No Brasil, o Ministério da Saúde criou em 12 de fevereiro do ano passado a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, mas, na avaliação da especialista, a rede de tratamento não está distribuída de forma equilibrada em todo o país. A maior parte dos hospitais de referência estão no Sudeste, Sul e em Brasília. A classificação oficial brasileira considera rara a doença que afeta até 65 pessoas em cada 100 mil indivíduos.
Embora algumas doenças atinjam um número relativamente reduzido de pacientes, no conjunto, as doenças raras atingem um número expressivo de pacientes. Cerca de 350 milhões de pessoas, quase 5% da população mundial, convivem com uma doença rara. Já foram identificadas 7 mil doenças raras, sendo que 80% têm causas genéticas. Crônicas, muitas podem levar à morte e podem se esconder por trás de sintomas de enfermidades mais comuns, tornando o diagnóstico extremamente desafiador e muitas vezes equivocado.
Conviver com uma doença rara pode mudar muito a vida de uma pessoa, pois inclui severas demandas físicas e práticas, além de intensos altos e baixos emocionais. Há um mito que os tratamentos são muito caros, embora haja casos em que medicamentos podem custar R$ 300 mil por ano, como os que tratam a doença de Gaucher. Na maioria das situações, os problemas podem ser resolvidos com medidas simples. É o caso da acidúria metilmalônica, cujo tratamento é feito com a injeção de vitamina B12. “A nossa visão de tratamento é mais ampla e inclui a reabilitação, com fisioterapia e fonoaudiologia. A maioria das doenças raras pode ser tratada com essas medidas”, pondera Ida Schawrtz.
Se não tratadas, as doenças podem resultar em deformações e reduzir a qualidade de vida do acometido. Algumas doenças causam dores nos osso. É o caso da doença de Gaucher, que também leva ao aumento do fígado, baço e sangramento. As síndromes podem causar deficiência cognitiva, como é o caso da síndrome do x frágil. Também é comum que os pacientes tenha problema de crescimento, apresentando baixa estatura, como são os casos da condroplasia e as mucopolissacaridoses (veja quadro).
TESTE DO PEZINHO
Os pais vivem um périplo para identificar o problema dos filhos. Muitas famílias levam até cinco anos para receberem o diagnóstico correto, antes de passarem por diversos especialistas até terem certeza do que se trata. Estima-se que 40% dos pacientes com doenças raras receberam um resultado equivocado pelo menos uma vez. O tempo médio, desde o início dos sintomas até um diagnóstico preciso, é de aproximadamente 4,8 anos.
A demora no diagnóstico preciso pode postergar o tratamento adequado a doença, que tende a se agravar. A identificação tardia também pode levar a intervenções médicas inadequadas, tais como cirurgia, uso de medicamentos e tratamento psicológico. Os especialistas lembram que tanto pacientes quanto médicos e o público em geral têm um conhecimento limitado dos sinais e sintomas de uma doença rara.
A demora em descobrir o problema deve-se, muitas vezes, aos sintomas que se confundem com outras doenças e também à falta de capacitação dos profissionais de saúde. Ida Schawrtz ressalta que muitos médicos nunca ouviram falar de algumas doenças. Uma das causas é a ausência nos cursos de medicina de uma disciplina de genética clínica. Cerca de 80% das doenças raras são resultadas de anomalias nos genes. “É uma falta de capacitação dos profissionais de saúde. Pela baixa incidência, esse tipo de condição é esquecida. Muitos médicos nunca ouviram falar”, ressalta.
Uma das lutas das associações de familiares e portadores de doenças e raras é que um número maior de enfermidades deste tipo venham a fazer parte do teste do pezinho. Atualmente, é ofertado de maneira universal na rede pública e inclui seis doenças, sendo que quatro delas são consideradas raras: fenilcetonúria, fibrose cística, deficiência de biotinidase e hiperplasia adrenal congênita. De acordo com Ida Schwrtz, o teste poderia incluir outras 30 doenças raras. “A inclusão não ocorre não é apenas por uma questão de custos. É por uma falta de consenso”, diz. Segundo a especialista, a inclusão implicaria em uma demanda para ampliação da rede de atendimento aos portadores.
ALGUNS EXEMPLOS
» SÍNDROME DE HUNTER
O que é?
A síndrome de Hunter ou mucopolissacaridose tipo II (MPS II) atinge principalmente as pessoas do sexo masculino. É causada pela deficiência da enzima iduronato-2-sulfatase. A doença interfere na capacidade do organismo de quebrar e reciclar substâncias conhecidas como mucopolissacarídeos ou glicosaminoglicanos (GAGs) no lisossomo, resultando em disfunção orgânica multissistêmica. À medida que os GAGs se acumulam nas células de todo o corpo, os sinais da síndrome de Hunter tornam-se mais visíveis.
Sintomas
Alterações faciais, cabeça com volume maior, abdômen aumentado, perda auditiva, comprometimento das valvas cardíacas e da função cardíaca, obstrução das vias respiratórias, apneia do sono, aumento do fígado e do baço. Pode ainda afetar a mobilidade pelo acúmulo de GAGs nas articulações (as “juntas”). Na maioria dos casos, há comprometimento do Sistema Nervoso Central (SNC).
Diagnóstico
Existem dois métodos disponíveis para diagnosticar a síndrome de Hunter. O primeiro e mais utilizado é um exame de urina para investigar os níveis dos glicosaminoglicanos (GAGs). Este é apenas o primeiro passo na investigação da doença. A confirmação exata da síndrome só é feita com um teste para medir a atividade enzimática a partir do sangue ou da pele do paciente.
Tratamento
A terapia que trata a causa da doença, a falta da enzima I2S, está aprovada em diversos países. A terapia de reposição enzimática (TRE) é uma abordagem para o tratamento da síndrome de Hunter, a qual envolve a reposição da enzima deficiente por infusões intravenosas em pessoas acometidas pela doença.
» DOENÇA DE FABRY
O que é?
É causada pela deficiência ou ausência da enzima alfa-galactosidade, responsável pela decomposição de algumas gorduras no corpo1. As substâncias não degradadas se acumulam no organismo do paciente e causam diversos sinais e sintomas. Caso o paciente permaneça sem tratamento, órgãos vitais como rim, coração e cérebro começam a apresentar problemas, com consequências geralmente graves e, em alguns casos, fatais.
Sintomas
Por atingir vários órgãos, o diagnóstico exige um criterioso exame do paciente. O diagnóstico correto é dificultado porque os pacientes podem apresentar vários sintomas inespecíficos de grau variável, como dor intensa e ardente nas mãos e nos pés, intolerância ao calor, manchas avermelhadas na pele, queixas gastrintestinais, perda auditiva, alterações oculares, disfunção cardiovascular e insuficiência renal.
Diagnóstico
A doença de Fabry é um doença de origem genética. Portanto, confirmado um caso, é importante que toda a família seja examinada, pois pode haver outras pessoas afetadas. Embora muitos pacientes sejam diagnosticados na idade adulta, é importante ressaltar que o acúmulo do lipídeo decorrente da falta da enzima está presente desde o nascimento. Algumas perguntas que podem auxiliar no diagnóstico da doença de Fabry: apresenta dores nas mãos e pés semelhantes a uma queimação e ou formigamento? Quando criança, foi diagnosticado com dores do crescimento? Evita realizar exercícios físicos, pois não tolera calor? Há ausência ou redução de suor? Apresenta diarreia alternando com constipação?
Tratamento
É baseado no tratamento dos sinais e sintomas por diferentes especialidades médicas e na reposição da enzima alfa-galactosidase A modalidade é denominada Terapia de Reposição Enzimática (TRE).
» FIBROSE PULMONAR IDIOPÁTICA
O que é?
Fibrose pulmonar envolve a cicatrização do pulmão. Gradualmente, os sacos de ar (alvéolos) dos pulmões tornam-se substituídos por fibrose. Quando a cicatriz se forma, os alvéolos, por onde passa o sangue para receber o oxigênio, são perdidos, levando a uma perda irreversível na capacidade dos pulmões em transferir oxigênio para a corrente sanguínea. A queda de oxigênio se acentua com o esforço, causando falta de ar aos exercícios. No Brasil, a fibrose pulmonar idiopática afeta de 30 mil a 50 mil.
Diagnóstico
A confirmação da FPI deve ser feita por meio do exame de tomografia computadorizada de alta resolução, no qual achados radiológicos como vidro fosco, faveolamento e heterogenicidade associados a perda de volume do tecido pulmonar fica mais evidente.
Tratamento
A origem da FPI é ainda desconhecida. Dentre os fatores associados ao desenvolvimento da doença estão o tabagismo, exposição prolongada a contaminantes ambientais, infecções pulmonares virais ou bacterianas e predisposição genética.