Saúde

Novo exame detecta tumor cerebral a partir de aminoácido

O PET Scan, focado na glicose, não serve para a detecção do tumor

Bruna Sensêve

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As células cancerígenas geralmente passam por uma reprogramação metabólica que as permite absorver mais nutrientes e aumentar o metabolismo. A glicose e a glutamina são os favoritos desse cardápio por serem essenciais à sobrevivência e à proliferação dos tumores malignos. O principal exame de imagem para a detecção de cânceres, a tomografia por emissão de positrões, funciona baseado nesse conhecido. Também chamada de PET Scan, é hoje uma ferramenta clínica valiosa e utilizada rotineiramente no diagnóstico, na classificação e na análise de cânceres e na avaliação da eficácia das terapias. No entanto, não funciona bem na avaliação de tumores cerebrais primários, uma vez que também ocorre alto metabolismo de glicose no cérebro não acometido pela doença.


O problema começa a ser resolvido com uma nova possibilidade de exame desenvolvida por pesquisadores do Departamento de Patologia da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos. Na edição publicada nesta semana da revista científica Science Translational Medicine, o professor Sriram Venneti focou o trabalho em outra substância irresistível aos tumores, a glutamina. Trata-se do aminoácido mais abundante no plasma, sendo que muitos cânceres são viciados nele, como neuroblastomas, linfomas, carcinomas renais e adenocarcinoma pancreáticos. Todos esses tipos de tumores malignos têm o metabolismo de glutamina alterado para suportar o seu crescimento e a sua sobrevivência.

A ideia foi trocar a visualização do metabolismo gerado pela glicose pela atividade celular originada pela glutamina. Pode parecer simples, mas a execução tornou-se complexa. Primeiro, criou-se um marcador grifado radioativamente para a glutamina, assim como existe um para a glicose. “Trabalhamos com a hipótese de que o vício dos gliomas por glutamina pode ser aproveitado na detecção da imagem desse câncer in vivo feita com o PET a fim de avaliar a absorção de nutrientes alterada nos tumores”, completa.

Tecido infiltrado
Os gliomas são tumores originários das células da glia encefálica, uma unidade formada por várias células e que tem como principal função dar suporte nutricional, sanguíneo, estrutural e de defesa aos neurônios. Esses são os tumores considerados primários, isto é, não derivados de uma metástase em outro órgão. Nesse caso, quando invade o tecido cerebral é chamado de secundário. O último tipo é mais comum e também mais fácil de ser removido e visualizado.

No caso dos gliomas, a tendência é de que o tecido cerebral tenha sido infiltrado pelas células cancerígenas e, por esse motivo, a dificuldade em perceber a diferença entre a estrutura normal e a alterada é extremamente difícil com as técnicas de imagiologia disponíveis. “Nós desenvolvemos recentemente um análogo da glutamina que é tomado pelas células cancerígenas in vitro e mostra uma captação específica na imagiologia por PET em cobaias in vivo”, explica Venneti.

A equipe de Venneti usou camundongos e pacientes humanos a fim de mostrar que a glutamina radiomarcada pode ser utilizada para fazer a imagem mais precisa de tumores cerebrais, distinguindo-as das células cerebrais normais e até mesmo de cancros que não estão em crescimento ou já metabolicamente inativos. “Os dados obtidos nessa pequena amostra de pacientes sugerem que o dispositivo também pode ser útil na monitorização da progressão da doença à medida que os gliomas se tornam mais ativos e agressivos.”

Os resultados finais sugerem que a imagem PET à base de glutamina pode ser uma medida importante de captação desse aminoácido em gliomas in vivo e servir como um instrumento importante no manejo clínico dos tumores. “Promessas de imagem PET à base de glutamina podem ser uma ferramenta poderosa para detectar o câncer de cérebro e monitorar as mudanças na atividade metabólica tumores durante o tratamento”, avalia Venneti.

Para o neurocirurgião do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer (IBCC) Manoel Carioca Serpa Vidal, o novo método quer saber até onde vai a doença, algo que hoje impossível. “Não temos isso só olhando para o tumor ou mesmo com outras técnicas. Há uma limitação da ressonância magnética, por exemplo. Com esse método, eles querem aprimorar a detecção para melhorar a cirurgia”, diz.

"Também pode ser útil na monitorização da progressão da doença à medida que os gliomas se tornam mais ativos e agressivos” - Sriram Venneti, líder do estudo


Cirurgia aprimorada

Se a equipe do professor Sriram Venneti quer melhorar a visão e a limitação desses tumores no cérebro, outro time de cientistas trabalha para atuar diretamente na sala cirúrgica. Uma sonda manual de fibra ótica capaz de detectar com precisão o cancro cerebral invasivo em pacientes com glioma foi criada por Frederic Leblond, do Instituto e Hospital Neurológico de Montreal, da Universidade de McGill, no Canadá. O trabalho foi apresentado em um artigo publicado também na Science Translational Medicine.

A intenção é que o instrumento ajude neurocirurgiões a guiar mais precisamente a remoção do tecido cancerígeno no cérebro durante a cirurgia. Atualmente, não há tecnologia capaz de detectar todas as células de glioma invasivas efetivamente na hora do procedimento. A impossibilidade de removê-las completamente aumenta o risco de recidiva ou de metástase.

O instrumento criado pela equipe de Leblond usa a espectroscopia Raman, uma técnica que mede a forma como as moléculas de um objeto dispersam a luz para produzir um espectro único a esse objeto. Com esse princípio, a sonda é colocada em contato com o cérebro para iluminar um pequeno ponto, com cerca de 1 milímetro de profundidade no tecido, e fornecer os espectros de Raman sobre aquelas células em tempo real. Como teste do mecanismo, foram feitos experimentos no tecido cerebral de 17 pacientes vítimas de glioma avançado.

“Usando essa sonda intraoperatória, fomos capazes de diferenciar com precisão o cérebro normal do cancerígeno com uma sensibilidade de 93% e uma especificidade de 91%”, diz Leblond. O dispositivo detectou não só a massa tumoral densa, mas também as células cancerígenas individuais que haviam invadido o tecido saudável. “Com um maior desenvolvimento, a sonda à base de Raman poderia se tornar uma ferramenta de navegação valiosa para descobrir rapidamente câncer no cérebro na sala de cirurgia”, acredita Leblond. (BS)


Delimitação difícil
“A grande dificuldade de tumores do sistema nervoso é conseguir delimitá-los. Isso porque eles são muito infiltrativos. É diferente de uma lesão, como o câncer de pele, em que o tecido é nitidamente diferente do que está em volta. Assim, consegue-se criar uma margem de segurança e tirar mais do tecido aparentemente normal para garantir que não fique nada do tumoral. Se você olhar uma ressonância de um tumor de baixo grau de malignidade, não consegue saber onde ele começa e termina. Uma das coisas que facilitam a observação é a injeção de um contraste, mas funcionam mais para lesões de alto grau de malignidade.”

Paulo Issamu Sanematsu Junior, diretor de Neurocirurgia do A.C.Camargo Cancer Center