Mas vários estudos recentes dizem exatamente o contrário. Segundo pesquisadores da Universidade de Stanford, o ritmo constante das batidas, na verdade, melhora as funções cognitivas do cérebro. Para os cientistas do Karolinska Institute, em Estocolmo, ter um bom timing ajuda na resolução de problemas, e bateristas que conseguiram manter uma vibração sonora frequente tiveram maior pontuação em um questionário. Já os estudos da Universidade de Oxford revelaram que, quando vários instrumentistas tocam juntos, eles se sentem mais felizes e tolerantes à dor. Pesquisadores de Harvard descobriram que o relógio interno dos bateristas se move em ondas e não linearmente, como o das outras pessoas.
“A batida ritmada e frequente altera sinapses e, consequentemente, redes cerebrais que trazem alterações específicas e importantes para esses sujeitos, para além do processo de aprendizagem, que, por si só, já seria um aspecto importante. Isso também implicaria alterações cerebrais e essas pessoas podem se beneficiar em outras funções, tornando o cérebro mais conectado e, de fato, mais ‘esperto’”, explica a neuropsicóloga Isabelle Chariglione, coordenadora do Laboratório de Processos Básicos da Universidade Católica de Brasília.
Segundo Isabelle, a música de maneira geral traz possibilidades de melhora nas funções cerebrais, mas especificamente no que se refere ao baterista, essa sincronia entre os movimentos pode ter o poder de acalmar por tratar-se de uma atividade prazerosa. “Sendo assim, a liberação de determinados neurotransmissores, como a serotonina e a dopamina, farão com que ele tenha uma sensação de satisfação depois da atividade”, afirma.
Todos os estudos têm bastante relação com o ritmo, que é importante em qualquer aspecto da vida. Para estudar, cumprir atribuições no trabalho, na vida familiar, na disputa de uma maratona. Sem ritmo, o cérebro gasta muito mais energia mental para organizar a desordem. Quem tem essa habilidade consegue focar, não se dispersa. “Os tambores tribais, por exemplo, têm um compasso constante para atrair a atenção ao momento do ritual, eles esquecem tudo o que acontece fora dali. O baterista tem essa facilidade para trabalhar com a cadência e, nesse aspecto, consegue dividir tudo de forma rítmica. É como se entrasse em um estado alterado de consciência e conseguisse dominar as dispersões de atenção”, explica o neurologista Ricardo Costa. “Consequentemente, se o sujeito consegue ficar mais atento, poderá ter mais facilidade em memorizar, em aprender, e no desenvolvimento de alguns tipos de raciocínio e na resolução de problemas”, completa Isabelle.
Não é apenas o ritmo musical que traz alterações — estudo da Universidade de Washington e pesquisa da Universidade do Texas usaram luzes rítmicas em estudantes com deficit de atenção. O rendimento escolar dos pacientes aumentou, quando comparado ao período em que usaram remédios psicoestimulantes. “Esse levantamento foi feito com monitoração eletroencefalográfica, que canaliza as ondas cerebrais. Entende-se que haja uma associação ao balanço sonoro, mas ainda não foi provado. Esses estudos não têm relação com a inteligência porque ela é múltipla e não é possível quantificar apenas com um teste”, afirma Ricardo Campos. E nem todo baterista é focado. Um dos pacientes do neurologista, por exemplo, é baterista mas tem transtorno de deficit de atenção. Ele consegue manter o ritmo e atribuir alguma organização à vida, mas tem problemas sérios de concentração.
“Diversos tipos de atividade podem provocar modificações cerebrais. Quando se joga uma partida de xadrez ou quando a pessoa se propõe a estudar um novo idioma são realizadas mudanças cerebrais, alterações sinápticas e de redes desse grande processador de informações denominado cérebro”, explica Isabelle. Tocar um instrumento também estimula várias áreas cerebrais e aprimora as funções da região — e os bateristas, por exemplo, ativam os dois lados do cérebro. “Os bateristas se beneficiam, provavelmente, por causa da exigência de movimentos precisos das mãos e dos dedos, do treino da coordenação motora fina, do desenvolvimento da atenção necessária para a altura do som e para o ritmo, além de exigência de sensibilidade emocional”, detalha a neuropsicóloga.
“Tocar bateria é uma espécie de ritual. O que se fala sobre meditação é que você deixa de pensar em outras coisas e, para mim, a bateria tem esse efeito terapêutico. Enquanto estou tocando, não penso em mais nada. Se tenho alguma dificuldade na vida, essa é uma espécie de reset, algo que me tranquiliza”, conta o baterista Beto Cavani, 44 anos. O músico descobriu o instrumento em 1990 — a escolha se deu por ela achar que era mais fácil tocar bateria do que a guitarra e pela admiração que tinha pelo baterista André Tourinho. “Ele era tudo o que eu não era. Sinônimo da liberdade e da rebeldia. E tocava muito bem”, lembra.
Há três anos, Beto montou uma banda em que canta e toca baixo. Foi somente então que percebeu os benefícios da bateria. “Eu senti muita facilidade para fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Ainda que eu faça as duas coisas mal, parece que a mesma área do cérebro que eu aplico para executar essas tarefas uso para conseguir fazer uma nota no baixo e outra na voz”, explica. O músico conta que se considera extremamente metódico e sempre foi assim. A bateria apenas ratificou essa tendência. “O instrumento me fez sistematizar mais as coisas.”
"A batida ritmada e frequente altera sinapses e, consequentemente, redes cerebrais que trazem alterações específicas e importantes para esses sujeitos, para além do processo de aprendizagem, que, por si só, já seria um aspecto importante” - Isabelle Chariglione, neuropsicóloga