Atenção desde a primeira infância
Desde os primeiros momentos de vida, a tireoide mostra a que veio. Garantir que o funcionamento da glândula está perfeito é tão importante que a avaliação é feita logo na primeira semana após o nascimento, na triagem conhecida como teste do pezinho. A condição é chamada de hipotireoidismo congênito (HC). O HC é hereditário: quando acontece, o organismo não consegue produzir T4 (tiroxina) e todo o desenvolvimento, tanto cerebral quanto corporal, fica comprometido. Felizmente, o distúrbio é relativamente raro: atinge cerca de 1 em cada 4 mil recém-nascidos.
A endocrinologista Gisah de Carvalho alerta: é primordial que o tratamento comece nos primeiros 15 dias de vida da criança. “Até o nascimento, os hormônios maternos suprem essa necessidade”, justifica. “Quando a criança nasce, vai precisar da tireoide imediatamente. Como ela não vai funcionar, é importante garantir administração de hormônio tireoidiano nos primeiros 15 dias, que é uma substância idêntica ao hormônio natural.”
O primeiro mês de vida é crucial para evitar danos à saúde da criança no futuro. Nesse período, os hormônios tireoidianos estão associados às sinapses. Isso significa que a falta deles impede também que os neurônios se comuniquem adequadamente, ocasionando o retardo mental. “É uma doença gravíssima. A criança pode, literalmente, ter problemas mentais caso não receba tratamento”, reforça Adriana Beleato Balancieri, médica pediatra especialista em endocrinologia pediátrica.
Uma questão de equilíbrio
O formato da tireoide lembra uma borboleta, devido aos dois lobos, um de cada lado da estrutura. Está localizada na parte anterior do pescoço, abaixo do pomo de Adão (o famoso “gogó”). A estrutura produz dois hormônios: T3 (triiodotironina) e T4 (tiroxina). Ambos atuam em todos os sistemas do organismo.
Desnecessário dizer que uma glândula tão essencial para o funcionamento do corpo precisa estar em equilíbrio e em perfeito estado de funcionamento. Porém, nem sempre a produção do “combustível” está adequada. Quando isso acontece, há dois cenários possíveis: a pouca produção dos hormônios, que resulta em uma condição chamada hipotireoidismo; e a fabricação hormonal desenfreada, conhecida como hipertireoidismo.
Gisah Amaral de Carvalho, presidente do Departamento de Tireoide da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem), explica que a produção insuficiente dos hormônios faz com que o corpo funcione de forma mais lenta. “O paciente sente mais frio, uma vez que perde parte da capacidade de produzir calor. O coração bate mais devagar; a pele fica seca; pode ter queda de cabelo e intestino preguiçoso”, enumera. Outros sintomas clássicos, segundo a médica, são alterações (e até ausência) no ciclo menstrual, retenção de líquido, diminuição da memória, desânimo e, em alguns casos, depressão.
O hipertireoidismo, como o nome sugere, é a antítese da falta de T3 e T4: como o corpo não “estoca” o combustível, usa-o por completo e o organismo se acelera. Taquicardia, sudorese, intolerância ao calor, irritabilidade, insônia, aumento da frequência intestinal e diminuição de peso são alguns dos resultados desse open bar de hormônios. De acordo com Gisah de Carvalho, o hipotireoidismo é mais comum na população adulta: chega a 10%. Em mulheres que já estão na menopausa, o número aumenta para 15%. “Já o hipertireoidismo é mais raro, atinge apenas 1,5% da população”, frisa.
Adolescência e histórico familiar
Quando o hipotireoidismo aparece ao longo dos primeiros anos de vida, há sérios riscos para o desenvolvimento intelectual da criança. Adriana Balancieri explica que, até os 5 anos de idade, as doenças podem dificultar o aprendizado. “Podem aparecer também distúrbios de crescimento, visto que os hormônios são essenciais para esse fim.” Quanto mais o diagnóstico demora, mais riscos para a criança. Ganho de peso, queda de cabelo, unhas fracas e cansaço excessivo são alguns dos indícios de que a tireoide da criança talvez não esteja saudável.
A perda no crescimento é irreversível. Segundo a pediatra, se uma criança com a tireoide saudável deveria crescer de 5cm a 7cm por ano, por exemplo, uma com hipotireoidismo crescerá apenas 4cm. “Esses centímetros que ela deixou de crescer não voltam mais”, reforça. Se a criança está “ligada na tomada”, se tem insônia e não ganha peso, os pais devem ficar atentos para a possibilidade do hipertireoidismo.
A condição é menos comum e a inciência maior é no sexo feminino. “Ao contrário do hipotireoidismo, no hiper, a criança apresenta insônia, agitação, queda de cabelo, tremores nas mãos, palpitação e dificuldade em manter-se focada.” Esse último sintoma atrapalha a vida escolar dos pequenos: o aprendizado fica comprometido, já que a memória e a concentração desaparecem no ar.
Na adolescência, não há mais tanto risco para o desenvolvimento intelectual, uma vez que já está quase completo nessa etapa. Mas a dificuldade de concentração, típica dos adolescentes, permanece. No caso de jovens com hipertireoidismo, duas particularidades chamam atenção, segundo Balancieri: o bócio (aumento da região anterior do pescoço) e os olhos saltados. “Olhos avermelhados também são características do hipertireoidismo”, completa.
Nesse período, as causas de ambas as doenças são, geralmente, genéticas. Por isso, é importante que pais que já foram diagnosticados rastreiem a saúde dos filhos após os dois anos de vida. “A chance de os filhos também desenvolverem (as doenças) é especialmente alta na adolescência”, completa a pediatra. “Sabemos também que há algumas substâncias químicas na alimentação, nos pesticidas e em alguns cremes de cabelo também interferem nos hormônios.” O ideal é evitar alimentos industrializados e dar lugar a comidas orgânicas, sem adição de pesticidas.
Na maturidade, um perigo latente
O hipo e o hipertireoidismo se manifestam, sobretudo, entre os 30 e os 40 anos. Nessa fase da vida, as alterações hormonais de longo prazo mostram finalmente suas consequências. A principal delas, no caso do hipotireoidismo, é a falência da glândula.
O aspecto positivo da progressão lenta é que é possível descobrir a condição em tempo hábil para um tratamento mais efetivo. “A pessoa pode passar anos nesse quadro e, depois de um impacto emocional intenso, como perda do emprego ou término de casamento, o processo ser acelerado e a inflamação evoluir”, pondera Sérgio Vencio, endocrinologista.
Em idosos, os sintomas dificultam o diagnóstico. Pele seca, perda de memória, depressão, falta de energia, sensação de frio (mesmo em temperaturas amenas) e cansaço são, muitas vezes, confundidos com o próprio processo de envelhecimento. Isso faz com que a doença passe despercebida. “Além de tudo isso, no idoso o hipotireoidismo causa uma apatia ainda maior que o normal”, completa Gisah Amaral de Carvalho, presidente do Departamento de Tireoide da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem).
O problema é que o próprio envelhecimento é o culpado pela prevalência do hipotireoidismo em idosos, já que o tempo também passa para a glândula. Alguns medicamentos também afetam a tireoide e podem causar (ou acelerar) a complicação. “O hipertireoidismo é perigoso, porque há mais chances de arritimia cardíaca, aumenta a palpitação. Isso é um agravante para os idosos, porque eles já são naturalmente mais suscetíveis a problemas cardíacos”, reforça a médica.
Faça o autoexame
É possível identificar alguns sintomas iniciais de que a tireoide está com algum problema. Veja como:
Material necessário: copo com água e um espelho (se possível, de cabo).
1. Segure o espelho e procure no seu pescoço a região logo abaixo do pomo de Adão (popularmente conhecido como gogó). Sua tireoide está localizada aí.
2. Estenda a cabeça para trás para que essa região fique mais exposta. Focalize-a pelo espelho.
3. Beba um gole de água e engula.
4. Com o ato de engolir, a tiroide sobe e desce. Observe se há alguma protrusão ou nódulos na glândula. Repita o teste várias vezes até ter certeza.
5. Ao notar protrusões, procure um endocrinologista.
Fonte: Sociedade Brasiliera de Endocrinologia e Metabologia (Sbem)
Tudo controlado
A advogada Iana Ávila de Oliveira Padilha, 33 anos, convive com o hipotireoidismo há 18. Sua filha, Maria Clara Padilha Pinto, 5, também foi diagnosticada com a doença. Iana começou a notar as mudanças aos 15 anos. Ela, que sempre foi magra, passou a ganhar peso rapidamente. “Minha voz ficou mais grossa, meu cabelo começou a cair”, lembra. Na visita ao endocrinologista, vieram o diagnóstico e o começo do tratamento.
Todos os dias, Iana toma medicamentos que substituem os hormônios deficitários. A luta para permanecer no peso ideal será para a vida inteira. “Se uma pessoa normal demora uma semana para perder 1kg, por exemplo, eu demoro um mês”, compara. A alimentação é controladíssima. Fora isso, há os outros sintomas: cansaço, pés sempre suados e frios, queda de cabelos e unhas quebradiças.
O caso da pequena Maria Clara é mais brando. Ela tem um anticorpo que pode reverter o hipotireoidismo no futuro. “Desde que ela nasceu, acompanho (os hormônios) com exames de sangue, porque já tinha conhecimento que a doença afetaria o desenvolvimento dela”, comenta Iana. Há um ano e dois meses, a menina toma medicações para suprir a falta dos hormônios. “Por enquanto, não vi nenhum sintoma da doença nela. Cuido da alimentação, mas tem tudo de que uma criança gosta.”
A dona de casa Dinalva Pereira da Silva, 53 anos, descobriu o hipertireoidismo há dois anos. Ela andava muito agitada, mas colocou a culpa da energia na chegada da menopausa. Procurou um ginecologista e recebeu o diagnóstico. Além da energia extra, Dinalva notou que engasgava constantemente. Hoje, Dinalva faz tratamento e, uma vez ao ano, retorna ao médico para uma reavaliação.
O hipertireoidismo de Dinalva se apresenta com sintomas clássicos. Há épocas em que ela engorda muito, outras em que emagrece de repente. Nervosismo, ansiedade e agitação, contudo, são os sinais mais frequentes. “Na mesma hora em que estou de bem com a vida, fico em crise, com esquecimento”, detalha.