabe dentro delas”, observa.
Pare ele, as doenças são sintoma de desajustes internos e de uma forma muito distorcida de ver o mundo e a si mesmo. “Tudo isso se reproduz no sistema biológico de forma impressionante”, sustenta o padre, que defende a cura como um processo, um estado de consciência. “Curar-se é despertar diante da verdade da vida”, conclui.
AGULHADAS DO BEM
Sem efeitos colaterais e com resultados de longo prazo, a acupuntura vem ganhando adeptos, que testemunham os benefícios e os impactos na vida diária
Foi por causa das lembranças de infância que o médico Paulo de Tarso Amorim, formado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), abandonou a especialidade em pneumologia para se dedicar exclusivamente à acupuntura. O pai de Amorim trabalhava numa empresa japonesa e, por isso, sua família sempre teve contato com diferentes técnicas tradicionais da medicina oriental, como shiatsu e acupuntura. Por isso, depois que se formou e fez residência em pneumologia na Santa Casa, procurou se aprofundar na abordagem oriental. Foram mais duas especializações em acupuntura até a decisão que marcaria a mudança de rumo em sua vida profissional, com a especialização no Instituto Van Nghi do Brasil, onde aprendeu diretamente com os japoneses a forma de pensar e de tratar os pacientes. Por isso, entre 2000 e 2004, Amorim, pouco a pouco, encaminhou seus pacientes de pneumologia a outros colegas, passando a se dedicar integralmente à prática milenar.
Amorim explica que a acupuntura cura determinados incômodos e controla outros. Segundo ele, qualquer paciente, seja ocidental ou oriental, chega ao consultório com sintomas, mas os sinais clínicos que apresentam podem ser abordados de forma diferente de uma pessoa para outra. As queixas são as mesmas em qualquer lugar do mundo, porém, o raciocínio dentro da fisiologia da medicina oriental é feito em bases energéticas, o que é totalmente diferente da medicina ocidental. “Trabalhamos com o yin e o yang, com os cinco movimentos e com a energia dos níveis de energia”, explica. Isso significa que, quando um paciente se queixa de depressão, a acupuntura vai determinar qual é a sua origem: trata-se de depressão ou angústia? Esse sentimento está ligado ao medo, ao ressentimento ou à cólera?. A partir daí, o médico vai determinar a melhor abordagem no tratamento, que utiliza pequenas agulhas para modular a energia que vem dos órgãos e das vísceras dos pacientes.
A psicóloga Maricelma de Assis Von Randow, de 51 anos, optou pela medicina oriental num momento da vida em que sentia muitas dores nas costas e sofria com crises de labirintite. “Fiz o tratamento e o resultado foi excelente. Depois disso, várias pessoas da minha família fizeram o mesmo. Minha mãe também tratou a labirintite; meu irmão, a dor de cabeça que não parava, mesmo depois de testar todos os medicamentos. Depois disso, ele nunca mais teve nada”, sustenta. O tratamento de Maricelma durou um mês e o da mãe, dois meses. “Foi a primeira vez que procurei uma terapia complementar”, diz a psicóloga, que assegura ter se livrado de todos os males de saúde. Para o médico chinês Zhang Zhengxu, que atua no Brasil há 16 anos, o segredo da medicina chinesa está em descobrir onde está o desequilíbrio e tratá-lo. “A procura vem crescendo muito. As pessoas já sabem que não há efeitos colaterais e que os resultados são de longo prazo”, observa.
CONSCIÊNCIA Já a servidora pública Jussara Castanheira Aquino, de 59, optou pela antiginástica, método criado na França em 1979 por Thérése Bertherat, que vem a ser um trabalho corporal que procura despertar a força do corpo. “O ser humano tem mais de 600 músculos e não movimenta mais do que 50”, explica Jaqueline Saraiva Silva, única terapeuta licenciada pela técnica em Minas. “Fazemos um trabalho de educação pedagógica para o corpo, de forma a trazê-lo para o que é natural dele. Os praticantes ganham consciência corporal, passam a conhecer os limites do seu corpo e as suas possibilidades. O trabalho com o corpo é muito gentil. Os movimentos são pequenos e poderosos, mexem em lugares no corpo que, normalmente, não são trabalhados”, explica Jaqueline. Com isso, segundo ela, a musculatura fica fortalecida, as articulações se equilibram, o corpo fica mais flexível.
Antes de associar aos antiginástica antidepressivos receitados por uma fisiatra, Jussara conta que vivia com dores no corpo inteiro e que sentia que carregava um xale de aço nas costas, mas assegura que hoje ele ficou um cachecol. “A fibromialgia tem fundo psicossomático e, na primeira vez em que tomei o medicamento, senti uma taquicardia enorme e fui parar no cardiologista. Por isso tive de reduzir a dose à metade”, lembra. Depois de um ano e meio de tratamento, as dores praticamente sumiram e ela sentiu, ainda, melhora significativa em seu lado emocional. “Antes, a dor me impedia de dormir. Hoje, me sinto 98% melhor”, garante.
Para o clínico e homeopata Euder Airon Morais não há conflitos no uso de diferentes terapias complementares na promoção da saúde. Para ele, todos os mecanismos e instrumentos que estão a serviço do desenvolvimento de um processo autocurativo devem ser considerados sinérgicos. “A arte da medicina está a serviço de ajudar o paciente com todos os instrumentos possíveis. Não dá mais para praticar a exclusão. Uma medicina não pode negar a outra. A homeopatia cura pela semelhança e, no encontro dos semelhantes, desenvolve-se o processo curativo”, observa. Na visão dele, as práticas integrativas e complementares de medicina privilegiam o olhar amoroso sobre o paciente.
TRATAMENTOS
» Reiki
Sistema de origem japonesa baseado no toque suave das mãos, que promove saúde, previne doenças e pode ser usado como coadjuvante de tratamentos de diversas patologias. Trata-se de um tratamento global, que atua em todas as dimensões do ser humano (física, emocional, mental e espiritual). Relaxa e alivia os sintomas de estresse, dor, fadiga, náusea, ansiedade e insônia, entre outros.
» Musicoterapia
De acordo com a definição da World Music Therapy Federation, a musicoterapia é a utilização da música e/ou seus elementos por um musicoterapeuta qualificado, com um paciente ou grupo, visando facilitar e promover a comunicação, relação, aprendizagem, mobilização, expressão, organização e outros objetivos terapêuticos relevantes, no sentido de alcançar as necessidades físicas, emocionais, mentais, sociais e cognitivas. Podem ser ativa (privilegia a improvisação instrumental, a criação e a relação terapêutica) ou passiva (na qual a escuta musical adequada e a capacidade de ativar a imaginação pelos estímulos musicais podem oferecer alívio da dor e do desconforto físico, promover relaxamento e reduzir a ansiedade).
» Acupuntura
A medicina tradicional chinesa preconiza que o corpo humano tem 12 meridianos principais por onde corre a energia vital (Qi), que precisa estar equilibrada em suas duas polaridades naturais, yin e yang. A acupuntura atua na promoção desse equilíbrio. A técnica vem sendo usada como tratamento integrado às patologias crônicas, ortopédicas, neurológicas, reumatológicas e ginecológicas, ajudando na recuperação de função, quando possível, ou como ação analgésica e/ou anti-inflamatória. Aplica-se também a pacientes oncológicos ou em cuidados paliativos para alívio da dor, ansiedade, fadiga, náusea e depressão e de efeitos colaterais produzidos pela rádio e/ou quimioterapia.
» Práticas de mente-corpo/meditação
Têm como foco as interações entre o cérebro, a mente, o corpo, o comportamento e os meios pelos quais fatores emocionais, mentais, sociais, espirituais e comportamentais podem afetar a saúde diretamente. Entre essas técnicas, uma das mais conhecidas e estudadas é a meditação. O termo refere-se a uma variedade de práticas que visam focar ou controlar a atenção. Elas promovem calma e relaxamento físico, melhoram o equilíbrio psicológico, ajudam a enfrentar uma doença ou estimular a saúde e o bem-estar geral. Há fortes evidências científicas sobre os benefícios das práticas mente-corpo em condições como doença arterial coronariana, dores de cabeça, insônia, lombalgia crônica e sintomas do câncer e seu tratamento.