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Os autores citam grandes estudos epidemiológicos — aqueles que analisam condições e determinantes da saúde populacional — para mostrar que o coração feminino continua preterido, embora, hoje, a proporção de mulheres e homens em todo o mundo seja igual. O impacto clínico é enorme, avalia Harlan Krumholz, professor da Faculdade de Medicina e Saúde Pública da Universidade de Yale e editor da publicação. “A consequência é a falta de informações importantíssimas: a mulher reage diferentemente do homem às doenças do coração? Nossos métodos de diagnóstico funcionam tão bem para mulheres como para os homens? Qual é a resposta delas para os tratamentos?”, indaga.
Lázaro Miranda, coordenador de Cardiologia do Hospital Santa Lúcia, de Brasília, lembra que, até a década de 1980, apenas 10% dos participantes dos grandes ensaios clínicos eram mulheres. “Hoje, nos bons trabalhos, elas estão representadas em 20%. Ainda abaixo do ideal, que seria a metade”, afirma. O médico explica que, dessa forma, perde-se a oportunidade de compreender melhor a relação das doenças coronarianas e as particularidades do organismo feminino.
O cardiologista cita o programa de pesquisas Women’s Health Initiative (WHI, sigla em inglês), dos Institutos de Saúde dos EUA, que, lançado em 1991, analisou, ao longo de 15 anos, as principais causas de morte e de baixa qualidade de vida em mulheres pós-menopausa. Envolvendo dados de 161.808 pessoas, a iniciativa encontrou uma forte associação entre a terapia de reposição hormonal e o risco cardíaco, informação que, até então, era desconhecida. Ao contrário, acreditava-se que esse tratamento era benéfico ao coração. “Além da reposição hormonal, o estudo teve oportunidade de avaliar colesterol, hipertensão, sedentarismo e diabetes, e verificou que o comportamento da mulher é um tanto diferente do homem”, conta Miranda.
Piores prognósticos
Essas particularidades do organismo feminino traduzem-se em prognósticos mais desfavoráveis. O médico recorda que, hoje, a cada quatro homens com doença coronariana, há três mulheres acometidas pelo mesmo problema. “Mas a mulher infartada morre mais que o homem infartado; as chances de complicações após tratamento cirúrgico são maiores, assim como o risco da mulher que faz tratamento menos invasivo, como a angioplastia.”
Na edição especial da revista Circulation, os autores citam um estudo que analisou quase 86 mil veteranos de guerra americanos, incluindo 3.181 mulheres, submetidos ao cateterismo. Comparadas aos homens, elas sofriam mais de depressão, obesidade e estresse pós-traumático. Outra pesquisa indicou que, entre pessoas com fibrilação arterial, uma anomalia no ritmo dos batimentos cardíacos, as mulheres têm risco maior de infarto que os homens.
Já em uma revisão de estudos sobre a prevalência de falência cardíaca, pesquisadores constataram que os riscos delas sofrerem do mal é o mesmo que o deles — mas a mortalidade por essa causa é maior entre as pacientes. “O benefício do tratamento avançado, como transplante cardíaco, é igual para ambos os gêneros. Mas as mulheres recebem indicação para fazê-los em um estágio muito mais avançado”, lamenta Harlan Krumholz.
Sintomas são ignorados
A falta de orientação dos próprios profissionais do meio, ressaltam os pesquisadores que escreveram para a Circulation, acaba refletindo no comportamento da mulher em relação à saúde cardiovascular. Um estudo com 30 sobreviventes de ataque cardíaco citado por eles constatou que, devido ao pouco incentivo, elas tendem a ignorar os sinais de um infarto iminente e não se preocupam muito com a prevenção.
Uma equipe da Faculdade de Saúde Pública de Yale também estudou os casos de 100 pacientes com 30 a 55 anos e que foram hospitalizadas com infarto agudo. Nove pesquisadores entrevistaram as mulheres para investigar como elas se portaram quando os primeiros sinais surgiram. A primeira dificuldade constatada pelos médicos de Yale é que os sintomas variavam muito, tanto na forma de se manifestar quanto na duração.
Além disso, poucas mulheres levavam em consideração o histórico familiar de doenças cardiovasculares e muitas colocavam trabalho e família na frente do mal-estar, deixando, por isso, de procurar ajuda médica imediata. Por outro lado, nem todas que recorreram à emergência foram checadas apropriadamente para o risco de infarto. Algumas sequer conseguiram um diagnóstico formal e muitas disseram que não tinham acesso a programas preventivos de doenças cardiovasculares.
Orientação
A principal pesquisadora do estudo, Judith Lithtman, conta que as participantes relataram o temor de os sintomas serem um alarme falso. Por isso, ignoraram ou subestimaram os sinais de alerta do organismo. “Por serem mais jovens, achavam que não sofreriam de infarto, mesmo apresentando diversos fatores de risco”, diz.
Para ela, esse é um recado claro de que são necessárias mais estratégias educativas. “Elas precisam ser informadas sobre os sintomas, os fatores que predispõem e não se deixarem levar por ideias preconcebidas sobre doenças cardíacas”, afirma. “Não apenas as mulheres, mas os profissionais de saúde também têm de ser melhor educados nesse sentido.”