Resposta sobre data da primeira menstruação está no DNA

Se muito precoce, a experiência pode aumentar o risco de doenças como câncer e diabetes

por Isabela de Oliveira 19/06/2015 15:00

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A chegada da primeira menstruação (menarca) — uma das experiências mais fortes do início da adolescência — costuma surpreender tanto a filha quanto a mãe. A expectativa é de que o marco inicial do ciclo fértil ocorra quando a garota tem entre 11 e 14 anos. Prever o dia exato da menarca, porém, é impossível. Mas pesquisadores da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, dizem ser possível, a partir de análise genética, fazer uma estimativa com base no início da puberdade dos pais da menina. E mais do que isso: com o cálculo, pode-se ter acesso a informações valiosas sobre a futura condição de saúde daquelas cujo fenômeno biológico se dá antes do esperado.

Valdo Virgo / CB / D.A. Press
A idade em que ocorre a primeira menstruação seria uma característica hereditária (foto: Valdo Virgo / CB / D.A. Press)


Evidências médicas indicam que a idade em que ocorre a primeira menstruação é uma característica hereditária. Recebe influência de genes que “despertam” conforme a origem parental deles. Isto é, alguns estão expressos apenas no cromossomo herdado da mãe, enquanto outros apenas no que foi recebido pelo pai. Esses traços genômicos são chamados de genes impressos e, segundo os cientistas britânicos, 106 desempenham papel fundamental para desencadear a puberdade.

A pesquisa liderada pelo geneticista John Perry e publicada recentemente na revista Nature é o primeiro passo para destrinchar a genética envolvida na menarca. Consequentemente, na ligação dela com o aumento de riscos para enfermidades cujos tratamentos são caros, difíceis e crônico. Diabetes, obesidade e câncer de mama estão entre os males em que se cogita uma vinculação com o início antecipado da maturidade sexual.

“Ela altera hormônios produzidos no hipotálamo e na hipófise, glândulas do cérebro que controlam o perfil hormonal da paciente. Então, aquela mulher que teve a menstruação precoce, antes dos 8 ou 9 anos, está muito mais exposta a esses hormônios, o que gera várias consequências”, explica Paulo Miranda, ginecologista e obstetra do Hospital Santa Luzia, em Brasília, e não participante do estudo.

Os resultados vêm de uma revisão de 57 pesquisas feitas em diversos países da Europa. A análise dos dados contou com uma força-tarefa de 166 instituições. Juntos, os cientistas investigaram o DNA de mais de 180 mil mulheres de ascendência europeia e encontraram centenas de variações genéticas associadas ao momento em que as meninas experimentam o primeiro ciclo menstrual. Seis dessas variantes tinham ligação forte com as regiões da estrutura genética dos genes impressos.

Essa, aliás, foi a primeira grande surpresa dos autores. Até então, sabia-se apenas que os genes impressos controlavam o crescimento e o desenvolvimento pré-natal. Portanto, a informação de que eles também influenciam a taxa de desenvolvimento após o nascimento é inédita, diz Perry. A maior parte deles jamais foi relacionada à puberdade, e suas tarefas no organismo estavam resumidas à energia corporal, à homeostase (capacidade do corpo de manter as condições internas em uma situação físico-química adequada) e à imunidade.

“Perceber que essa parte do DNA tem influência na idade em que ocorre a primeira menstruação foi uma grande novidade. É inesperado porque apenas uma das cópias está ativa, o que justifica que, dentro de uma mesma família, o tempo de puberdade das filhas seja diferente porque uma pode ter expresso o gene da mãe, e a outra, o do pai”, diz Perry. Os pesquisadores ainda não sabem o que faz com que o gene de apenas um dos pais desperte.

Perry aponta algumas hipóteses. “Há muito debate sobre isso, e a teoria mais popular é de que existe um ‘cabo de guerra genético’ entre os genes paternos e os maternos. Em termos evolutivos, os paternos vão maximizar o crescimento de um feto em desenvolvimento. Por outro lado, os genes herdados da mãe vão querer ‘guardar’ alguns dos recursos biológicos com o objetivo de aumentar as chances de um bebê adicional”, detalha. Apesar disso, não há explicação para a relação desse embate com a idade da primeira menstruação.

Mito
Desde que o excesso de peso passou a ser tratado como uma epidemia mundial, há maior interesse em conhecer a fundo a ligação dele com a menstruação precoce. Crianças da atual geração iniciam o desenvolvimento sexual antes que as de poucas décadas atrás. Cogita-se, por isso, que a menarca antecipada se dê porque há uma explosão maior de hormônios femininos nas meninas obesas. Alguns deles, como o estrogênio, são produzidos nos tecidos adiposos, além dos ovários.

Ao longo das investigações, alguns mitos sobre alimentos já foram derrubados por especialistas. Como José Domingues Santos Junior, da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), afirma. “Eu morro de medo quando uma mãe chega ao consultório dizendo que a menina menstruou mais cedo porque come frango. Há vários relatos, inclusive produzidos por médicos veterinários, desmentindo que as grandes empresas que produzem carne de frango utilizam hormônios. Faz parte da legislação”, esclarece o também professor da Escola Superior de Ciências da Saúde, de Brasília.

Além de todas as influências externas, Perry diz que os fatores internos são ainda mais complexos. “Nossos resultados indicam que os mecanismos genéticos ligados direta ou indiretamente à obesidade podem ser subjacentes às associações epidemiológicas entre menarca precoce e riscos mais elevados de doenças. As mulheres que tiveram menstruação precoce sofrem com ação mais intensa do gene LIN28B, que aumenta a sensibilidade à insulina”, descreve o britânico.

Influência da vitamina D
Em 2011, um estudo da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, indicou que a combinação de baixos níveis de vitamina D em jovens que tiveram a primeira menstruação antes do esperado é um fator de risco para uma série de problemas de saúde. Os autores mediram a taxa sanguínea de vitamina D em 242 meninas com 5 a 12 anos, todas de Bogotá, na Colômbia. Elas foram acompanhadas durante 30 meses. Entre as que sofriam com deficiência do composto, 57% tiveram a primeira menstruação durante o estudo, com 11,8 anos em média. Em comparação, as que apresentavam níveis ideais da vitamina no organismo tiveram a menarca um pouco mais tarde, aos 12,6 anos. Eduardo Villamor, principal autor da pesquisa, afirmou, na época, que, embora a diferença de 10 meses pareça pouco tempo, ela é substancial porque se trata de um período em que acontece boa parte da maturação do corpo.

Rumo à terapia personalizada
Em 2009, o geneticista John Perry descreveu, na revista Nature Genetics, a relação de genes com a idade da primeira menstruação. A equipe de pesquisadores investigou mais de 17 mil mulheres de diversas regiões do mundo. Após dividirem as participantes conforme a idade em que ocorreu a menarca, isolaram os genes que tinham mais probabilidade de associação com o processo biológico. Entre eles, o SIRT3, também ligado à menstruação precoce e com influência no metabolismo e no processo de envelhecimento.

Depois de identificá-los, a equipe de Perry calculou que uma a cada 20 mulheres tinha duas cópias de cada uma das variantes genéticas que provocam a menstruação quatro meses e meio mais cedo do que em meninas que não as possuem. Para o estudioso da Universidade de Cambridge, os resultados obtidos por eles e outros no mesmo sentido pavimentam o caminho de pesquisas que vão investigar as maneiras de criar testes genômicos que permitam não apenas a prevenir doenças, como também usar tratamentos personalizados, sob medida.

O ginecologista brasileiro José Domingues Santos Junior tem avaliação semelhante. “O grande salto da medicina vai ser esse. Daqui para a frente, vamos ver cada vez mais essa possibilidade. A pesquisa é interessante por revelar essa tendência de detectar doenças relacionadas ao funcionamento dos ovários. O que os pesquisadores mostraram e sugerem é que esses males possam incidir mais nas meninas em que a primeira menstruação ocorre mais cedo”, pontua.