“Atualmente, não há testes bem aceitos para medir mudanças cognitivas relacionadas à quimioterapia. O objetivo desse estudo foi verificar se o padrão de ondas cerebrais pode ser uma maneira de avaliar as mudanças que muitas mulheres relatam após o tratamento do câncer de mama”, destaca Kristin Campbell, professora do Departamento de Fisioterapia da University of British Columbia (UBC) e primeira autora do estudo. “Poderíamos usar isso como uma maneira de medir a mudança ao longo do tempo se tentássemos um tratamento para evitar esse problema”, complementa.
A equipe analisou dois grupos de mulheres: 19 estavam curadas do câncer de mama há três anos e 12 não tinham tido a doença. A idade das participantes variava de 40 a 65 anos. Todas foram submetidas a atividades para medir a capacidade de concentração. Durante as tarefas, um eletroencefalograma monitorou a atividade cerebral delas. As curadas do câncer apresentaram uma atividade neural menor e não conseguiam se concentrar como o grupo de mulheres saudáveis.
Os resultados diferentes, acreditam os cientistas, podem ter como motivo as sessões para o tratamento do tumor na mama. “A razão pela qual a quimioterapia altera a capacidade de concentração não é bem compreendida. Há uma sugestão de que ela provoque inflamação no corpo, o que, por sua vez, pode influenciar no funcionamento do cérebro. E as mulheres relatam muitos sintomas após a quimioterapia, como problemas com atenção, memória e a capacidade de multitarefa (realizar várias atividades ao mesmo tempo)”, explica Campbell.
Processo interrompido Todd Handy, professor de psicologia da UBC e integrante da pesquisa, explica que os cérebros saudáveis funcionam de maneira cíclica. As pessoas conseguem se concentrar em uma tarefa e se envolver completamente com elas por alguns segundos e, em seguida, deixam a mente vagar um pouco. Após sessões de quimioterapia, porém, o cérebro pode permanecer nesse estado de divagação por mais tempo. “Fica cronicamente vagando. Ele está essencialmente preso em um modo de fechar para fora”, explica.
No estudo, as sobreviventes do câncer de mama, mesmo quando acreditavam se manter focadas em algo, estavam, de acordo com os resultados do eletroencefalograma, desligadas, com a mente vagando. Os pesquisadores também encontraram evidências de que as ex-pacientes eram mais focadas em seu mundo interior. Quando as mulheres não estavam realizando uma tarefa e simplesmente recebiam a orientação para relaxar, o cérebro ficava mais ativo em comparação ao das outras participantes.
Fernando Vidigal de Pádua, oncologista clínico de Centro de Câncer de Brasília (Cettro), destaca que o trabalho canadense é bastante interessante, mas ressalta que, ao se tratar de problemas cognitivos, outras áreas devem ser consideradas na análise. “Vale destacar que a cognição engloba uma série de áreas, como a interação social e o estresse psicológico porque essas pacientes passaram e, pode ter deixado problemas de depressão e ansiedade, entre outros fatores”, destaca o especialista.
Campbell reconhece que o estudo precisa de aprofundamento, como testes com mais voluntários. Ainda assim, ele e os outros cientistas acreditam que a pesquisa traga esperanças de futuras terapias que impeçam novos problemas de saúde em sobreviventes do câncer. “Esperamos que esse teste nos permita dar continuidade ao estudo com outros que gerem estratégias de intervenção potenciais, como o retreinamento cognitivo — quebra-cabeças e desafios de memória, por exemplo — ou o exercício de concentração, que mostrou melhora na função cognitiva em adultos mais velhos”, destaca.
Pádua avalia que pesquisas nessa área são muito bem-vindas porque a quantidade de pessoas que sobrevivem ao câncer tem aumentado em função de tratamentos e prevenções mais eficientes. “Com isso, precisamos de informações que mostrem como as pessoas que se curaram estão se saindo nessa recuperação, se vão enfrentar novos problemas. Esses estudos são necessários pois queremos essas pessoas com qualidade de vida. E, dentro disso, entra a cognição.”
O oncologista reforça ainda que, apesar do risco de comprometimento cognitivo, a quimioterapia é uma das armas mais eficientes no combate ao câncer e, por isso, deve ser usada. “Pacientes preferem não se submeter a ela com medo dos efeitos neurológicos, o que é um problema, já que muitos estão vivos graças a esse tratamento.”
Estresse contra tumores
Cientistas americanos apresentam na edição desta semana da revista especializada Science Signaling resultados positivos no combate ao câncer a partir de uma estratégia que tem ganhado força no meio científico nos últimos anos. A abordagem — que parece promissora para combater tumores que se mostram especialmente resistentes aos tratamentos tradicionais — consiste em estressar as células doentes, fazendo com que se tornem mais sensíveis à quimioterapia. “Nós apresentamos uma estratégia alternativa para o tratamento do câncer, na qual retiramos das células tumorais as defesas que elas têm contra o estresse intrínseco delas”, resume, em um comunicado, Kakajan Komurov, principal autor da pesquisa e médico do Instituto de Câncer e Doenças Hematológicas do Hospital Infantil de Cincinnati.
A equipe de Komurov focou um tipo de câncer de mama especialmente difícil de combater, direcionado por um caminho molecular denominado HER2-mTOR. O tratamento-padrão para essa doença consiste em uma combinação de drogas que inclui um agente cujo alvo específico é o gene HER2. Porém, em mais da metade dos casos, a terapia não surte o efeito desejado.
Os cientistas decidiram, então, analisar células de câncer de mama em laboratório com a ajuda de análises genômicas feitas por grandes grupos de pesquisa, como o Atlas do Genoma do Câncer e o Consórcio Internacional do Genoma do Câncer. A equipe procurou nos tumores vulnerabilidades não oncogênicas que expressam um gene chamado ERBB2, que codifica o HER2. Observando a progressão das células como um processo evolutivo, os autores buscaram sinais genéticos da adaptação pela qual o tumor passa na busca por sobrevivência.
Nesse processo, eles descobriram que esses cânceres também expressam genes que regulam proteínas fundamentais para a sobrevivência das células doentes, um caminho conhecido como ERAD, sigla em inglês para degradação associada com o retículo endoplasmático. Em síntese, esse retículo é um componente da célula fundamental para que ela lide com o processo instável gerado pela quimioterapia, chamado de estresse proteotóxico.
Assim, os cientistas levantaram a hipótese de que suprimir o ERAD tornaria o câncer mais sensível ao estresse provocado pela quimioterapia. Esse inibidor é o gene IRE1-JNK, também identificado no estudo. Quando adicionado ao coquetel anticâncer, esse inibidor ajudou as drogas a matarem as células doentes no laboratório. Otimistas, os pesquisadores começaram testes em ratos.