A aterosclerose é causada quando o acúmulo de gordura no sangue lesiona a parede interna das artérias e causa uma resposta exagerada do sistema imunológico. As células produzidas para proteger o corpo acabam se infiltrando nas lesões arteriais, onde passam a armazenar o colesterol na forma de placas. Em vez de cicatrizar a lesão e liberar o fluxo na artéria, essas estruturas de defesa acabam endurecendo o revestimento dos vasos sanguíneos, uma condição que pode causar hipertensão e até mesmo levar ao rompimento das artérias.
O tratamento habitual para essa condição crônica é baseado em anti-inflamatórios, mas a resposta imune do organismo costuma ser resistente demais para encerrar o combate à inflamação e dar início ao processo de regeneração do tecido lesionado. Os pesquisadores resolveram atacar o problema usando um fragmento de uma proteína produzida pelas células imunes: a anexina A1, que age no processo de cicatrização após inflamações.
Colágeno
“A parte da anexina A1 que ativa o receptor da célula está incorporada no fim da proteína. Então, se fizermos uma pequena proteína ou peptídeo que inclua esse fim, ele funciona da mesma forma que a proteína inteira”, explica Ira Tabas, professor da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, e principal autor do estudo. Como o peptídeo Ac2-26 produzido a partir dessa proteína é absorvido rapidamente pelo organismo, os cientistas tiveram de encontrar uma forma de tratar as áreas lesionadas de forma contínua, sem ter de injetar grandes quantidades do medicamento no paciente.
A solução foi incorporar o componente em esferas muito pequenas, revestidas por uma molécula que se encaixa no colágeno que reveste a parede interna dos vasos sanguíneos. A cobertura ajuda a nanoesfera a se fixar no local das lesões causadas pelas placas de gordura e liberar o peptídeo gradualmente para estabilizar a reação imune que causa a aterosclerose.
“As nanopartículas podem andar no sangue até que acabem presas nas placas aterosclerosas. Elas têm uma camada protetora na forma de um polímero hidrofílico que as ajuda a circular por mais tempo e as protege das células do sistema imune enquanto for possível”, descreve Nazila Kamaly, pesquisadora da Escola de Medicina de Harvard e também participante do estudo. O medicamento é feito de materiais biodegradáveis, que são completamente absorvidos pelo organismo em alguns dias.
Estabilidade
O modelo foi testado em ratos que sofriam da condição crônica. As cobaias receberam injeções carregadas com as nanopartículas uma vez por semana. Depois de cinco doses do tratamento, os acúmulos de gordura formados nas artérias dos animais diminuíram e se tornaram mais estáveis — em casos graves da aterosclerose, as placas podem se romper e circular pelo sangue, causando infarto ou derrame.
Os pesquisadores ressaltam que ainda não compreendem completamente o mecanismo que leva as nanoesferas a remodelar as placas de gordura, mas ressaltam que os resultados positivos são claros. “Esta é a primeira vez que observamos uma melhora das características da aterosclerose usando esse tipo de nanomedicina. Esses resultados, altamente relevantes, são muito animadores e abrem caminho para o desenvolvimento de novas terapias para a aterosclerose”, anima-se Kamaly.
Especialistas analisam que a intervenção localizada das nanopartículas pode representar uma solução para o problemático tratamento da aterosclerose. Como é uma doença crônica, a condição exige terapia contínua, que pode interferir nos processos regulatórios naturais do organismo a longo prazo. “Curiosamente, em vez de ser imunossupressora, essa solução também é protetora”, ressalta, em um artigo publicado também na revista Science Translational Medicine, Oliver Soehnlein, integrante do Centro Alemão de Pesquisa Cardiovascular.
Soehnlein reforça ainda em sua análise que a nova pesquisa pode mudar a forma como a doença crônica é tratada. “A eficácia impressionante do peptídeo Ac2-26 em inibir os estágios iniciais e avançados da aterosclerose levanta a questão quanto ao fato de que terapias como essa são melhores para tratar a doença do que as anti-inflamatórias (hoje disponíveis)”, ressalta o especialista.
Conjunto de intervenções
Geralmente, o tratamento envolve o controle de complicações que estão ligadas à aterosclerose: hipertensão, diabetes e/ou taxas altas de colesterol. Há, ainda, a prescrição de medicamentos para reduzir as placas de gordura nas artérias. Em casos mais graves, o médico pode recorrer a cirurgia. Os procedimentos mais comuns são angioplastia e colocação de stent, chamada de intervenção coronariana percutânea; e cirurgia de revascularização.
"Esta é a primeira vez que observamos uma melhora das características da aterosclerose usando esse tipo de nanomedicina. Esses resultados, altamente relevantes, são muito animadores e abrem o caminho para o desenvolvimento de novas terapias” - Nazila Kamaly, pesquisadora da Escola de Medicina de Harvard