O grupo de pesquisadores da Universidade de Erlangen-Nuremberga (FAU), na Alemanha, começou a estudar o efeito viciante das batatas fritas em animais de laboratório há alguns anos. Em outro artigo, os cientistas demonstraram como os bichos que comiam o salgadinho se comportavam como se estivessem dependentes, movendo-se constantemente em busca de mais comida. Mesmo com o estômago cheio, os animais que tinham acesso ao alimento calórico continuavam comendo, e ganharam peso rapidamente.
No novo trabalho, os cientistas queriam verificar se a fissura dos animais em laboratório pelas batatas fritas era resultado da densidade energética do alimento — isto é, a concentração de calorias por porção —, ou se era a composição que os levava a procurar a guloseima compulsivamente. Os pesquisadores desenvolveram então uma ração com receita similar à da batata frita industrializada: 35% de gordura e 65% de carboidratos.
Parte das cobaias teve a opção de escolher entre o novo alimento e outras comidas com diferentes proporções de gordura e carboidratos, enquanto o restante dos roedores foi mantido na dieta tradicional e equilibrada. O teste mostrou que os animais tinham uma preferência pelo alimento cuja composição imitava a do salgadinho, embora outras receitas tivessem teores calóricos semelhantes. A ração que tinha mais gordura, por exemplo, foi deixada de lado.
Os pesquisadores também monitoraram o efeito da guloseima no cérebro das cobaias. “O consumo das batatas fritas ativa os circuitos de recompensa no cérebro delas. Esses circuitos são acionados por vários estímulos naturais e estimulam a repetição de determinado comportamento”, explica Monkia Pischetstrieder, pesquisadora da FAU e principal autora do estudo. “Então, no nosso exemplo, você não consegue parar de comer, mesmo que queira, como para perder peso. Nós achamos que petiscos podem ativar essa reação, mesmo que não estejamos com fome”, descreve a pesquisadora.
Evolução
O efeito dos salgadinhos observado nos ratos pode ser comparado com a reação causada no cérebro pela cocaína. “Essas substâncias exigem uma resposta da insulina, o hormônio que transforma esses alimentos em glicose para serem estocados na forma de energia. O cérebro precisa, então, liberar essas substâncias chamadas opioides, que são as mesmas liberadas quando você faz uso de alguma droga viciante”, descreve Roberta Cassani, membro da Diretoria da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição (Sban).
A compulsão pela comida não chega a ser classificada como um vício como a reação relacionada ao consumo de drogas, que é muito mais forte. Mas o prazer alcançado com os alimentos pode afetar aqueles com força de vontade mais fraca, como indivíduos ansiosos. “A partir do momento em que a pessoa ingere muito, tem esse efeito repetitivo, com a possibilidade da situação viciante. Por isso é importante ter consciência sobre isso. Não quer dizer que a pessoa está condenada para o resto da vida”, alerta Cassani.
A fissura por comidas ricas em açúcar e gordura é considerada uma das causas do crescente índice de obesidade no mundo, considerado o sinal de uma epidemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS). De acordo com a entidade, o mundo tem meio bilhão de pessoas obesas, das quais 2,8 milhões morrem todos os anos devido a doenças causadas pelo sobrepeso. A prevalência de obesos praticamente dobrou nas últimas três décadas, e um dos responsáveis por esse fenômeno é o crescente consumo de alimentos industrializados. O Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA, por exemplo, recomenda a preferência por comidas in natura como parte da “cura” da obesidade.
O problema é recente, mas ao menos uma das causas é primitiva. O cérebro humano é uma vítima das comidas hipercalóricas devido a um mecanismo evolutivo de sobrevivência, desenvolvido muito antes de a humanidade ter acesso a salgadinhos e supermercados, ou mesmo da certeza de uma refeição diária. “Em vários momentos, a humanidade chegou à beira da extinção, quando a disponibilidade de alimentos era muito escassa. Então, praticamente só sobreviveram os organismos que conseguiam lidar com o mínimo de nutrientes possível”, explica José Donato Júnior, professor do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP).
O organismo foi então “treinado” a evitar a perda de peso a todo custo, dando preferência a alimentos mais calóricos e moldando o comportamento em função do consumo desse tipo de comida. “O nosso cérebro nos premia quando obtemos um alimento muito calórico, que é o caso da gordura e de alimentos com muito açúcar. Ele interpreta como uma coisa boa, mas, num contexto atual, em que as pessoas não fazem muita atividade física e há abundância desse tipo de alimento, a pessoa pode comer além daquilo que precisa e favorecer o ganho de peso”, pondera o especialista brasileiro.
Toque especial
Os autores do trabalho alertam que não podem confirmar se os resultados desse experimento se aplicam aos humanos. Além de terem um organismo diferente do humano, os ratos não dão tanta importância ao sabor, outro fator que pode influenciar o consumo compulsivo de comida. Contudo, há diversos alimentos no mercado que seguem a receita preferida pelos animais, e que também fazem sucesso com as pessoas. Além de batata frita, chocolate, salgadinhos de amendoim e cremes de avelã com cacau contêm ao menos 50% de carboidratos e cerca de 35% de gordura.
Outro ponto que separa os experimentos de laboratório do verdadeiro fascínio popular pelas comidas calóricas é a complexa receita dos alimentos artificiais. A influência da ração sobre o cérebro dos roedores não foi tão forte quanto a registrada no estudo anterior, feito com batatas fritas reais. Embora a ração calórica tenha causado uma reação oito vezes maior no centro de recompensa dos animais do que a comum, o efeito ainda é duas vezes menor do que o observado quando as cobaias comeram o salgadinho mesmo. A reação causada pelo alimento industrializado ativou cerca de 30 áreas neurais a mais do que a comida feita em laboratório, incluindo a estrutura responsável pela sensação de saciedade.
Os cientistas acreditam que o comportamento dos bichos que comeram a batata pode ter sido influenciado também por outros componentes do salgadinho, que não estavam presentes na comida produzida em laboratório. “Acredito que um alimento que desencadeia esse consumo em particular tenha pouca água. Mas isso é uma hipótese que não confirmamos”, especula Pischetstrieder.