De tanto querer perfeição, acabou só: ciência comprova sabedoria popular

Especialistas afirmam que buscar o companheiro ideal costuma ser a pior estratégia para quem deseja construir uma relação duradoura

por Bruna Sensêve 08/04/2015 09:00

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Janey Costa
Esperar um parceiro perfeito é mau negócio, por que então tantas pessoas sonham com esse tipo de união? (foto: Janey Costa)
Não adianta insistir. O par perfeito, ou alma gêmea, não passa de uma doce ilusão, que não só pode colocar a pessoa em uma busca vã como atrapalhá-la na procura por um relacionamento duradouro. A solução para quem deseja encontrar um companheiro é reduzir as expectativas. Parceiros reais estão longe de serem infalíveis — largam a tampa do sanitário levantada, demoram horas para se arrumar, esquecem o aniversário de namoro e deixam a toalha molhada em cima da cama. Parece uma visão pouco romântica? Não é para menos. Essa conclusão é de cientistas especializados em evolução da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos.


Segundo eles, agir de forma menos idealizada é uma receita antiga, seguida já pelos primeiros hominídeos, cuja principal preocupação era sobreviver e garantir a propagação da espécie. Os humanos primitivos eram, de certa forma, forçados a “apostar” se encontrariam um parceiro melhor ou se deveriam se contentar com o que tinham à disposição. “Eles poderiam tanto escolher acasalar com o primeiro parceiro, potencialmente inferior, quanto esperar pela senhora ou senhor perfeito”, afirma Chris Adami, professor de microbiologia e genética molecular e coautor de um estudo sobre o tema publicado recentemente na revista Scientific Reports. De lá para cá, pouca coisa mudou. “Quem muito escolhe nada tem”, decreta.

A convicção de Adami é baseada em experimentos que coordenou com o colega geneticista Arend Hintze. Eles usaram um modelo computacional para rastrear os comportamentos de risco durante milhares de gerações evolutivas usando “organismos digitais” em uma realidade virtual. Esses modelos de indivíduos foram programados para fazer apostas buscando a maior “rentabilidade” possível, refletindo o que seriam decisões marcantes tomadas por indivíduos reais, como a escolha de um parceiro. Eles testaram muitas variáveis que influenciam comportamentos de risco e concluíram que determinadas condições induzem o processo de tomada de decisão.

A escolha de um parceiro deve ser um raro evento, que acontece apenas uma vez na vida e deve ter um retorno elevado para o futuro do sujeito. “Um indivíduo pode se segurar para encontrar o companheiro perfeito, mas corre o risco de ficar de mãos abanando e sem deixar descendência”, diz Adami. “Optar cedo por uma aposta certa dá uma vantagem evolutiva, especialmente quando se vive em uma pequena comunidade.” Os humanos primitivos viviam em grupos de cerca de 150 indivíduos. Uma vez que os recursos tendem a ser mais escassos nessa condição, o ambiente ajuda a promover uma aversão ao risco. “Descobrimos que é o tamanho do grupo próximo, e não o da população total, que importa na evolução da aversão ao risco”, disse Hintze.

Assim, quanto menor for a coletividade, mais avessos a altos riscos serão seus integrantes. No entanto, nem todos desenvolvem o mesmo nível de resistência. Os pesquisadores também concluíram que a evolução não tem preferência por um único caminho, permitindo uma gama de comportamentos mais ou menos arriscados. “Nós todos não evoluímos para ser os mesmos”, pondera Adami. “A evolução cria uma diversidade em nossa aceitação de risco, então, você vê algumas pessoas que são mais propensas a correr riscos que outras. Vimos o mesmo fenômeno em nossas simulações.”

Genética
Na pesquisa da dupla, a ideia está focada no estudo de pequenos grupos nômades africanos que fizeram a história da evolução humana. “Eles caçavam, colhiam raízes e, quando terminavam os recursos, iam para outra terra. De vez em quando, cruzavam com outro grupo e trocavam parceiros, o que ajudava a evitar problemas genéticos, mas, normalmente, as opções estavam ali naquele grupo”, explica Ailton Amélio da Silva, professor aposentado de psicologia da Universidade de São Paulo e autor de Relacionamento amoroso — Como encontrar sua metade ideal e cuidar dela.

Nesse tipo de contexto, então, a melhor estratégia era não querer o excelente. De acordo com Silva, os fatores genéticos se estendem até os dias de hoje, e o mecanismo tende a ser o mesmo. “Tem uma história em um dos meus livros sobre o sujeito que estava procurando a parceira ideal. Um amigo pergunta: ‘Está namorando?’ ‘Não.’ ‘Por quê?’ ‘Estou procurando a mulher ideal.’ Um ano depois, eles se reencontram, e o amigo volta a questionar: ‘Está namorando?’ ‘Não.’ ‘Ué, não encontrou a mulher ideal?’ ‘Encontrei, mas ela também estava procurando o cara ideal.’ Ou seja, quem procura a pessoa ideal corre sérios riscos de não ficar com ela, mesmo que a encontre.” Nas palavras do especialista, é a lei da homogenia: a pessoa ideal também quer um parceiro ideal.

Outra característica de quem procura o parceiro ideal é o racionalismo excessivo, o que pode atrapalhar todo o processo. “Para algumas pessoas, o racional pesa, e elas pulam fora se não for o que querem.” O psicólogo considera, no entanto, que o percentual de pessoas assim é baixo na população. Ele aplicou testes em diversos grupos de pessoas durante sua carreira e chegou a um percentual de 5%. “Na maioria das vezes, queremos um parceiro, mas os mecanismos para se ligar ao outro não passam pela via racional.” Seria como o amor pelo filho. Segundo ele, se você perguntar para uma mãe como seria o filho ideal, ela dirá. Contudo, ela se ligará a qualquer um que nascer.


Cultura do 'eu' eleva expectativas
Se nossos ancestrais aprenderam há milhares de anos que esperar um parceiro perfeito é mau negócio, por que tantas pessoas sonham com esse tipo de união? Porque o comportamento humano é muito complexo e passa também pela cultura. Para o psicólogo Aurélio Melo, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, a ilusão quanto à possível existência de um companheiro ideal começa desde pequeno, estimulada por um tempo histórico que apregoa os incríveis poderes do “eu”.

“Como se tudo fosse uma questão de querer. Querer é poder e basta você ir atrás. Essa é uma ideia que foi difundida na nossa cultura”, diz Melo. A partir disso, as pessoas começam a ter uma crença de que tudo é questão de ir atrás do seu sonho. No entanto, por mais objetivo que o sujeito seja, a ideia existe somente na cabeça dele. “Pode ser também uma casa ou um carro. Quando eu conheço, entro em contato ou me aproprio, é diferente. Com uma pessoa, ainda muito mais. A pessoa ideal, a rigor, não existe. Então, quando encontro uma de verdade, acabo sofrendo, tentando sobrepor uma à outra.”

Com isso, a tendência é reclamar com o parceiro porque ele não tem determinado comportamento. Mas quem faz as coisas de certa forma é a pessoa ideal, imaginada. “A de verdade nunca tampou a pasta de dente, mas todo dia eu brigo com ela por isso. É uma expectativa baseada em algo que é somente meu, no meu narcisismo. Eu construo internamente e vou para o mundo externo atrás dessas referências que eu mesmo criei”, descreve o psicólogo.

De acordo com o especialista, ninguém nasce idealista assim. “A cultura nos vende isso. O “eu” de cada um não tem superpoderes. Se conseguirmos encontrar o nosso tamanho, já é uma grande coisa. Aí, você pode fazer alguma coisa de verdade.” O caminho, então, é esquecer as expectativas. Não tem problema nenhum sonhar e planejar, desde que se saiba que isso é um sonho, um planejamento. “Na realidade, tudo acaba acontecendo de modo diferente, às vezes, até para melhor. A pessoa pode se surpreender, se ela se permitir, e encontrar coisas boas.”

Aurélio Melo considera importante também que as pessoas não vejam umas às outras como mercadorias, que vêm com garantia e manual de instrução. É preciso conhecer o outro e se entregar à experiência, para descobrir se é boa ou não.

Busca on-line
Uma das formas cada vez mais usadas pelas pessoas para encontrar um parceiro são os sites de namoro on-line. De acordo com um estudo feito em 2013 pelo Centro de Pesquisas Pew e Crystal Wotipka, um em cada 10 americanos acima de 18 anos usa essas páginas ou aplicativos móveis de encontro. Segundo estudo da Universidade de Iowa, coordenado por Andy High, os usuários desses serviços não buscam tanto a pessoa ideal, mas o que eles denominam de combinação perfeita. As pessoas são menos propensas a confiar em uma pessoa com um perfil altivo e preferem um parceiro que não aparente somente ser bem-sucedido, mas que seja também humilde e se apresente de forma que pareça verdadeira.