Transtorno de personalidade borderline ainda é pouco estudado

Caracterizado por mudanças de humor extremas em curto período de tempo, o borderline ainda não tem tratamento certo

Elas estão no limiar entre euforia e depressão. É como uma corda bamba: a qualquer momento, podem sair da linha, e isso acontece o tempo todo. Pessoas diagnosticadas com transtorno de personalidade borderline (TPB), um termo cunhado em 1938, sofrem flutuações de humor intensas. Diferentemente do distúrbio bipolar — marcado por fases bem distintas, que podem se estender por semanas, meses ou anos —, elas vivem essas variações continuamente e, às vezes, em um mesmo dia. Mas, apesar de ser tão grave quanto a bipolaridade, a condição recebe menos atenção dos pesquisadores, o que gera uma série de dificuldades, como a falta de conhecimento sobre os pacientes por parte dos profissionais de saúde e, consequentemente, diagnósticos errados.

Quem diz isso é o psiquiatra Mark Zimmerman, pesquisador do Hospital de Rhode Island, nos Estados Unidos, que estuda o transtorno de personalidade borderline há mais de duas décadas. Na quinta-feira passada, ele publicou um artigo na revista British Journal of Psychiatry alertando que o distúrbio tem sido negligenciado, apesar da gravidade dos sintomas e do grande risco de suicídio associado a ele. “O TBP está à sombra do transtorno bipolar, embora a deterioração física e psiquiátrica causada pelo problema seja tão grave, ou ainda mais grave que a vivenciada pelos pacientes com distúrbio bipolar”, alerta.

De fato, afirma o especialista, os dois males têm muitas semelhanças. As principais características que os une são a impulsividade e a variação do humor. No caso da bipolaridade, os pacientes alternam-se entre duas fases. Uma é a de mania, quando se sentem extremamente estimulados, alegres, com sensação de superpoderes e autoestima nas alturas. Nesses momentos, costumam se envolver em comportamentos de risco, como sexo inseguro e direção perigosa, por exemplo, ou gastam grandes somas de dinheiro em compras e jogos de azar. A outra fase é o extremo oposto e tem como marca uma depressão severa que, muitas vezes, é incapacitante.

O paciente diagnosticado com personalidade borderline também vivencia tudo isso, mas as flutuações o perseguem constantemente: um dia pode estar no céu e, no seguinte, desce ao inferno. Muitas vezes, o turbilhão se dá diversas vezes em 24 horas, com o agravante de explosões de raiva sem motivo. O pior é que, não raramente, são pessoas com fortes ideias suicidas.

Quando, no fim da década de 1930, o psicanalista nova-iorquino Adolf Stern cunhou o termo borderline (fronteira, em português), ele se referia a pacientes que se encontravam entre a neurose e a psicose, em uma espécie de forma menos severa de esquizofrenia. Contudo, a definição passou a ser questionada, pois outros estudos mostraram que o problema tem poucas características dos transtornos psicóticos.

Instável é uma caracterização mais apropriada, defende uma das maiores especialistas no tema, a psicóloga americana Marsha M. Linehan, da Universidade de Washington. Em 2011, a renomada pioneira no desenvolvimento de abordagens psicoterápicas para pacientes borderline, revelou, ao jornal The New York Times, que, na década de 1960, costumava se cortar com facas e estiletes — um dos sinais de alerta do distúrbio —, tinha ataques de fúria, sentia-se isolada, incompreendida e sofria com alterações de humor frequentes. “Eu estava no inferno”, definiu Linehan à publicação.

Cristiano Gomes / CB / D.A Press
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Neurociência
Ainda que sem a mesma dedicação dispensada a outros distúrbios mentais e comportamentais, a ciência está buscando compreender uma condição de tão difícil entendimento. Harold W. Koenigsberg, professor de psiquiatria da Faculdade de Medicina Mount Sinai, nos Estados Unidos, é um dos que tentam desvendar os mistérios da personalidade limítrofe com a abordagem neurocientífica. Ele realizou exames de imagem em pacientes borderline e constatou que o cérebro dessas pessoas reage a estímulos sociais e emotivos de forma diferente.

Diante de cenas emocionalmente perturbadoras, indivíduos mentalmente saudáveis exibem padrões de ativação em duas áreas associadas ao controle das reações, o córtex cingulado anterior e os sulcos intraparietais. Essas mesmas regiões, contudo, permanecem inativas no caso de quem tem personalidade limítrofe. “Isso significa que esses pacientes não conseguem usar as mesmas partes do cérebro que as pessoas saudáveis quando precisam regular suas emoções, o que pode explicar por que as reações emotivas delas são tão extremas”, diz.

O psiquiatra ressalta que, como todos os distúrbios da mente, esse não se esgota em uma única explanação. Koenigsberg esclarece que sua pesquisa apontou para o fundamento biológico de um mal que também pode ter raízes genéticas, comportamentais e traumáticas — sofrer abusos na infância é um fator de risco da personalidade borderline, por exemplo. “Estudar as áreas do cérebro que estão associadas ao transtorno pode nos ajudar a encontrar focos farmacológicos e psicoterápicos mais ajustados para o problema, além de ser essencial para a busca de suas bases genéticas”, justifica. A caçada aos elementos biológicos por trás do distúrbio ainda está em fase embrionária, lembra o médico.

Experiências negativas

Anthony Ruocco, pesquisador da Universidade de Toronto, integra a linha de pesquisadores que buscam compreender a personalidade limítrofe por meio da neurociência. No retrato mais completo até agora do cérebro borderline, ele compilou 11 estudos de imagem — incluindo o feito por Harold W. Koenigsberg — e analisou esses trabalhos em um artigo publicado na revista Biological psychiatry. Além da atividade diminuída ou mesmo da inatividade dos circuitos cerebrais associados à supressão de emoções negativas, Ruocco encontrou evidências da hiperativação das redes de neurônios implicadas com experiências ruins.

“Há indícios bastante evidentes de que esses dois sistemas neurais estão por trás dos sintomas da desregulação emocional do distúrbio”, diz. As imagens registradas no cérebro dos pacientes indicam que eles percebem as experiências negativas de forma aumentada, o que pode explicar, por exemplo, as crises de fúria por motivos aparentemente banais. Isso ao mesmo tempo em que o centro de regulação emocional trabalha em ritmo lento, dificultando o autocontrole.

Autor do artigo publicado nessa semana no British Journal of Psychiatry, Mark Zimmerman ressalta a necessidade de pesquisas que ajudem a diagnosticar e a tratar os pacientes borderline. Estatísticas indicam que 10% das pessoas com essa condição acabam cometendo suicídio diante do sofrimento extremo de viver na corda bamba. “Temos que melhorar a detecção e o tratamento, tanto quanto precisamos fazer isso em relação ao transtorno bipolar. Os pacientes bipolares podem manter o mesmo humor ao longo de semanas, já os borderliners sofrem raiva, depressão e ansiedade em uma curta duração”, lembra.

De acordo com ele, o financiamento de estudos sobre a personalidade limítrofe é insignificante, assim como as discussões em congressos médicos e científicos. O borderline nem sequer é incluído no Relatório Global de Doenças, um registro da Organização Mundial da Saúde que quantifica enfermidades por custo, mortalidade, localização geográfica e fatores de risco, entre outros.