Saúde

O homem contemporâneo e a capacidade de se reinventar

Psicanalista e psicóloga expressam seus pontos de vista a respeito do novo homem, fazem contraponto e indicam mudanças e caminhos

Lilian Monteiro

Para a psicanalista Gilda Paolielo, uma marca do novo homem é ter mais dúvidas que certezas
“Ao lado da nova mulher, que se construiu nas últimas cinco décadas a partir da revolução provocada pelo advento da pílula anticoncepcional, que lhe permitiu planejar sua vida afetiva, familiar e profissional, surge também um novo homem.” A afirmação é de Gilda Paoliello, psiquiatra, psicanalista e professora da residência de psiquiatria do Instituto de Previdência dos Servidores (Ipsemg). E esse homem seria consequência da nova mulher? “Talvez sim, mas, sem dúvida, parceiro e, portanto, também 'possibilitador' do crescimento dessa nova mulher. É aquele que compartilha com a companheira os custos e benefícios da vida a dois. Tento pensar em um herói que encarne esse novo homem, mas não identifico nenhum. Seria um anti-herói? Para mim, o que mais caracteriza esse novo homem é a capacidade de se reinventar.”


Na análise de Gilda, há um modelo identificatório com os próprios pais, às vezes até pelo avesso, modelo que é imitado e criticado. “A princípio, talvez, o homem tenha se surpreendido com a nova condição da mulher, tão diferente do modelo tradicional, e tenha tido dificuldade em acompanhá-la ou, talvez ainda, tenha tido a ilusão de que essa mudança pudesse ser parcial, onde ele era o limite. Ledo engano. O mundo mudou e as mudanças são inexoráveis. Vieram para ficar e temos que legitimar novas formas de viver esse tempo. Então, ele teve que se reinventar. Uma marca desse homem: ter mais dúvidas que certezas.”

Gilda acredita que os representantes dessa transformação, apesar de raros, já são suficientes para marcar uma diferença, uma nova classe. Ela diz que há quem considere que o homem ganhou mais com essas novas posições, pois a mulher passa a dividir com ele o papel de provedor, sem deixar de cumprir a maternidade e todas as suas implicações. “Não concordo. O verdadeiro novo homem é, sim, capaz da maternagem, pode ser doce e viril, mas essas mudanças trazem implicações em seu papel de pai. As próximas gerações nos mostrarão quais.” A psiquiatra e psicanalista pondera que a mulher deve ter cuidado para não se colocar num lugar de suposto poder, que ela tanto combateu no homem. “Ela precisa lembrar que poder deve ser, sempre, verbo transitivo. A nova mulher não pode se transformar no antigo homem. Se há mesmo um novo homem para uma nova mulher, a relação tem que ser reinventada, sem simples inversão de papéis. Iguais direitos, iguais deveres, sem que isso vire uma carteira de promissórias ou garantias, destruindo a delicadeza da relação. Mudança dá trabalho.”

GERAÇÕES O interessante dessa transformação masculina, ainda que sem comprovação científica, é que ela não se limita a jovens homens ou da geração Y, não há restrição de idade. “Isso! Alguns trazem essas características no DNA, outros, a duras penas, aprendem a romper com velhos padrões, enquanto outros resistem às mudanças, já que a tendência do ser humano é a repetição. Ninguém encontra um caminho pronto e nossa época é de caminhos sinuosos, já que as tradições lineares foram quebradas. Para se tornar um novo homem, mais que nunca esse caminho deve ser construído.”

Num exercício de futurismo, para onde o homem caminha? Gilda enfatiza que a contemporaneidade é feminina. “Estudos nos apontam que é a era das diferenças, das singularidades, da diversidade, da criatividade, da falta de hierarquias, da razão afetiva, todas essas, qualidades familiares ao feminino, de fácil convivência para as mulheres e difíceis para os homens, que estão aprendendo a lidar com elas e a usá-las.” Por isso, a psicanalista diz que a mudança de posição do homem (e da mulher) provoca uma série de consequências, sendo a mais evidente na clínica, até o momento, o deslocamento da posição do pai, atualmente diluída, no mínimo, entre os dois. “Junto à nova mulher e ao novo homem, um novo pai, que não precisa ser tão forte, já legitimado fora do eixo imaginário da dominação. Mas, como poetou Vinícius de Morais: “Haja o que houver, há sempre um homem e uma mulher...”

Campanha
Homens, libertem-se/Men get free é uma campanha artística e social proposta em parceria entre o coletivo momento-MG/RJ e o histórico e polêmico grupo The Living Theatre, de Nova York, que vem crescendo consideravelmente e conta como parceiros com o músico Paulinho Moska, os cartunistas Laerte e Miguel Paiva, o ator Lúcio Mauro Filho, a filósofa e escritora Marcia Tiburi, a escritora e historiadora Mary Del Priore, entre inúmeros outros de várias partes do país. O projeto pretende ser um chamado à reflexão em torno das muitas formas pelas quais o machismo prejudica também os homens, independentemente de sua sexualidade, devido às dimensões da construção social do homem na contemporaneidade, que os incita a se encaixar
num modelo de homem fixo e restritivo. Para saber mais acesse: https://www.homenslibertemse.com