Ao metabolizar determinada substância ou molécula — por exemplo, quando o alimento é transformado em energia —, o organismo produz marcadores químicos chamados metabólitos. Após investigar o perfil metabólico de 2.324 pessoas magras e obesas, a equipe de Paul Elliot e Jeremy Nicholson identificou 29 dessas marcas. Vinte e cinco foram encontradas em populações dos Estados Unidos e do Reino Unido e estavam associadas, por exemplo, à função renal, ao volume muscular e à atividade microbiana no intestino. Além de verificar que o nível desses produtos tem relação direta com a massa corporal de uma pessoa, os autores observaram como eles se encaixam em uma complexa rede orgânica integrada.
Entre os participantes magros, os autores identificaram um aminoácido associado à ingestão de frutas cítricas ligado ao menor índice de massa corporal (IMC). Já entre os obesos, encontraram nove compostos relacionados ao excesso de peso que são produzidos por micro-organismos (microbiota) que habitam o intestino. Viram, por exemplo, que níveis elevados de metabólitos da síntese da vitamina colina, presente no ovo e na carne vermelha, estão ligados ao desenvolvimento de gordura nas artérias e doenças cardiovasculares. Estudos com animais constataram que o aumento no metabolismo dessa vitamina pode ser um indicativo de aparecimento de gordura no fígado e resistências à insulina, especialmente quando a dieta é rica em gordura.
Consumo de energia
Elliot e Nicholson também descobriram que obesos excretam pela urina mais aminoácidos de cadeia ramificada (BCAA), essenciais à constituição muscular. O mesmo é observado em pessoas que praticam exercícios. Tal observação mostra, portanto, que o corpo com excesso de peso, em descanso ou em movimento consome mais energia do que o de um indivíduo com IMC “ideal”.
Essas descobertas têm grande potencial clínico, acredita Elliot. “Podem ajudar a identificar indivíduos não obesos, mas que têm alto risco de desenvolver o problema e distúrbios metabólicos relacionados a partir do perfil obesogênico urinário”, afirma. De acordo com o pesquisador, um exame desse tipo pode levar à elaboração de um programa de atendimento específico para cada pessoa. “Os pacientes se beneficiariam com uma abordagem personalizada para a prevenção da obesidade, incluindo intervenções sob medida no estilo de vida”, completa. Ele acrescenta que a estratégia diminuiria, ainda, a carga de doenças associadas à obesidade, hoje responsáveis por 3,4 milhões de mortes anuais em todo o mundo.
As conclusões do estudo, entretanto, devem ser vistas com cautela, defende Gabriela Teló, endocrinologista do Hospital Mãe de Deus, em Porto Alegre. “Esse resultado deve ser confirmado e reavaliado em um segundo momento para mostrar ou não o impacto dele e de que forma poderemos utilizá-lo como auxiliar na perda e no controle de peso”, diz a médica. “Muitos estudos ainda precisam ser feitos antes que possam gerar exames de aplicabilidade clínica no manejo da obesidade, mas o estudo é um belíssimo primeiro passo”, considera Teló, especialista em diabetes pela Harvard Medical School.
Perfil genético
A proposta de exame feita pela dupla inglesa ainda está distante da prática clínica. Já existem, no entanto, testes personalizados que apontam a tendência à obesidade e são usados para ajudar no emagrecimento. No perfil genômico, são mapeados 145 marcadores genéticos que, após serem traduzidos por um médico, revelam como o organismo de cada paciente reage à ingestão de açúcares, gorduras e nutrientes. O exame fornece, ainda, quais atividades físicas são mais benéficas para cada um.
Ao saber da possibilidade, a assessora de comunicação Julia Carneiro, 23 anos, se animou. Ela lembra que briga com a balança desde pequena. “Eu não entendia por que não conseguia emagrecer, mas imaginava que era uma coisa genética”, conta. Após fazer o teste genético, no fim de 2013, veio a confirmação: “Tenho predisposição para ganhar peso”.
O exame revela, ainda, como é a percepção da pessoa para cada alimento. Julia, por exemplo, descobriu que tem um paladar menos sensível para sabores doces. Por isso, sentia necessidade maior desses alimentos. Por outro lado, o amargo é percebido com mais intensidade, sendo bastante evitado pela jovem. Julia descobriu ainda que é intolerante à lactose, o que ajudou o nutricionista e o médico a elaborarem planos alimentares mais adequados às necessidades e restrições do organismo dela.
“O mais engraçado foi que o exame acusou que eu tenho tendência a tendinopatia de aquiles, e na época eu estava usando gesso justamente por causa disso”, revela a paciente, que recebeu indicação de realizar treino funcional com pouco peso. Musculação de alta intensidade, revelou o exame, não traria efeitos satisfatórios, mas exercícios de maior duração, sim. A dieta da proteína que ela sempre fez, porém, também se mostrou inadequada. As orientações que os médicos fizeram com base no exame tiveram efeitos não somente no peso, que diminuiu, mas também no funcionamento do corpo de forma geral.
Melhor prevenir
“O campo da medicina preventiva está crescendo muito por fornecer elementos que nos permitem analisar as condições físicas e nutricionais do organismo, mostrando o que pode ser feito para melhorar. Pessoas que têm muita resistência para perder peso se beneficiam dele, mas não somente os obesos, pois os testes orientam sobre o perfil metabólico de qualquer um. No Brasil, ainda não são cobertos pelos planos de saúde, mas nos Estados Unidos, por exemplo, os seguros os cobrem porque consideram que é melhor prevenir o desenvolvimento de uma doença do que tratá-la.”
Adília Segura, diretora-médica e patologista clínica do Laboratório Exame