Os quase 90 minutos do filme de Renata Meirelles e David Reeks - que está em cartaz em Belo Horizonte no Ponteio Lar Shopping, às 17h30 -, é uma oportunidade para escutar e perceber crianças de todas as regiões do Brasil no que elas fazem com total propriedade: a leitura do mundo pelo brincar. “Está na hora de entender que os maiores especialistas do brincar são as crianças e todos temos muito a aprender com elas. Escutamos excessivamente que as crianças de hoje não sabem mais brincar, mas precisamos combater esse discurso errôneo. Elas sabem brincar, sim, mesmo àquelas com muito vínculo à tecnologia”, afirma Renata Meirelles.
A opção que o casal de diretores faz por não ouvir nenhum especialista em infância ou brincadeira no filme é justamente para reconhecer o protagonismo das crianças nesse tema. “Não é preciso especialista para nos convencer da importância do brincar. Demos voz às crianças para que elas nos ensinem a sua potência”, completa Renata Meirelles que há 20 anos pesquisa sobre brincadeira.
Ela e o documentarista David Reeks viajaram na companhia dos filhos de 6 e 8 anos durante 21 meses por nove estados brasileiros e visitaram 14 comunidades: indígenas, ribeirinhas, quilombolas, rurais, litorâneas e grandes metrópoles. Em todo canto, crianças brincavam. “O Território do Brincar é um projeto que nasceu em 2012 com o objetivo de aprofundar o olhar sobre o que vem da infância”, conta Renata. A captação das imagens para o filme ocorreu entre 2012 e 2013.
Para ela, o filme é revelador para os adultos que não olham para o brincar atentamente. “Não precisa explicar nada, está tudo dito pelas crianças”, observa a diretora de Território do Brincar. Renata revela que por cada lugar que a equipe de filmagem passou foram dedicados de um a três meses de estadia. “Era preciso criar vínculo para captar o que é espontâneo da criança. A gente deixava a câmera ligada por horas para captar a essência de cada brincadeira. Estar disponível ao tempo da criança sempre foi a nossa prioridade. A criança precisa de tempo para entrar verdadeiramente no espontâneo”, diz.
Crianças entre 3 a 15 anos de contextos culturais e econômicos diversos ocupam confortavelmente a grande tela e mostram a potência de cada ser humano. “O filme não se propõe a ser comparativo, tentamos não reforçar esse olhar, mas mostrar que em todos os lugares temos imaginários potentes, da sala do apartamento à natureza e seu espaço de magnitude”, afirma Meirelles.
Para as famílias que buscam combater os papéis de gênero ao inserir o cuidado nas brincadeiras dos meninos e a aventura na das meninas, o filme pode deixar uma lacuna já que eles aparecem predominantemente com seus carrinhos, armas e engenhocas, e elas, envoltas ao universo das bonecas. No entanto, quando meninas e meninos estão juntos em cena, essa diferença não é tão nítida. “Não que seja uma regra, mas ao se deter aos momentos espontâneos da criança há uma distinção do gênero no brincar”, observa Renata. O longa nos mostra então o quão desafiador é combater essa separação de brinquedos por gênero para combater estereótipos.
O filme Território do Brincar foi pensado para os adultos, mas Renata diz que todas as crianças que assistiram deram um retorno positivo. A ideia do documentário é, segundo ela, “falar de todos nós por meio dos gestos de crianças brincando, como se pudéssemos fazer um retrato humano através dessas brincadeiras”.
Além desse encontro com o brincar, um gostinho especial para os mineiros: o grupo Uakti interpreta algumas das canções da trilha sonora.
Reencontro
Renata Meirelles diz que a meninada retratada no documentário ainda não viu o filme pronto e que ela pretende retornar a cada lugar que esteve para fazer uma exibição do longa-metragem. No entanto, segundo ela, as imagens brutas registradas em cada lugar foram exibidas às comunidades pelas quais passaram. “E foi uma resposta aos adultos que nos disseram que aquelas crianças não brincavam mais”, pontua.
Para ela, o mantra do adulto de que ‘A criança de hoje em dia não sabe mais brincar’ “é um reflexo claro de que não sabemos mais olhar a criança. Em última instância, quanto mais acreditarmos que as crianças não brincam, mais teremos que ocupar seu tempo ocioso com serviços, cursos ou instituições, e consumir brinquedos e aparelhos eletrônicos. Por isso precisamos saber que cavoucar a terra, procurar insetos nas plantas, brincar de casinha, construir brinquedos e tantos outros aspectos são necessidades essenciais das crianças e correspondem ao seu brincar atual e atemporal”, finaliza.