Descoberta precoce é fundamental para proporcionar qualidade de vida a quem sofre de doença rara

Os desafios das doenças raras Desconhecimento da comunidade médica e sintomas que se confundem com outras enfermidades podem dificultar diagnóstico. Sete mil moléstias deste tipo já foram identificadas

por Márcia Maria Cruz 27/02/2015 14:27

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

RECOMENDAR PARA:

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

CORREÇÃO:

Preencha todos os campos.
O diagnóstico correto e rápido é fundamental para dar qualidade de vida a milhares de pessoas acometidas por doenças raras, que, em geral, não têm cura e resultam em sequelas incapacitantes se não forem tratadas precocemente. Em todo o mundo, a quarta semana deste mês é dedicada às campanhas de esclarecimento sobre o que são, como diagnosticar e tratar essas enfermidades. “A definição varia de país para país, mas todas se baseiam na frequência dessas doenças”, afirma a professora-adjunta do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Ida Vanessa Schawrtz. Amanhã, 28 de fevereiro, celebra-se o Dia Mundial das Doenças Raras.

No Brasil, o Ministério da Saúde criou em 12 de fevereiro do ano passado a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, mas, na avaliação da especialista, a rede de tratamento não está distribuída de forma equilibrada em todo o país. A maior parte dos hospitais de referência estão no Sudeste, Sul e em Brasília. A classificação oficial brasileira considera rara a doença que afeta até 65 pessoas em cada 100 mil indivíduos.
EM/D.A Press
"É uma falta de capacitação dos profissionais de saúde. Pela baixa incidência, esse tipo de condição é esquecida. Muitos médicos nunca ouviram falar" - Ida Vanessa Schawrtz, professora-adjunta do Instituto de Biociências da UFRGS (foto: EM/D.A Press)

Embora algumas doenças atinjam um número relativamente reduzido de pacientes, no conjunto, as doenças raras atingem um número expressivo de pacientes. Cerca de 350 milhões de pessoas, quase 5% da população mundial, convivem com uma doença rara. Já foram identificadas 7 mil doenças raras, sendo que 80% têm causas genéticas. Crônicas, muitas podem levar à morte e podem se esconder por trás de sintomas de enfermidades mais comuns, tornando o diagnóstico extremamente desafiador e muitas vezes equivocado.

Conviver com uma doença rara pode mudar muito a vida de uma pessoa, pois inclui severas demandas físicas e práticas, além de intensos altos e baixos emocionais. Há um mito que os tratamentos são muito caros, embora haja casos em que medicamentos podem custar R$ 300 mil por ano, como os que tratam a doença de Gaucher. Na maioria das situações, os problemas podem ser resolvidos com medidas simples. É o caso da acidúria metilmalônica, cujo tratamento é feito com a injeção de vitamina B12. “A nossa visão de tratamento é mais ampla e inclui a reabilitação, com fisioterapia e fonoaudiologia. A maioria das doenças raras pode ser tratada com essas medidas”, pondera Ida Schawrtz.

Se não tratadas, as doenças podem resultar em deformações e reduzir a qualidade de vida do acometido. Algumas doenças causam dores nos osso. É o caso da doença de Gaucher, que também leva ao aumento do fígado, baço e sangramento. As síndromes podem causar deficiência cognitiva, como é o caso da síndrome do x frágil. Também é comum que os pacientes tenha problema de crescimento, apresentando baixa estatura, como são os casos da condroplasia e as mucopolissacaridoses (veja quadro).

TESTE DO PEZINHO
Os pais vivem um périplo para identificar o problema dos filhos. Muitas famílias levam até cinco anos para receberem o diagnóstico correto, antes de passarem por diversos especialistas até terem certeza do que se trata. Estima-se que 40% dos pacientes com doenças raras receberam um resultado equivocado pelo menos uma vez. O tempo médio, desde o início dos sintomas até um diagnóstico preciso, é de aproximadamente 4,8 anos.

A demora no diagnóstico preciso pode postergar o tratamento adequado a doença, que tende a se agravar. A identificação tardia também pode levar a intervenções médicas inadequadas, tais como cirurgia, uso de medicamentos e tratamento psicológico. Os especialistas lembram que tanto pacientes quanto médicos e o público em geral têm um conhecimento limitado dos sinais e sintomas de uma doença rara.

A demora em descobrir o problema deve-se, muitas vezes, aos sintomas que se confundem com outras doenças e também à falta de capacitação dos profissionais de saúde. Ida Schawrtz ressalta que muitos médicos nunca ouviram falar de algumas doenças. Uma das causas é a ausência nos cursos de medicina de uma disciplina de genética clínica. Cerca de 80% das doenças raras são resultadas de anomalias nos genes. “É uma falta de capacitação dos profissionais de saúde. Pela baixa incidência, esse tipo de condição é esquecida. Muitos médicos nunca ouviram falar”, ressalta.

Uma das lutas das associações de familiares e portadores de doenças e raras é que um número maior de enfermidades deste tipo venham a fazer parte do teste do pezinho. Atualmente, é ofertado de maneira universal na rede pública e inclui seis doenças, sendo que quatro delas são consideradas raras: fenilcetonúria, fibrose cística, deficiência de biotinidase e hiperplasia adrenal congênita. De acordo com Ida Schwrtz, o teste poderia incluir outras 30 doenças raras. “A inclusão não ocorre não é apenas por uma questão de custos. É por uma falta de consenso”, diz. Segundo a especialista, a inclusão implicaria em uma demanda para ampliação da rede de atendimento aos portadores.

ALGUNS EXEMPLOS


» SÍNDROME DE HUNTER

O que é?
A síndrome de Hunter ou mucopolissacaridose tipo II (MPS II) atinge principalmente as pessoas do sexo masculino. É causada pela deficiência da enzima iduronato-2-sulfatase. A doença interfere na capacidade do organismo de quebrar e reciclar substâncias conhecidas como mucopolissacarídeos ou glicosaminoglicanos (GAGs) no lisossomo, resultando em disfunção orgânica multissistêmica. À medida que os GAGs se acumulam nas células de todo o corpo, os sinais da síndrome de Hunter tornam-se mais visíveis.

Sintomas
Alterações faciais, cabeça com volume maior, abdômen aumentado, perda auditiva, comprometimento das valvas cardíacas e da função cardíaca, obstrução das vias respiratórias, apneia do sono, aumento do fígado e do baço. Pode ainda afetar a mobilidade pelo acúmulo de GAGs nas articulações (as “juntas”). Na maioria dos casos, há comprometimento do Sistema Nervoso Central (SNC).

Diagnóstico
Existem dois métodos disponíveis para diagnosticar a síndrome de Hunter. O primeiro e mais utilizado é um exame de urina para investigar os níveis dos glicosaminoglicanos (GAGs). Este é apenas o primeiro passo na investigação da doença. A confirmação exata da síndrome só é feita com um teste para medir a atividade enzimática a partir do sangue ou da pele do paciente.

Tratamento
A terapia que trata a causa da doença, a falta da enzima I2S, está aprovada em diversos países. A terapia de reposição enzimática (TRE) é uma abordagem para o tratamento da síndrome de Hunter, a qual envolve a reposição da enzima deficiente por infusões intravenosas em pessoas acometidas pela doença.

» DOENÇA DE FABRY

O que é?
É causada pela deficiência ou ausência da enzima alfa-galactosidade, responsável pela decomposição de algumas gorduras no corpo1. As substâncias não degradadas se acumulam no organismo do paciente e causam diversos sinais e sintomas. Caso o paciente permaneça sem tratamento, órgãos vitais como rim, coração e cérebro começam a apresentar problemas, com consequências geralmente graves e, em alguns casos, fatais.

Sintomas
Por atingir vários órgãos, o diagnóstico exige um criterioso exame do paciente. O diagnóstico correto é dificultado porque os pacientes podem apresentar vários sintomas inespecíficos de grau variável, como dor intensa e ardente nas mãos e nos pés, intolerância ao calor, manchas avermelhadas na pele, queixas gastrintestinais, perda auditiva, alterações oculares, disfunção cardiovascular e insuficiência renal.

Diagnóstico
A doença de Fabry é um doença de origem genética. Portanto, confirmado um caso, é importante que toda a família seja examinada, pois pode haver outras pessoas afetadas. Embora muitos pacientes sejam diagnosticados na idade adulta, é importante ressaltar que o acúmulo do lipídeo decorrente da falta da enzima está presente desde o nascimento. Algumas perguntas que podem auxiliar no diagnóstico da doença de Fabry: apresenta dores nas mãos e pés semelhantes a uma queimação e ou formigamento? Quando criança, foi diagnosticado com dores do crescimento? Evita realizar exercícios físicos, pois não tolera calor? Há ausência ou redução de suor? Apresenta diarreia alternando com constipação?

Tratamento
É baseado no tratamento dos sinais e sintomas por diferentes especialidades médicas e na reposição da enzima alfa-galactosidase A modalidade é denominada Terapia de Reposição Enzimática (TRE).

» FIBROSE PULMONAR IDIOPÁTICA


O que é?
Fibrose pulmonar envolve a cicatrização do pulmão. Gradualmente, os sacos de ar (alvéolos) dos pulmões tornam-se substituídos por fibrose. Quando a cicatriz se forma, os alvéolos, por onde passa o sangue para receber o oxigênio, são perdidos, levando a uma perda irreversível na capacidade dos pulmões em transferir oxigênio para a corrente sanguínea. A queda de oxigênio se acentua com o esforço, causando falta de ar aos exercícios. No Brasil, a fibrose pulmonar idiopática afeta de 30 mil a 50 mil.

Diagnóstico
A confirmação da FPI deve ser feita por meio do exame de tomografia computadorizada de alta resolução, no qual achados radiológicos como vidro fosco, faveolamento e heterogenicidade associados a perda de volume do tecido pulmonar fica mais evidente.

Tratamento
A origem da FPI é ainda desconhecida. Dentre os fatores associados ao desenvolvimento da doença estão o tabagismo, exposição prolongada a contaminantes ambientais, infecções pulmonares virais ou bacterianas e predisposição genética.