A especialista cita o gênero como outra variável importante de ser destacada dentro desse contexto da busca por centímetros a mais, possíveis apenas pelos avanços da medicina. “Essa preocupação com a estatura se dá especialmente no caso dos meninos. Dessa forma, os pais buscam os mais variados tratamentos para os filhos. Família e criança precisam ser orientadas quanto à normalidade da situação. Por mais que seja difícil a aceitação por parte deles, é o que vai possibilitar uma melhora da autoestima e reduzir frustrações. Obviamente estamos falando de crianças que não têm indicação formal de tratamento”, afirma Érika.
A psicanalista e psicopedagoga Cristina Silveira lembra que a criança se espelha nos conceitos da sociedade onde reside, que é composta pela família, escola, amigos. “Apesar de o padrão usual de altura dos homens brasileiros ser menor do que dos americanos ou de alguns países europeus, ainda assim existe preconceito contra as crianças e adolescentes no Brasil com baixa estatura. Nesse caso, a baixa estatura pode sim trazer sentimentos de baixa autoestima e falta de pertencimento de grupo para eles, principalmente na adolescência, que é quando algumas características físicas são mais valorizadas, como porte físico, altura, beleza, tom de voz”, explica. Por causa disso, algumas crianças ou adolescentes se tornam vítimas de bullying na escola, o que agrava ainda mais o quadro emocional e psíquico.
Mais feliz
Aos 14 anos, o estudante de engenharia química Diogo Carvalho D´Ávilla, de 21 anos, tinha a expectativa de alcançar 1,44m de altura na vida adulta. “Sempre fui uma das crianças mais baixas da escola. Por isso, sempre ia ao endocrinologista para acompanhar meu desenvolvimento. Fazia exames de sangue regularmente, raio X etc. Minha idade óssea sempre foi atrasada, o que era bom, pois significava que ainda havia a possibilidade de crescimento e os exames mostravam uma dose de hormônio de crescimento baixa, mas usualmente no limite”, relata.
O tempo foi passando e a baixa estatura de Diogo influenciando as relações sociais, principalmente na adolescência. “Era vítima de bullying, não tinha a menor chance com nenhuma menina, minha autoestima foi lá para baixo. Ao ver meu caso se agravando, a médica que me acompanhava me passou para um especialista em crescimento, que recomendou a reposição hormonal”, conta.
Diogo iniciou tarde o tratamento, entre os 15 e 16 anos. “Tinha pouca expectativa de dar certo e me preparei para isso. Todo caso de uso de hormônio é um desafio em si mesmo, o tratamento é bem longo, incrivelmente caro e bem difícil, mas valeu a pena cada dia de injeção antes de dormir”, afirma o estudante.
Como os pais de Diogo não podiam pagar pelo tratamento, a família recorreu ao SUS e o pedido foi negado. “Por ter uma chance boa de dar errado, uma das condições que me impus foi de que meus pais não se sacrificassem para pagar. Após muita novela judiciária ganhei o tratamento na Justiça”, relata.
Com a liminar em mãos, Diogo iniciou a medicação. No entanto, após alguns meses de tratamento o Estado recorreu e, por um período, o jovem interrompeu o uso do medicamento. “Meus pais chegaram a comprar o remédio por um tempo. Por saberem que eu pararia de tomar se soubesse, esconderam de mim o trâmite judiciário”, descreve.
Sobre o tratamento, Diogo diz que o hormônio do crescimento é uma injeção diária aplicada com uma agulha similar à de insulina. “A injeção quase sempre é indolor e eu mesmo me aplicava. O que mais me incomodou no tratamento não eram os efeitos colaterais, principalmente dor óssea e dor de cabeça. Era a inconveniência. A medicação tem que ficar resfriada o tempo todo. Como a medicação do SUS muda de acordo com o fabricante, tinha época que eu tomava uma ampola e meia por dia. A medicação ocupava muito espaço, a gaveta de frios da geladeira lá de casa era só de coisa do meu tratamento. Toda vez que ia dormir fora de casa, por qualquer razão, tinha que carregar um isopor gigante, cheio de gelo que ocupava um quarto do porta-malas. Às vezes eu chegava de madrugada em casa, morto de sono e tinha que juntar o resto das minhas forças vitais para passar 10 minutos preparando a medicação e aplicando a injeção. Era ruim, mas o resultado era incrível”, diz.
O estudante do 7º período de engenharia química, que atualmente mora na Nova Zelândia e faz graduação sanduíche pelo programa Ciências sem Fronteiras, diz que o hormônio do crescimento tinha efeitos colaterais positivos. “Nunca tive tanta disposição na minha vida, acordava todos os dias mais feliz e com energia. Não só cresci como me tornei mais feliz, aumentei minha autoestima e ainda perdi muita gordura corporal. Antes de começar o tratamento, meu percentual de gordura era 27%. No final, cheguei a 9%. Essa disposição me ajudava ainda nos estudos, passei no vestibular com a maior nota de corte de Minas”, orgulha-se.
Diogo encerrou o tratamento aos 18 anos e hoje mede 1,72 m.
Hormônio do crescimento: indicações
Pelo Sistema Único de Saúde só tem direito ao hormônio do crescimento crianças e adolescentes que comprovadamente tem a deficiência desse hormônio e para meninas com Síndrome de Turner.
A endocrinologista pediátrica Andréia Vasconcelos cita outras duas situações em que o hormônio do crescimento é indicado fora as que estão previstas no SUS: quando a criança nasce pequena para a idade gestacional e não recupera a estatura até os 2 anos e em casos de baixa estatura idiopática, ou seja, quando se percebe que o paciente tem baixa velocidade de crescimento, mas não se sabe a causa. Essa situação é mais facilmente notada quando o padrão de crescimento está em desacordo com a estatura dos pais ou quando existe descompasso entre o desenvolvimento do esqueleto e a idade cronológica.
Em termos médicos, a baixa estatura é quando a criança ou adolescente está abaixo da linha vermelha da curva de crescimento. Ainda segundo Vasconcelos, os estudos mostram que, no caso de baixa estatura idiopática, o ganho máximo de altura é de 6 cm.
Érika Figueiredo Gomes reforça que em muitas situações não se consegue encontrar uma causa para a baixa estatura. Nesses casos, os endocrinologistas podem optar apenas por observar os casos idiopáticos ou usar o hormônio do crescimento para avaliar a resposta do indivíduo.
Fora do sistema público de saúde, o custo médio mensal do tratamento varia entre R$ 2500 e R$ 4 mil mensais. “A dose é dependente do peso. Logo, quanto mais pesada a criança, maior o custo”, explica Érika Figueiredo Gomes. O que pode ser feito é uma solicitação na justiça em que o médico explica a razão do paciente precisar da medicação, mas o pedido pode ser deferido ou não.
Baixa estatura: como identificar
Endocrinologista pediátrico do Hospital das Clínicas da UFMG e da Clínica Mon Petit, Rafael Mantovani diz que, após os 2 anos de idade, é comum que, no Brasil, as crianças sumam dos consultórios do pediatra. No entanto, a orientação da Sociedade Brasileira de Pediatria é que, nessa idade, a criança visite o médico a cada três meses. A partir dos 3 anos, a periodicidade deve ser a cada seis meses. Essas consultas, segundo ele, são importantes não apenas para acompanhar o crescimento da criança, mas para avaliar o desenvolvimento como um todo. “Se a criança faz um acompanhamento, o médico é capaz de detectar, por exemplo, a diminuição na velocidade e crescimento. Nesses casos, a curva do gráfico fica mais horizontalizada”, explica.
Para que a criança apresente um crescimento normal, ela precisa estar saudável. Dito isto, o parâmetro mais importante na avaliação da altura de uma criança é a curva de crescimento. Érika Figueiredo Gomes explica que esses gráficos são estabelecidas através de estudos populacionais que servem de base para o acompanhamento do crescimento desde o nascimento. “O pediatra deve sempre utilizar essa ferramenta na avaliação do crescimento, desvios nessa curva devem ser avaliados por um especialista”, pontua.
Como sinais de alerta, a endocrinologista cita os canais de crescimento abaixo do padrão populacional ou abaixo do esperado para o padrão familiar, previsão de estatura final abaixo do alvo familiar e queda na velocidade de crescimento considerando-se a idade e o sexo. “De um modo geral, a criança cresce mais de 4 cm por ano até a puberdade”, informa.
A médica diz ainda que uma das formas de se identificar que a criança não está crescendo bem é observar que as roupas não estão ficando curtas e os sapatos não estão ficando apertados com o passar do tempo. Ela cita também alguns sinais clínicos prevalentes em crianças com problemas de crescimento como testa muito proeminente, acúmulo de gordura no abdômen, nariz em sela (mais curvo), desenvolvimento reduzido da musculatura, atraso na dentição, cabelos finos e esparsos e voz aguda. “Sempre que houver dúvida, o melhor a se fazer é procurar avaliação de um endocrinologista”, alerta a médica.
Diagnóstico
Rafael Mantovani lembra que, além dos dados antropométricos (peso e estatura) para avaliar se a criança está crescendo no ritmo esperado, avalia-se a idade óssea do paciente pela radiografia da mão e do punho. “Se a baixa estatura é patológica fazemos exames de triagem para avaliar, por exemplo, anemia, má absorção intestinal e tireoide (para ver o funcionamento dos órgãos e sistemas). Doença celíaca e diabetes podem ser causa de baixa estatura”, cita. Segundo ele, se esses exames estiverem normais, o especialista evolui para avaliações mais específicas como o teste de estímulo para ver como hormônio do crescimento é secretado pelo organismo.
Érika Figueiredo Gomes reforça que esses pedidos de exames são feitos apenas se for comprovado que o crescimento está fora do padrão e não para saber se o crescimento está normal. “Nenhum exame é totalmente eficaz para diagnosticar a deficiência de hormônio de crescimento. Eles devem ser interpretados com base nos achados clínicos”, afirma.
Mantovani diz também que as condições do pré-natal e de nascimento fazem muita diferença na avaliação de uma criança com baixa estatura. Informações como o fato de a mãe ter usado medicamento para hipertensão ou diabetes ou se foi o caso de pouco líquido amniótico na gestação, de acordo com o médico, são fatores que também podem influenciar a altura de um menino ou menina.
Ou seja, excluídas as causas não hormonais de baixa estatura como doenças renais, doenças hepáticas, anemias e desnutrição e, caso seja comprovada a deficiência do hormônio de crescimento, é feita uma ressonância magnética da hipófise.
Mais cedo, melhor
Independentemente da causa do crescimento anormal, Mantovani fala sobre a importância de que seja identificado precocemente, já que existe um tempo limite para tratar o crescimento. “Idade óssea atrasada é um ponto positivo para o tratamento. O tempo que se tem para o tratamento é um dos fatores de maior impacto no resultado. Quanto mais longe a idade óssea estiver puberdade, melhor,” explica. Por outro lado, quando a idade óssea está avançada – que culmina com o fechamento das cartilagens do crescimento – o tempo para a recuperação desse crescimento é reduzido.
Érika Figueiredo Dias afirma que, geralmente, o diagnóstico da baixa estatura é feito após 2 anos de idade e reforça que a avaliação não deve ser postergada. “O atraso no tratamento pode levar a uma perda irreparável na altura final”, afirma a endocrinologista. Segundo ela, nos casos em que o hormônio do crescimento é indicado, outros fatores influenciam no resultado: quanto menor o déficit de altura inicial melhor a resposta; altura mais adequada na época da puberdade melhora a altura final; se os pais forem muito baixos geralmente a resposta é pior; e a velocidade de crescimento no primeiro ano de tratamento também fala a favor de uma melhor resposta.
Rafael Mantovani diz que entre seis a doze meses de uso da medicação é possível identificar os pacientes que são “bons respondedores”. “Uma boa resposta inicial significa uma altura melhor, uma resposta mediana ou ruim é, inclusive, um parâmetro para suspender o tratamento”, explica.
O tempo de tratamento depende de quando ele é iniciado e vai até a pessoa adquirir a estatura final que, no menino, é até os 14 anos de idade óssea, e, na menina, 13 de idade óssea.
Tratamento
Érika Figueiredo Dias reforça que a maioria dos casos de avaliação de baixa estatura tem como causa os fatores genético e familiar. Ou seja, não necessita de tratamento com hormônio de crescimento. No entanto, Rafael Mantovani alerta para o fato de que pais e mães baixos, por acreditarem que os filhos serão pequenos, não se atentam muito para os sinais de crescimento fora do padrão normal. “É preciso identificar cada situação. Quem sabe os pais também não tinham problema de crescimento não diagnosticado?”, pondera.
A endocrinologista lembra que para que o crescimento ocorra no seu potencial é necessário que vários fatores estejam interagindo de forma adequada. “Fatores genéticos, estado nutricional, sono adequado, atividade física e a capacidade das cartilagens de crescimento responderem aos estímulos de crescimento. Assim, os hormônios são importantes, mas a interação entre esses fatores é determinante no potencial estatural”, explica.
Segundo ela, não basta simplesmente dar hormônio de crescimento para a criança crescer: “Deve haver uma indicação formal para que o hormônio seja utilizado. Ou seja, déficit comprovado do hormônio, insuficiência renal crônica, baixa estatura por haploinsuficiência do gene SHOX, Síndrome de Turner, Síndrome de Prader-Willi, crianças nascidas pequenas para a idade gestacional que não recuperaram o crescimento até dois anos de idade. Quando bem indicado e utilizado o hormônio de crescimento tem alta eficácia terapêutica”, completa.
O tratamento não garante que o alvo calculado será atingido com a medicação. “Oferecer falsas expectativas sobre o crescimento de uma criança pode ser perigoso. Faz-se necessário valorizar o indivíduo como ele é, independente do tamanho”, reforça Érika.
Para a psicanalista e psicopedagoga Cristina Silveira, a expectativa dos pais deve respeitar e obedecer as limitações do tratamento para que a criança não seja motivada a construir conceitos e esperanças infundadas. “A família tem um papel fundamental de suporte e apoio”, reforça.
Segundo ela, crianças e adolescentes que passam pelo tratamento podem, em alguns casos, precisar de acompanhamento terapêutico. Cristina Silveira chama atenção para alguns sintomas como isolamento social, tristeza, sentimentos de incapacidade, insegurança, agressividade, choro, notas baixas e dificuldades na escola. “Durante o processo de tratamento hormonal o acompanhamento pode ajudar no desenvolvimento emocional e na consciência do próprio corpo, uma vez que o tratamento acelera o crescimento e antecipa a puberdade. Ou seja, o crescimento de pelos e outras mudanças corporais podem acontecer e o emocional da criança ou do adolescente podem não estar acompanhando o processo de crescimento”, salienta.
Rafael Mantovani acredita que os mecanismos de comparação de altura devem sempre levar em conta não o ambiente em que a criança está inserida, mas a característica da população: “1,70 m no Brasil não é baixo, mas na Dinamarca sim. Em termos de saúde é preciso estabelecer esse parâmetro”.
Segundo ele, uma criança pode ser baixa, mas apresentar um crescimento normal. “Esse não é um dilema só das crianças brasileiras, mas em todo mundo. É ético tratar com hormônio de crescimento quem se sente baixo por conta de bullying? É trabalhoso, mas existem outras formas de tratar essa questão psicológica”, observa.
Efeitos colaterais
Érika Figueiredo Gomes diz que o hormônio do crescimento é seguro e bem tolerado quando usado adequadamente e sob orientação médica. “Podem ocorrer reações no local da aplicação (já que o medicamento é injetável), mas sintomas que exigem avaliação médica são dor de cabeça intensa, náuseas, alterações visuais, agitação, alteração na forma de caminhar, resistência à ação da insulina com possibilidade de desencadear diabetes tipo 2 e alterações na curvatura da coluna e no fêmur”, exemplifica.
A aplicação do hormônio é rápida e de fácil aprendizado. “A técnica é simples e praticamente indolor com os mecanismos atuais. As seringas são finas e encapadas com silicone, o que não dificulta a adesão ao tratamento”, afirma Mantovani.
Riscos
Para Rafael Mantovani, o temor no uso do hormônio do crescimento é baseado muito mais no que poderia acontecer e não no que acontece realmente. Sobre a associação com o risco de câncer, ele afirma que estudos mostram que pacientes que usaram o hormônio do crescimento por muitos anos em comparação com a população que não usou, a incidência de tumores é igual.
Érika Figueiredo Gomes diz que o uso do hormônio nas doses preconizadas, especialmente nas crianças que não tem história de nenhuma neoplasia prévia, tem se mostrado seguro. “Já nas crianças que já tiveram neoplasias, alguns trabalhos sugerem uma maior incidência de novos tumores. Precisamos de mais estudos para que seja definido se realmente há um risco maior no desenvolvimento de câncer em quem usa o hormônio do crescimento”, fala.
O uso do hormônio de crescimento é associado também ao aumento da incidência de acidente vascular hemorrágico em adultos que foram tratados com essa medicação na infância. “Esse é um assunto ainda controverso e novos estudos deverão ser feitos para esclarecer melhor esse risco”, diz a endocrinologista.
Por outro lado, pacientes que usam o hormônio do crescimento têm uma redução da massa gorda, uma melhor distribuição da gordura, além do aumento da massa magra.