Na próxima quarta-feira (04/03), o humorista Danilo Gentili vai se encontrar com Michele Maximino que teve sua vida virada de cabeça para baixo após o apresentador ironizar o recorde solidário alcançado em 2013 pela mãe de Gabriel, 4 anos, e Mariana, 2: a técnica em enfermagem doou 417 litros de leite materno em 11 meses e bateu uma meta mundial. Para quem não sabe, a Organização Mundial de Saúde (OMS) classifica o leite materno como o principal alimento dos bebês até 6 meses de idade e, inclusive, recomenda que o alimento produzido pelo corpo feminino seja o único consumido pelas crianças nessa idade. A OMS afirma ainda que o aleitamento materno é benéfico para o desenvolvimento saudável de meninos e meninas até os 2 anos (ou mais).
A audiência que vai colocar o apresentador cara a cara com a mulher que representa milhares de mães que lutam para superar os obstáculos da amamentação na vida moderna acontecerá no Fórum de Olinda, em Pernambuco, às 13h. A família de Michele espera o apoio de grupos feministas e coletivos de mulheres que vão organizar um ‘Mamaço’ para sensibilizar não apenas a justiça, mas também a sociedade brasileira que cada vez mais tem afastado mães do ato natural de alimentar os próprios filhos seja por repreender o aleitamento em locais públicos, seja por dar conotação sexual ao ato de amor, seja por censurar/denunciar fotos de amamentação em redes sociais e, no caso de Gentili, por fazer piada com assunto que envolve a saúde das novas gerações. No Brasil, a média brasileira de aleitamento materno exclusivo é de apenas 54 dias. Leia mais aqui.
Para quem não se lembra, já que Michele Maximino conseguiu via liminar que o vídeo do programa exibido em 3 de outubro de 2013 pela Band fosse excluído da internet, o apresentador do ‘Agora É Tarde’ comparou o leite materno ao esperma de um ator de filme pornográfico, ironizou o tamanho dos seios de Michele e, por 1 minuto e 40 segundos, fez piadas com o recorde alcançado por ela. A família, que não assistia ao programa, teve conhecimento do vídeo no dia seguinte quando uma aluna de Ederval Trajano, que é professor de História, marido e pai dos filhos de Michele, o alertou. “No início, eu tentei esconder de Michele, mas foi impossível, toda a cidade tomou conhecimento”, relata ele.
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A repercussão tomou uma proporção tão desmedida que a família precisou se mudar de Quipapá, cidade de 25 mil habitantes em Pernambuco onde moravam, para que Michele pudesse superar o quadro de depressão da qual foi vítima após a exibição do programa. “Recebemos o apoio de alguns moradores, mas a minoria que criticava incomodava muito mais que as pessoas de bem. Muitos fãs do Danilo Gentili telefonavam durante a madrugada para a nossa casa, chamando minha mulher de vaca, ou de interesseira que queria ganhar dinheiro. Ouvíamos coisas como ‘quero mamar’, ‘quero leite direto da fonte’. São pessoas que gostam desse tipo de humor que, para mim, é ofensa verbal, bullying”, declara Ederval Trajano. Michele Maximino move um processo por danos morais contra Gentili que nunca pediu desculpas e parece não se preocupar com o processo. Veja post recente do apresentador em férias que atualmente está no SBT no comando do programa 'The Noite':
A chacota e ofensas verbais diárias também fizeram com que o leite materno do seio esquerdo de Michele secasse, prejudicaram o aleitamento da pequena Mariana, na época com 1 ano, e a carreira de Ederval que nas redes sociais teve que lidar com os próprios alunos que “brincavam” com a história. “Na época, a produção de leite diminuiu muito, mal dava para amamentar nossa filha”, relembra o pai da garotinha.
“Ela ficava sem dormir, passava à noite se interrogando, se culpando, não saía de casa. A gente andava na rua, as pessoas apontavam e riam. A única solução era mudar de cidade”, conta Ederval. Atualmente a família mora numa cidade de 600 mil habitantes, Jaboatão dos Guararapes, na região metropolitana da capital.
A ideia de doar leite materno surgiu após Mariana nascer prematura de 7 meses e precisar lutar pela vida em uma UTI neonatal. Michele e Ederval passaram a conviver com recém-nascidos entre a vida e a morte, que precisavam do alimento, mas que em muitos casos não tinham seja pelo falecimento da mãe ou pela falta de produção de leite de algumas mulheres.
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“A Michele tirou 700 ml de colostro. Ela amamentava a Mariana e fornecia o alimento para as outras crianças que estavam na UTI. A previsão de alta para nossa filha era de 50 dias, mas com 17 dias, pela abundância de colostro e leite, ela se recuperou. Foi aí que a gente sentiu e percebeu a importância do leite materno e prometemos que, a qualquer custo, seríamos doadores, queríamos contribuir para salvar a vida de outras crianças”, afirma o professor de História.
E assim foi feito. Por onze meses, Michele ordenhava cinco vezes ao dia e armazenava o líquido na geladeira da família. “A geladeira ficava lotada rapidamente. Eu pegava o leite, colocava em uma caixa térmica e viajava até Caruaru, que fica a 80 km de Quipapá. Eu fazia esse percurso três vezes por semana”, relata Ederval. Na cidade onde a família morava não havia banco de leite e por isso esse deslocamento era necessário.
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Ele conta ainda que a família não consegue se adaptar à cidade grande por causa do trânsito, da poluição e da violência. “Estamos avaliando a possibilidade de voltar para o interior de novo”, diz. A expectativa de Ederval e Michele é que a justiça fique ao lado deles. “Se caso a gente ganhar, parte da indenização irá para os bancos de leite de Pernambuco. Queremos que as pessoas entendam o quão importante o leite materno é para a recuperação de recém-nascidos. Essa é a nossa luta e vamos continuar levantando essa bandeira. Não é preciso que um filho morra para que abracemos uma causa”, completa.
Superação
Na última semana, após Michele tomar uma vitamina de macaíba com banana, o seio direito dela começou a produzir leite que não apenas dava para amamentar Mariana, como excedia. “Ligamos para um banco de leite da cidade e retomamos a doação. Estamos novamente abraçando essa causa”, revela Ederval.
O pai de Gabriel e Mariana diz que a história de sua família pode ajudar na reflexão sobre os limites do humor. “Ninguém pode ser blindado alegando liberdade de expressão para manchar a imagem de uma pessoa e depois alegar que é piada. Tivemos uma mudança de vida muito grande a partir da piada dele e queremos que ele pense duas vezes antes de atingir outras mulheres no Brasil”, revela Ederval.
Michele ainda evita conversar com a imprensa para não reviver tudo o que passou, ela diz que está muito ansiosa com a audiência, mas confiante: “a justiça será feita e a solidariedade humana vai vencer a estupidez”.
Para as mães que sonham em amamentar, mas que estão passando por alguma dificuldade, a recordista mundial em doação de leite manda um recado: “É difícil no começo, às vezes dói, mas não desista. É possível superar os problemas e vivenciar o prazer da amamentação, de um gesto de amor tão bonito”.