A molécula é chamada de autoindutor-2 (AI-2). Ela funciona como um sinal químico produzido na comunicação entre as bactérias e já vinha sendo estudada por outros grupos. “Uma de nossas parceiras passou muito tempo de sua carreira pesquisando e tentando compreender a comunicação bacteriana e como as diferentes espécies se comunicam e interferem umas nas outras por meio do sinal AI-2”, justifica ao Correio Jessica Thompson, coautora do estudo e pesquisadora do Instituto Gulbenkian de Ciência, em Portugal.
A cientista explica que os estudos anteriores mostraram que essa molécula poderia ajudar na regulação do número de bactérias da flora intestinal, protegendo-as de efeitos externos. No entanto, as pesquisas precisavam de dados mais concisos, que evidenciassem esses efeitos. “Esses testes olharam apenas para o que acontece in vitro (em tubos de ensaio e configurações de laboratório), mas essas condições são muito diferentes nos ambientes naturais. Muitas vezes, elas são cercadas por pressões ambientais diferentes e complexas”, destaca a autora.
Rede de auxílio
Para testar a ação do AI-2, os pesquisadores aplicaram nos animais o antibiótico estreptomicina, cujo um dos efeitos colaterais costuma ser o desequilíbrio na microbiota da flora intestinal. Os animais foram divididos em dois grupos: um deles recebeu apenas o medicamento, enquanto o outro também ganhou uma aplicação da bactéria Escherichia coli, micro-organismo conhecido por produzir AI-2 em grandes quantidades. Os cientistas observaram que os ratos que receberam a molécula por meio da E. coli tiveram os danos causados pelos antibióticos reduzidos. “Foi realmente emocionante ver que, quando incluímos as bactérias que produzem o sinal AI-2 nessa comunidade, esse desequilíbrio, ou ‘dano’, causado pelo antibiótico foi inferior”, conta Thompson.
Para Carlos Francisconi, chefe do Serviço de Gastroenterologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), a pesquisa é importante por mostrar como a população bacteriana se mantém equilibrada. “Já tínhamos um conhecimento intuitivo de que as bactérias controlam sua população, mas não sabíamos a base biológica disso. Esse estudo deixa claro que essa molécula AI-2, responsável pela conversação entre elas, serve como uma rede de auxílio de sobrevivência ecológica dentro do sistema digestivo”, afirma o especialista.
Décio Chinzon, gastroenterologista do Laboratório Exame de Brasília, também acredita que o trabalho pode auxiliar a medicina futuramente, mesmo se tratando de um trabalho experimental. “É um estudo ainda muito inicial, mas podemos ver que a busca dos cientistas é encontrar um meio de manter o equilíbrio de bactérias no nosso organismo. É algo que precisa de muitos estudos, mas, talvez, daqui a alguns anos, essa ideia possa se aplicar no desenvolvimento de medicamentos”, avalia. Chinzon também explica a ação dos antibióticos na microbiota. “O antibiótico não escolhe quem ele vai atingir, e isso faz com que ele possa destruir bactérias sensíveis, que são benéficas ao nosso corpo”, frisa.
Causa investigada
Os pesquisadores não sabem ainda por que o AI-2 protegeu as bactérias, mas levantam algumas hipóteses. “Pode haver muitas razões para isso. Nós pensamos que algumas das bactérias no intestino são detectadas ao ‘ouvir’ o AI-2 e podem responder de forma positiva, mudando de comportamento e crescendo melhor. É também possível que o sinal atue de forma negativa sobre o grupo de bactérias destruidoras das benéficas que dominariam a comunidade microbiana com a ação do antibiótico”, explica a Jessica Thompson.
A autora destaca que o estudo ainda é inicial e precisa se expandir. “Esse trabalho está em seus primeiros passos e nós precisamos fazer mais pesquisas para descobrir como as bactérias respondem a essa interferência, o que isso significa para o corpo humano e se podemos ver efeitos maiores em diferentes sistemas. Esperamos que esse sinal e outros similares ainda sejam investigados, já que isso poderia, no futuro, fornecer outra ferramenta útil para aumentar a proteção natural de bactérias que vivem dentro de nós”, prevê.
O próximo passo será desvendar minuciosamente o comportamento das bactérias. “Gostaríamos de entender exatamente o que elas produzem, como detectam e respondem ao AI-2, como isso afeta sua capacidade de crescer e qual é o impacto sobre a comunidade global e as suas funções benéficas. Também seria muito interessante ver se esse sinal realmente pode acelerar a recuperação de tratamento com antibiótico ou, talvez, influenciar a forma como estamos suscetíveis à infecção por outros patógenos bacterianos.”