Por que é tão difícil acreditar na capacidade do corpo feminino em dar à luz? Se parir é um evento fisiológico, por que Kate Middleton - que também pariu George de forma natural – enganaria o mundo sobre a via de parto de sua filha? Sabemos que a vida da realeza britânica é consumida como se fosse um reality show e a julgar pela repercussão que uma reportagem de um jornal russo ganhou, inclusive no Brasil, é possível inferir que, no que tange aos assuntos que envolvem o clã da Rainha Elizabeth II, a audiência está acima de qualquer valor. Estruturada nas especulações de leitores e leitoras e alimentada pelas redes sociais, o texto do 'Komsomolskaya Pravda' pode nos afastar da oportunidade de refletir sobre a forma como se nasce no Brasil: país campeão mundial de cesarianas e que tem um índice de 12,5% de bebês que nascem prematuros.
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Pediatra, epidemiologista e coordenadora da Comissão Perinatal da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, Sônia Lansky afirma que a alta de Kate é totalmente condizente com o modelo de assistência obstétrica adotado na Inglaterra e em outras partes do mundo. Ela cita, inclusive, que na Dinamarca a liberação acontece entre três a seis horas após o parto. “Não existe evidência científica sobre o tempo de internação após o parto, o que é recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) é a continuidade do cuidado para a mãe e para o bebê. Nas primeiras 24 horas, ambos precisam ficar sob vigilância e até 72 horas após o nascimento precisam ser reavaliados. Esse cuidado pode ser feito em casa. Na Inglaterra, mulheres e crianças recebem essa atenção das midwifes (profissionais de saúde que assistem mulheres que tiveram parto normal ou natural)”, explica a especialista que também é consultora do Ministério da Saúde.
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No Brasil, existe um impedimento legal para alta antes das 24 horas já que se trata de uma norma do Sistema Único de Saúde (SUS). “O que seguraria mais o bebê no hospital é o teste do coraçãozinho (teste de oxiometria de pulso) que precisa ser realizado nessas 24 horas, mas que é possível ser feito em casa e é o que acontece no caso de partos domiciliares”. Além disso, a recomendação da Sociedade Brasileira de Pediatria é de alta 48 depois após o parto. “Essa norma rígida (portaria 1.016, de 1993) mantém mães e bebês saudáveis internados sem respeitar a individualidade. O cuidado precisa ser particularizado. Em defesa dessa regra, os profissionais alegam, por exemplo, a icterícia que pode aparecer, o aleitamento que não se consolidou e a questão do vínculo entre mãe e filho”, acredita.
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Na opinião de Sônia Lansky, um sistema fortalecido na atenção primária resolveria esse impasse: “Investir na atenção primária, com o cuidado domiciliar à mulher e ao bebê no pós-parto é mais barato, ficar internado é mais caro. O que precisa ser garantido e o sistema de saúde tem condições de fazer é montar uma equipe de acompanhamento no pós-parto.”
A coordenadora da Comissão Perinatal da Secretaria Municipal de Saúde afirma que em BH os hospitais já têm comunicado a alta de mãe e bebê ao centro de saúde da região em que a família reside para dar continuidade ao cuidado. Para ela, a permanência prolongada no hospital de mulher e bebês saudáveis, no caso do Brasil, é perversa. “Hospital faz mal para quem tem saúde, a continuidade do cuidado preconizada pela OMS pode se dar tanto com uma visita domiciliar ou pelo retorno de mãe e filho ao hospital ou centro de saúde. O que vemos no país e é gravíssimo: hospitais com gente saudável e pessoas do lado de fora que precisam de leito e não têm acesso. Sem contar o agravante de ainda termos altos índices de mortalidade materna e infantil”, pontua.
Vale lembrar que toda essa discussão só é válida para mulheres e bebês sem complicações médicas no pós-parto.
Mais de 41 semanas e bebê “grande”
O nascimento da filha de Kate Middleton e do príncipe William também é uma oportunidade para o Brasil refletir sobre o modelo atual de assistência obstétrica. Um estudo do Unicef em parceria com o Ministério da Saúde mostra que, a cada ano que passa, aumenta o número de bebês que nascem prematuros por aqui. Em 2000, o índice era de 7%; em 2014 chegou a 12,5% e coloca o Brasil no mesmo patamar dos países de baixa renda, de acordo com a Organização Mundial de Saúde. Na Inglaterra, por exemplo, esse índice é 55% menor. Ainda são necessários mais estudos para estabelecer essa relação com mais exatidão, mas o que as pesquisas apontam é uma estreita relação entre bebês prematuros e cesariana marcada.
termo precoce: de 37 a 38 semanas e 6 dias
termo completo: de 39 a 40 semanas e 6 dias - Momento ideal pra os bebês nascerem.
termo tardio: de 41 a 41 semanas e 6 dias
pós-termo: após 42 semanas
Ou seja, não é recomendado que se faça uma cesariana antes de 40 semanas, mas por aqui ultrapassar as 40 semanas é sinal de que o bebê está "passando da hora".
O peso de Charlotte Elizabeth Diana também chamou a atenção no Brasil. Isso por que, além dos altos índices de prematuridade, também têm aumentado no país os índices de baixo peso ao nascer. A média por aqui é de 2,5 quilos. Para se ter uma ideia, 2,5 quilos é peso de bebê que nasce entre 37 e 38 semanas e 3 quilos é a média de peso considerada normal para um bebê.
Na rede privada, em que o índice de cesarianas beira os 90% frente a uma recomendação da OMS de, no máximo, 15%, o peso do bebê ainda é motivo para os médicos indicarem cesariana. No país, muitos especialistas consideram 3,700 “bebê grande”, o que seria um impedimento para o parto normal. Clique aqui e saiba as reais indicações do procedimento cirúrgico.