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Para tentar explicar um pouco melhor o conceito, usaremos o exemplo de Mayara Leporace Haddad, 21 anos. Na época da escola, a estudante tinha um grupo de melhores amigas inseparáveis. As meninas cresceram juntas e dividiram todas as descobertas ao longo dos anos. “Ainda temos contato, mas não todos os dias, como no tempo da escola”, detalha. A internet veio como uma importante ferramenta para ajudar a manter a amizade. Depois de oito anos, todas conseguiram encontrar um espaço na agenda para relembrar as memórias da infância.
O palco do reencontro foi o Parque da Cidade, em fevereiro. “Foi como se estivéssemos sem nos ver pelo período das férias”, conta. “Lembramos todas as histórias e foi ótimo saber o rumo que a vida de cada uma tomou, quem se casou, quem teve filhos.” Embora os encontros tenham se tornado bastante esparsos, elas conseguem manter a amizade. A promessa, agora, é sacramentar os encontros a cada seis meses.
Quando foi para o ensino médio, Mayara mudou de escola e, consequentemente, de turma. As novas colegas somaram-se às antigas e, hoje, a jovem mantém dois grupos que se encontram constantemente. O convívo mais recente também facilitou o contato: cinema, barzinho ou apenas uma visita à casa das amigas estão na agenda de compromissos fixos que acontecem, no mínimo, uma vez por mês. A faculdade veio para, novamente, ampliar esse leque, mas nem a correria da “vida adulta” separou-as por completo. “Quando a ligação é mesmo verdadeira, nada importa.”
A psicóloga Karyne Lira Correia diz que é preciso levar em conta toda a experiência pessoal em relacionamentos (ou até mesmo as que observamos), além do conjunto de crenças desenvolvido ao longo da vida antes de avaliar a melhor forma de levar uma amizade. De acordo com essas duas variáveis, segundo a especialista, “é que teremos facilidade ou dificuldade nas mais diversas formas de nos relacionarmos, inclusive a distância”.
Amigos que não conseguem (ou não admitem) se desgrudar dos colegas podem estar com baixa autoestima. “Distorções cognitivas são muito comuns em pessoas com carência afetiva”, completa Karyne Correia. A professora Évellyn Santana, 23 anos, não sofre desse mal. Desde que começou a faculdade, em 2010, ela e as amigas que fez estão sempre juntas. Elas não se encontram mais diariamente, é verdade, mas o WhatsApp não as deixa perder o contato. “Todas estão sempre na minha casa, participaram da minha gravidez.” Ao todo, o grupo é formado por 10 inseparáveis.
Além da comemoração de datas importantes, as amigas organizam, religiosamente, o Natal antecipado: uma comemoração só delas que antecede a festa. Ironicamente (ou não), a amizade melhorou depois que elas pararam de se ver diariamente. “Quando nos encontrávamos todos os dias, éramos mais brigonas”, admite Évellyn. “Agora, quando nos vemos, é mais para aliviar a pressão do dia a dia.”
A psicóloga e coach Bianca Benass explica que as pessoas são seres individuais: cada um com suas carências, experiências e visões de vida. “Uma mãe, um pai ou um amigo podem exercer o mesmo estilo de relacionamento, mas a maneira como vão se conectar é única.”
Assim, a carência afetiva, ainda de acordo com Bianca Benass, tem muito a ver com o perfil da personalidade de cada um. Porém, é preciso tomar cuidado para que as cobranças não atrapalhem os relacionamentos existentes ou impeçam que novos se formem. “Cada pessoa é direcionada por um medo, por um desejo, algo que ela busca na vida a ser compensado”, explica.
Receita para ajudar um amigo carente:
- Ajude seu amigo a perceber a carência que sente. Seja assertivo e deixe claro que o comportamento está incomodando
- Deixe claro também aos amigos/parceiros que você não está no mundo para suprir as carências deles/delas, estabelecendo, assim, limites
- Não dê o reforço positivo: não satisfaça demandas oriundas desta carência, quando estas não forem razoáveis.
- Busco o autoconhecimento: a partir do momento que você percebe o que quer e o que espera para si mesmo, terá autonomia para lidar com amigos mais carentes
- Não deixe que a carência alheia contamine você: não deixe que cobranças em excesso mudem sua maneira de pensar ou de se comportar. Estabeleça seu próprio ritmo e sua rotina, sem deixar que sentimentos sufocantes interfiram em sua vida
Grude prejudicial
Leila Salomão Tardivo, psicológa e professora do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de São Paulo (USP), explica que a carência afetiva em excesso não chega a ser um quadro clínico, mas a insegurança pode ter fundo emocional mais profundo. “Quando somos crianças, é comum a segurança ser dada pelo outro, como a mãe e os professores”, enumera. Conforme a pessoa vai crescendo, contudo, precisa aprender a ficar bem sozinha. Amigos que cobram atenção e presença constantemente, segundo a especialista, devem entender que o outro é importante. O que não funciona é querer que o outro dê algo que somente o próprio indivíduo pode se dar: autoconfiança.
Depositar inseguranças nos amigos é um caminho tóxico para o relacionamento. Muitos podem não segurar a barra e debandar — uma vez que colegas muito exigentes podem acabar se tornando inconvenientes ou mesmo invasivos. “Às vezes, esse amigo pode até esnobar o outro. É uma parte da natureza humana, pode acontecer.”
Nesses casos, a relação pode permear quadros de depressão, fobias, traumas e até alguns transtornos de personalidade, ainda que isso não signifique que o excesso de carência vá desencadear esses transtornos e vice-versa. “Ela pode simplesmente ocorrer paralelamente a diferentes problemas de cunho psicológico”, frisa Karyne Lira Correia.
Se você se identificou com o perfil de amigo grudento, tenha calma, pois o primeiro passo para a mudança já foi dado. De acordo Karyne Lira Correia, uma forma de começar a trabalhar esse aspecto da própria personalidade é reconhecer o problema. “A pessoa precisa aprender diferenciar também quando o que está sentindo.” Em muitos casos, vale a máxima de procurar ajuda, seja profissional ou um ombro amigo — mas sem exageros!