Saúde

Oncofertilidade: novo campo da medicina ajuda mulheres diagnosticadas com câncer a realizar desejo de engravidar

Técnica consiste em reservar gametas antes de iniciar tratamento contra tumor

Junia Oliveira

Um novo campo da medicina, a oncofertilidade, é esperança de uma gravidez depois da cura de uma das doenças mais temidas da atualidade – o câncer. A técnica consiste em reservar gametas antes de começar o tratamento contra o tumor. Segundo médicos, nem todas as mulheres poderão ter filhos e tudo depende, primeiramente, da área afetada. E, para aquelas com indicação ao procedimento, uma gestação espontânea também não é descartada. Independentemente das possibilidades, o mais importante é saber que, diante de uma neoplasia, nem tudo está perdido quando está em jogo um dos momentos mais importantes da vida de uma mulher: ser mãe. O assunto é tema da segunda reportagem do EM sobre mulheres e gravidez.


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Especialista em medicina reprodutiva e diretor da Clínica Pró-Criar, João Pedro Junqueira alerta que preservar a fertilidade não significa congelar embriões, mas sim óvulos, tecido ovariano ou espermatozoides. E ressalta os progressos nas últimas duas décadas. Se há 20 anos a maioria das mulheres submetidas à quimioterapia ficavam estéreis, hoje não são todas a ter a função ovariana comprometida, embora o tratamento sempre altere a fertilidade, antecipando a menopausa verdadeira em cerca de oito a 10 anos. Assim, uma mulher de 30 anos, por exemplo, submetida à quimioterapia, teria a menstruação interrompida aos 40 ou 42, em vez de ter o relógio biológico alterado aos 50. Conservar gametas também não significa que, depois de alguns anos do fim do tratamento da doença, a paciente não possa engravidar espontaneamente.

Eles devem ser guardados antes do início da químio ou da radioterapia, sob pena de os resultados serem ineficazes. O processo entre os homens, que também podem ficar estéreis, é mais simples: ele é encaminhado a uma clínica para a coleta do sêmen. Já as mulheres precisam de pelo menos 12 a 15 dias antes do começo da terapia para fazer o ciclo de indução de ovulação, a fim de se retirar a maior quantidade possível de óvulos para serem congelados. O ideal para esse procedimento é que a mulher tenha, no máximo, 36 anos. A partir daí é avaliado caso a caso, pois o resultado futuro pode ser pior.

“O que a paciente está fazendo é guardar gameta para usar no futuro, se necessário, num procedimento de fertilização in vitro”, afirma o médico. Junqueira destaca que para uma chance razoável de se poderem usar os gametas são necessários de oito a 10 bons óvulos. “Congelar não é garantia de gravidez, mas do aumento da chance de uma gestação. Infelizmente, nem sempre o casal terá o filho desejado, porque fertilização in vitro não é 100%”, reitera.

EXPERIMENTOS

Quando o estágio da doença exige um tratamento urgente, não havendo possibilidade de esperar por uma quinzena de dias, uma alternativa é tirar um pedaço do ovário, que será amadurecido em laboratório. O procedimento é indicado também para adolescentes pré-púberes, que ainda não produzem óvulos. Vale ressaltar que a técnica ainda é experimental. Outra alternativa é tirar o ovário inteiro e, terminado o tratamento, transplantá-lo no mesmo lugar de origem, na tentativa de uma gravidez espontânea. Segundo Junqueira, estudos mostram que já nasceram no mundo cerca de 40 crianças a partir do transplante ovariano, enquanto, por fertilização in vitro, foram 5 milhões.



Mary Zelinski, Professora da Universidade de Saúde e Ciência de Oregon e membro da associação internacional Oncofertility Consortium


A preservação da fertilidade é indicada em quais casos?

Não apenas para pacientes com câncer. Mulheres com doenças não malignas que levam à insuficiência prematura do ovário podem ser candidatas ao procedimento. Por exemplo, mulheres com doenças autoimunes, como lúpus eritematoso sistêmico ou artrite reumatoide, são tratadas com drogas imunossupressivas que podem ser tóxicas aos ovários. Mulheres submetidas ao transplante de medula óssea por causa de anemia das células falciformes ou anemia de Fanconi também estão expostas à rádio e à quimioterapia. Pacientes com síndrome de Turner, o distúrbio cromossômico sexual mais comum entre as mulheres, sofrem de uma insuficiência ovariana prematura, mas há relatos recentes de preservação tanto dos ovócitos quanto de tecidos ovarianos por congelamento, embora mais estudos sejam necessários para haver recomendações.

Há consenso entre médicos e a comunidade científica sobre o assunto?

A preservação da fertilidade é oferecida em muitos países. Há consenso entre oncologistas e especialistas em reprodução de que a paciente com câncer deve ser informada de suas chances para a fertilidade futura e para obter uma orientação a fim de decidir sobre essa opção. As sociedades europeias e norte-americanas de oncologia têm publicado orientações para aconselhar as pacientes com câncer. Há sociedades profissionais que monitoram os resultados clínicos e recomendam o aumento da qualidade no cuidado com o paciente.

Quais são os progressos nas pesquisas atualmente?


O lugar ideal para transplante do tecido ovariano está sendo comparado ao sucesso da obtenção de um ovócito maduro. A pesquisa na cultura de folículo inclui agora o desenvolvimento de métodos para o crescimento do menor tipo de folículo no ovário, o folículo primordial, que é mais resistente ao dano do tecido causado pelo congelamento, mas muito difícil de crescer fora do ovário. O estudo determina se é melhor crescerem folículos, que são isolados do tecido ovariano preservado no congelamento, ou congelar folículos individuais. Muitos pesquisadores estão interessados em criar um “ovário artificial” que combinaria folículos e seus ovócitos com células que formam vasos sanguíneos dentro de um esqueleto ou moldura feito de biomateriais que imitam o meio estrutural de um ovário, que pode ser transplantado no futuro. Avanços recentes no campo da engenharia de tecidos e regeneração de tecidos estão fornecendo as bases para os biólogos trabalharem no desenvolvimento de um ovário artificial.

BH é referência em pesquisa
Belo Horizonte é centro mundial de pesquisa no congelamento de tecido ovariano. O projeto, em parceria com a rede pública de saúde, foi aprovado pelo Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). A retirada dos óvulos é feita sem custo para pacientes que fazem parte dos estudos no Hospital Alberto Cavalcanti e congelados na Pró-Criar, que tem parceria com a Universidade de Oregon (EUA). Parte da pesquisa se estende também à Faculdade de Ciências Médicas. Além de BH, os estudos estão sendo coordenados por grupos nos Estados Unidos e na Bélgica.

PARA PRESERVAÇÃO DA FERTILIDADE


Ciclo de indução de ovulação:
São necessários 12 a 15 dias antes da rádio ou da quimioterapia
Serve para tirar a maior quantidade possível de óvulos antes do tratamento
Por meio de medicamento são feitas as duas primeiras etapas de uma fertilização in vitro. Na primeira ocorre a indução da superovulação, para ter muitos óvulos ou o que conseguir produzir. A segunda fase é a coleta de óvulos propriamente dita
Entre a quimioterapia ou cirurgia, há tempo para se fazer pelo menos uma coleta com segurança

Retirada de tecido ovariano:
Por videolaparoscopia, é retirado o ovário, que nada mais é do que um cesto de ovos adormecidos. Ele é guardado em cubinhos de 10 a 30 pedaços. Cada cubo tem entre 100 e 200 folículos. A tentativa é amadurecer esses pedaços
em laboratório

Preservação do ovário:
Outra alternativa é tirar o ovário inteiro. Terminado o tratamento, ele é transplantado no mesmo lugar de origem, na tentativa de uma gravidez espontânea