Saúde

Se amendoim causa alergia, dê logo ao bebê

A recomendação é de pesquisadores dos EUA. Ao oferecer amendoim a crianças com até 11 meses e alto risco de reagir mal ao alimento, eles reduziram as chances de desenvolvimento do problema em 81%

Bruna Sensêve

Carolina e Samuel controlam as doses dos alimentos que causam alergia em Pedro, de 1 ano
Tudo o que um bebê vê pela frente, intuitivamente, vai parar na boca. Ele age como se quisesse conferir características de gosto e textura além das percebidas pelas pontas dos dedos. O que os antigos dizem ser bom para desenvolver a imunidade deixa as mães de primeira viagem em pânico. Entre os especialistas, a recomendação para o caso gira em torno das alergias. Bebês com risco de desenvolver o problema devem ficar longe do alimento ameaçador durante toda a primeira infância e, só depois, experimentar a inserção controlada, recomendam as sociedades médicas. Um novo trabalho do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (Niaid) dos Estados Unidos, porém, traz nova e polêmica orientação: o melhor é deixar rolar.


A pesquisa — publicada na renomada revista científica New England Journal of Medicine e apresentada no fim deste mês na reunião anual da Academia Americana de Alergia, Asma e Imunologia, em Los Angeles — tem potencial para mudar alguns paradigmas. Segundo a equipe liderada por Gideon Lack, do Kings College London, o consumo de um alimento na infância pode prevenir a alergia a ele. Os resultados do experimento envolvendo cerca de 600 crianças com quatro a 11 meses de idade e alto risco de desenvolver alergia foram surpreendentes. A introdução de produtos de amendoim na dieta delas, além de segura, levou à redução de 81% no posterior desenvolvimento do problema.

O trabalho, intitulado “Aprendizagem precoce sobre alergia ao amendoim” (Leap), baseou-se em observações de que as crianças israelenses apresentam menores taxas de alergia ao amendoim em comparação às judias, de ascendência semelhante, mas que residem no Reino Unido. A proposta focou no fato de que, diferentemente dos pequenos no Reino Unido, os israelitas começaram a consumir alimentos com amendoim no início da vida.

Os bebês foram divididos em dois grupos, de acordo com a estratégia para prevenir o problema: o consumo de pelo menos 6g por semana ou a retirada do amendoim da dieta. Segundo Lack, eles excluíram as crianças que mostraram cedo fortes sinais de reação alérgica. “A segurança e a eficácia do consumo precoce nesse grupo permanecem desconhecidas e requerem um estudo mais aprofundado”, justifica o pesquisador. As crianças foram monitoradas até completarem 5 anos, e houve redução total de 81% de alergia ao amendoim nas que começaram cedo o consumo contínuo do alimento em comparação às que o evitaram completamente.

Até 2008, diretrizes de prática clínica em todo o mundo recomendam evitar alimentos potencialmente alergênicos na dieta de crianças em situação de risco aumentado. Hoje, pode-se fazer a partir dos 2 anos. Segundo Daniel Rotrosen, diretor da Divisão de Alergia, Imunologia e Transplante do Niaid, todos os estudos recentes, até o Leap, não mostram benefício com a opção de evitar o alergênico. “O Leap é o primeiro a mostrar que a introdução precoce do amendoim na dieta é realmente benéfica e identifica uma abordagem eficaz para gerenciar um grave problema de saúde pública”, pondera.
Clique na imagem para ampliá-la e saiba mais

Experimentação permitida
A alergologista Ariana Campos Yang, do Hospital das Clínicas de São Paulo, esteve no encontro internacional e acompanhou a repercussão dos resultados do trabalho de Lack. “Nos Estados Unidos, é comum, na tentativa de prevenir a alergia, os pediatras indicarem a inserção dos alimentos mais alergênicos um pouco mais tarde, após a criança ter completado 2 ou 3 anos. Essa é uma recomendação da Academia Americana de Pediatria”, conta.

Um dos fatores de risco para o desenvolvimento do problema é a herança alérgica de um dos lados da família. Yang explica que, nesse contexto, há médicos que acham importante estudar os benefícios ou os malefícios da introdução tardia. “Eles mostram que é melhor que esse alimento faça parte da dieta, estimulando a tolerância em detrimento da reação alérgica. Quando se introduz mais tarde, aumentam-se as chances da alergia.”

Os dados apresentados no novo estudo não surpreendem a médica, que trabalha há anos com a dessensibilização de pacientes altamente alérgicos a alimentos (Leia Para saber mais). “Vira um conhecimento intuitivo. O meu estudo é para pacientes que já são alérgicos, e, vendo minha prática, é possível pensar que isso aconteceria. Se é alérgico, o contato pode promover a cura; se não é, promove a prevenção”, diz a alergologista do Hospital das Clínicas de São Paulo.


Inspirado nas vacinas
A primeira tentativa de “curar” pessoas com alergias alimentares severas aconteceu há cerca de 100 anos. Os pesquisadores aplicaram, nos pacientes, o mesmo princípio de uma vacina, com doses menores e intravenosas do agente causador do problema. A reação do organismo dos voluntários foi dramática, e a ideia, abandonada pela comunidade médica por um longo período. A questão virou quase um tabu. Ninguém mais falava em fazer vacina para rinite, asma ou era ao menos cogitado buscar uma terapia para a alergia alimentar.

Até que surgiu um novo trabalho em 1984 de um grupo de pesquisadores italianos. Ele se mostrou eficaz em 73% dos pacientes tratados. A técnica de Ariana Yang é parecida. Em 12 a 15 sessões de imunoterapia oral, são ministradas doses crescentes de um extrato do agente causador da alergia. Inicialmente, é pesquisado um histórico clínico com exames que possam garantir que o paciente permanece alérgico. Com a confirmação, um teste cutâneo busca o end point, isto é, a concentração na qual o corpo da pessoa vai tolerar o alimento sem ter qualquer reação. A partir desse limiar, é produzido o extrato diluído, que tem a concentração aumentada a cada sessão até que o paciente aceite a quantidade total.

Dieta deve ser acompanhada
A alergia alimentar faz parte da rotina da família de Pedro Costa Ferreira Feliciano, de 1 ano e meio, desde os nove meses de idade, quando ele começou a se alimentar com opções além do leite materno. A professora universitária Carolina Costa Ferreira, 33 anos, percebeu pequenas reações cutâneas causadas pela presença de glúten e uma vermelhidão quando o filho consumia leite de vaca. “Por orientação da nutricionista, retiramos esses alimentos durante 30 dias completamente. Voltamos aos poucos com uma quantidade mínima de cada coisa. Quando ele teve uma nova reação, retiramos mais uma vez”, conta a mãe. As idas e vindas tendem a durar mais alguns meses. “Soube que as alergias são muito comuns até os 2 anos”, diz Carolina.

Os pratos de toda a casa foram readaptados. Em vez do pão, tapioca. Do leite de vaca, o vegetal. O histórico familiar, no caso de Pedro, é bastante latente. Uma tia é celíaca e o pai, Samuel Martins Feliciano, também teve alergias quando era bebê. A nutricionista Raquel Ferreira ressalta que é essencial que a família procure orientação profissional assim que perceber sintomas de alergia alimentar, pois há o risco de que a privação não orientada de um alimento resulte na perda de nutrientes importantes, como o cálcio e a proteína contidos no leite de vaca.

Segundo a nutricionista, os alimentos mais alergênicos são ovo, leite e derivados, trigo (glúten), castanhas, frutos do mar e crustáceos. Ela alerta que a inserção deles sempre deve ser feita com cuidado e atenção para qualquer sintoma. Uma dica importante trata justamente do momento dessa experimentação. Diferentemente do que é pensado, a melhor fase é durante a amamentação.

“A linha de pesquisa mais recente é aproveitar esse momento. Introduzir a alimentação com 6 meses, mantendo o leite materno, que tem um fator importante de proteção”, explica Ferreira. O leite materno teria a função de passar os anticorpos e outras substâncias capazes de combater reações alérgicas menores. Nos casos em que a amamentação não é possível, a orientação muda. “Pensamos que esses alimentos mais alergênicos devem ser introduzidos só depois de um ano de vida”, diz Raquel Ferreira.