A manhã de ontem não foi diferente, a não ser para quem via, pela primeira vez, Anna Maria andando no seu passo ritmado e constante. De roupa de ginástica branca, tênis de corrida importado e boné verde, ela saiu de casa pontualmente, atravessou a Getúlio Vargas e seguiu pela Rua Professor Moraes para chegar à Avenida Nossa Senhora do Carmo. Com apenas uma hora e 50 minutos, estava perto do shopping. “Puxa vida, e a gente ainda reclama! Estou com um problema no pé e, assim que melhorar, vou caminhar também. Essa mulher é um exemplo”, comentou a engenheira Daniele Souza, moradora de Vitória, parada na porta de uma empresa. Sem perder o pique, a aposentada deu bom dia e contou que faz muitos amigos no caminho.
Natural de Ouro Preto, Anna Maria mora em BH desde criança e evita falar sobre a intimidade familiar, limitando-se a dizer que tem um casal de netos “adorados e lindos”: Pedro, de 22, estudante de engenharia, e Luíza, de 20, que cursa arquitetura. “Trabalhei na Secretaria de Estado da Educação. Quando jovem, namorei muito e desfilei para a Tecidos Bangu. Comecei a correr velha, tinha mais de 50 anos, e olha que, naquela época, fumava muito”, recorda. Em pouco tempo, o tabaco foi aposentado e virou fumaça na memória.
NUNCA É TARDE
Os primeiros passos rumo à saúde plena foram dados depois de uma consulta médica. Ao saber da elevação da pressão arterial e ouvir os conselhos para melhorar os hábitos, Anna Maria decidiu ir a pé para o trabalho, então na Praça da Liberdade. “Eu andava muito rápido, e correr foi um pulo”, revela. Daí em diante, foi só alegria no sobe e desce, muitas vezes indo treinar no município vizinho de Nova Lima, “embora voltando de ônibus”, e percorrendo todo o Bairro Belvedere, que considera ótimo, por ser bem acidentado: “Gosto muito de subidas, por isso não reclamo da Avenida Nossa Senhora do Carmo”.
Anna Maria conta suas histórias e não se afoba em meio ao trânsito – segue tranquila. “Há pontos muitos perigosos, fico atenta”, certa de que gato escaldado tem medo de água fria. Há um ano, quando ainda corria ou “voava” pelas ruas, foi atropelada na Rua Professor Moraes por um carro que subiu na calçada. “Tive fratura no ombro, mas não houve sequela. Achei melhor parar com as corridas”, conta a aposentada, explicando que o problema nas costas nunca a impediu de praticar seu esporte favorito. “Não é uma doença, não sinto dor, mas fui encurvando. Meu ortopedista até disse que era de tanto subir ladeira. Só me arrependo de não ter feito ioga logo no início.”
Ficar em casa não é o melhor dos mundos para a mineira, que gosta mesmo é de rua. “Só sinto mal quando estou com uma vassoura na mão”, brinca. É impressionante o rosto de felicidade de Anna Maria ao cortar com destemor as ruas e avenidas. “As calçadas estão com uma buracada danada, a prefeitura precisa tomar providências. Eu caí várias vezes”, disse, mostrando as falhas nas pedras portuguesas de trechos da Avenida Nossa Senhora do Carmo. “Perto da entrada do Morro do Papagaio está o caos”, indica.
De repente, na subida do Ponteio, Anna Maria se queixa de inchaço nas pernas, que, pela idade, continuam firmes e musculosas. “Ficar velho é muito ruim. Nessas andanças, ouvi muita gente me mandando rezar o terço ou ir para o Bonfim (cemitério). O pior é que costumam jogar objetos e lixo para fora dos carros. Uma vez, atiraram até casca de banana para eu cair? Mas sigo adiante, pois fiz muitos amigos por aí. Nunca fui assaltada e no Morro do Papagaio cantaram parabéns, no meu aniversário, com bolo e tudo”, conta sem perder o bom humor.
TRECHO PERIGOSO
A vida segue e a estrada também. Na esquina da Nossa Senhora do Carmo com Rua Colômbia, no Bairro Sion, a caminhante mostra um dos trechos mais perigosos para atravessar, pois não há sinal e os carros entram com mais velocidade.
Acostumado há anos a ver Anna Maria subindo e descendo a Avenida Nossa Senhora do Carmo, o instrutor de autoescola no Bairro do Carmo, Sebastião Marciano, de 62, aplaude o “grande esforço” da mulher de 54 quilos, que não se curva à idade e distâncias. “Não gosto muito de caminhada, prefiro as corridas”, afirma. Sempre concentrada, a aposentada diz que, no caminho, pensa muito na vida. “Às vezes choro, lembrando de algumas passagens, às vezes xingo. Só não posso mesmo é cantar, pois tira o fôlego”, revela.
Logo depois da curva do Ponteio, Anna Maria vai ficando mais atenta, pela falta de passeio: “Tenho que ir bem pelo canto, pois o movimento de carros é intenso e nem todo mundo tem educação”. Um velho amigo aparece e ela para e bate um rápido papo. “Conheço Anna Maria há mais de 25 anos, desde quando ela frequentava o Minas Tênis Clube. Comecei a caminhar estimulado por ela”, conta o administrador de empresas Marcos Torres, de 59, que se exercitava ao lado do amigo, o geólogo paranaense Fábio Ortigara, de 36, residentes no Bairro Buritis. “É um comportamento inspirador”, afirmou Fábio.
De volta à caminhada, Anna Maria conta que só passa filtro solar no rosto, para permitir bem a síntese da vitamina D, que é produzida pela ação da luz solar. E garante também que a saúde vai muito bem. “Sou de uma família de cardíacos e não tenho nada”, orgulha-se, No prato, entram apenas frutas, legumes e verduras. “Como de tudo, menos gordura e sal”, segreda. Nesse momento da conversa, fim da trilha e hora de voltar: “A descida é sempre mais rápida, faço em menos de uma hora”. Já de volta ao apartamento, ela exibe medalhas e troféus que ganhou nos últimos 20 anos, inclusive da Federação Mineira de Atletismo, da prefeitura e de empresas. E dá sinais de que tem muito chão pela frente ainda. “Gosto da vida, sou alegre, bem-humorada. Não tenho preconceito de nada”. diz. que, pelo visto, ainda tem muito chão pela frente.
Dicas para uma boa caminhada
“A caminhada é uma boa atividade física para os idosos, tanto do ponto de vista aeróbico como também para evitar e tratar a osteoporose ou perda de massa óssea. Mas é preciso uma série de cuidados a fim de evitar principalmente quedas: boa visão e uso de um calçado antiderrapante, com amortecimento, para impedir impacto nos membros inferiores. No dia a dia, a pessoa deve procurar caminhar num ambiente sem poluição, o que, nas grandes cidades, é um pouco difícil. Roupas claras também são indicadas nas caminhadas, assim como atenção aos horários: muito sol pode provocar câncer de pele. De manhã cedo, é sempre melhor, e vale lembrar sobre a importância da produção de vitamina D, que é produzida pela ação da luz solar”.
Guydo Marques Horta Duarte, ortopedista e coordenador de serviço de ortopedia do Hospital Vila da Serra