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O estudo, publicado recentemente no Journal of Clinical Investigation, é resultado de pesquisas realizadas ao longo de anos sobre os aminoglicosídeos, nome da classe de drogas que costuma desencadear a surdez. “Nós nos baseamos em nossa análise sobre como esses remédios provocam deficiência auditiva e surdez ao matar células especializadas existentes no ouvido, agindo por meio de canais iônicos”, diz ao Correio Alan Cheng, um dos autores do trabalho e professor-associado de otorrinolaringologia e pediatria na Universidade de Stanford.
Para eliminar o efeito colateral, os pesquisadores desenvolveram uma versão de aminoglicosídeo modificada para conseguir entrar pela abertura dos canais iônicos nas células ciliadas do ouvido, sem prejuízos para a ação desejada no organismo. A experiência obteve sucesso: ratos com infecção urinária que receberam a nova droga foram curados sem apresentar danos ao ouvido nem aos rins, outra complicação comum relacionada ao uso de antibióticos de maneira geral. “A razão pela qual (o novo remédio) não causa surdez em ratos é porque ele não entra nessas células, como fazem os medicamentos originais. Isto foi muito importante, pois mostrou que o remédio teve um alvo seletivo”, destaca Tony Ricci, também autor do artigo e professor de Stanford.
Os cientistas reconhecem que muito ainda precisa ser feito para que o antibiótico seja usado em humanos e obtenha o mesmo sucesso que o observado em roedores, mas afirmam que os resultados positivos servem como fonte de esperança para antibióticos menos agressivos ao organismo. “Ao impedir que esses compostos invadam as células ciliadas, podemos prevenir a surdez. Nosso plano é criar toda uma nova classe de antibióticos que cause esse problema se usado em excesso”, planeja Ricci. “Os próximos passos são mais testes em cobaias, depois em humanos e, então, modificar outros antibióticos que podem ser adaptados a uma nova fórmula menos agressiva”, completa.
Popularidade
Apesar de muitos remédios terem surgido desde a criação dos antibióticos, há 20 anos, eles permanecem como a principal opção de tratamento para um grande número de doenças bacterianas, como a pneumonia, e infecções desconhecidas. A conquista de um medicamento que pudesse tratar essas doenças sem trazer efeitos colaterais aos pacientes seria um grande ganho para a medicina, afirma Daria Mochly-Rosen, pesquisadora de Stanford que auxiliou no estudo. “A toxicidade dessas drogas é algo que sempre aceitamos como um mal necessário. Caso tenha mais sucesso no futuro, esse projeto pode fazer uma enorme diferença para a saúde humana”, acredita.
Para Bruno Loredo, otorrinolaringologista do Hospital Santa Luzia, em Brasília, a pesquisa dos cientistas americanos busca uma resposta para um problema que sempre prejudicou tratamentos de infecções que pedem altas doses de antibióticos. “Os antibióticos, principalmente os aminoglicosídeos, são usados por um tempo prolongado, e o problema é que eles são bem tóxicos e podem prejudicar as células ciliadas”, confirma o especialista, que não participou do estudo. “Muitos pesquisadores têm se empenhado em modificar o efeito que causa a surdez irreversível, mas, ao manipularem os remédios, retiram deles a capacidade de tratar infecções. Nesse experimento, os cientistas bloquearam apenas parte da ação do medicamento, o que fez com que ele permanecesse com seu efeito curativo em relação a infecções”, acrescenta Loredo.
Para o médico de Brasília, caso o experimento realizado com ratos tenha sucesso em testes futuros com humanos, esse seria o medicamento ideal para tratamentos de infecções. “O antibiótico ideal seria aquele que mata as bactérias sem trazer danos para o corpo. Essas pesquisas são excelentes, pois podem evitar que esses efeitos colaterais surjam e o remédio continue tratando as infecções de forma eficaz.”
"A toxicidade dessas drogas é algo que sempre aceitamos como um mal necessário. Caso tenha mais sucesso no futuro, esse projeto pode fazer uma enorme diferença para a saúde humana" - Daria Mochly-Rosen, pesquisadora da Universidade de Stanford