Estudos epidemiológicos anteriores já haviam estabelecido uma ligação entre a proteção contra leucemia e a vacina Hib. Mas os mecanismos por trás desse efeito eram muito pouco compreendidos. Agora, uma equipe internacional de cientistas liderados pela UCSF mostrou que infecções recorrentes provocadas pela bactéria podem colocar certos genes do sistema imunológico em um estado de saturação. Dessa forma, células brancas pré-leucêmicas – que estão presentes em um número surpreendentemente grande nos recém-nascidos – acabam sendo convertidas em câncer.
“Esse experimento ajuda a explicar por que a incidência de leucemia reduziu-se dramaticamente desde o advento de programas de vacinação regular na infância”, diz Markus Müschen, professor de medicina da universidade e principal autor do estudo. “A Hib e outras infecções infantis podem causar respostas imunológicas recorrentes e veementes, o que tem potencial de levar à leucemia. Mas crianças que receberam vacinas são muito protegidas e adquirem imunidade de longo prazo por meio de reações imunes muito brandas”, observa.
Muitos recém-nascidos carregam oncogenes – genes que podem causar câncer – em suas células sanguíneas, mas apenas um em cada 10 mil desenvolverá a leucemia linfoblástica aguda. No novo estudo, os pesquisadores testaram a ideia de que inflamações crônicas causadas por infecções recorrentes podem provocar um dano colateral, ou seja, lesões genéticas adicionais, em células do sangue que já têm um oncogene. Dessa forma, a doença se manifestaria.
ALTERAÇÃO
A equipe conduziu experimentos em ratos, nos quais foram inseridas duas enzimas conhecidas como AID e RAG. Normalmente, essas substâncias são necessárias para uma resposta de defesa eficiente, mas, na presença de infecção crônica, os cientistas constataram que ambas ficam hiperativadas, cortando e mudando os genes aleatoriamente. Entre os genes alterados estavam aqueles que têm um importante papel na prevenção do câncer.
Apesar de os pesquisadores terem se concentrado na bactéria Hib, eles acreditam que o mesmo mecanismo possa estar por trás de infecções virais. Se sim, é possível que vacinas que protegem contra vírus também ofereçam resistência ao surgimento das leucemias infantis. Atualmente, a equipe está conduzindo experimentos para determinar se algumas imunizações, inclusive a tríplice, alvo de controvérsias recentes, desempenha esse papel. Nos Estados Unidos, muitos pais não estão vacinando os filhos contra sarampo, rubéola e caxumba, alegando que a substância poderia causar autismo. Não há evidências científicas sobre essa relação, mas o movimento contrário à imunização cresce no país e já começa a ganhar adeptos no Brasil também.
Mel F. Greaves, professor de biologia celular do Instituto de Pesquisa do Câncer de Londres, está entre os cientistas que elaboraram a teoria de que reações crônicas e recorrentes do sistema imunológico na infância pode promover o câncer infantil. “Esse estudo fornece o apoio técnico à hipótese de que a infecção ou a inflamação promovem a evolução da leucemia infantil e que infecções comuns no início da vida são críticas”, afirmou.
Doses garantidas
No Brasil, a vacina Hib faz parte da caderneta da vacinação da criança e é oferecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A primeira dose é aplicada aos 2 meses, a segunda, aos 4, e a terceira, aos 6. A imunização é a única forma de prevenir contra a bactéria Haemophilus influenzae tipo B, que atinge, principalmente, crianças de até 5 anos. O micro-organismo causa infecções que começam geralmente no nariz e na garganta, mas podem se espalhar para outras partes do corpo, incluindo pele, ouvidos, pulmões, articulações, membranas que revestem o coração, medula espinhal e cérebro. Uma das piores doenças causadas pela bactéria é a meningite, que geralmente tem um início súbito com febre, dor de cabeça intensa, náuseas, vômitos e rigidez de nuca.