Saúde

Células-tronco amenizam efeitos da radioterapia contra o câncer

Pesquisadores dos EUA asseguram que a terapia poderá evitar o declínio cognitivo e outras sequelas do tratamento

Isabela de Oliveira

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Embora seja essencial no tratamento contra o câncer no cérebro, a terapia com radiação está associada a sérios efeitos colaterais, como declínio cognitivo e comprometimento da coordenação motora. Isso acontece porque células fundamentais para esse órgão, os oligodendrócitos, são prejudicadas com a intervenção. Um trabalho desenvolvido no Kettering Cancer Center Memorial, em Nova York (EUA), promete não apenas superar o problema, mas também recuperar totalmente o cérebro dos pacientes com células-tronco. Os resultados foram publicados na revista especializada Stem Cell.


A equipe, liderada pela neurocirurgiã Viviane Tabar e pela pesquisadora Jinghua Piao, investigou se as células-tronco poderiam ser “transformadas” em células perdidas durante o tratamento de câncer no cérebro com radiação. Em estudos com ratos e amostras de tecidos cerebrais humanos, os autores perceberam que a radiação não ataca apenas as estruturas doentes, mas também as saudáveis, como os oligodendrócitos.

Eles formam as bainhas de mielina, que funcionam como “fita isolante” dos neurônios, permitindo que eles se comuniquem de forma mais eficiente e rápida. É por isso que, após o tratamento, surgem falhas cognitivas e motoras. O mesmo é percebido em doenças degenerativas, como a esclerose múltipla, caracterizada pela deterioração da bainha de mielina. Crianças com câncer de cérebro são ainda mais prejudicadas, porque frequentemente as doses da radioterapia são reduzidas — comprometendo a eficácia do tratamento — para evitar grandes sequelas.

Os autores demonstraram que é possível criar os oligodendrócitos humanos tanto com células-tronco embrionárias quanto com células-tronco de pluripotência induzida (iPS) derivadas da pele. É preciso, entretanto, que sejam cuidadosamente cultivadas em laboratório — e isso foi possível graças a protocolos desenvolvidos por eles. Essas estruturas humanas criadas artificialmente foram transplantadas em ratos que tiveram todo o cérebro exposto à radiação. A regeneração de algumas regiões cerebrais foi evidente: todos os animais que receberam os enxertos recuperaram as habilidades cognitivas e motoras perdidas ao longo do tratamento.

“Com isso, demonstramos que é possível isolar as células que originam os oligodendrócitos humanos, o que, mediante transplante, resulta em reparação estrutural e funcional”, diz Piao. “Testes comportamentais mostraram a recuperação completa da função cognitiva das cobaias, enquanto a recuperação adicional de deficits motores necessitou de transplantes direcionados ao cerebelo.” O cientista acrescenta que o organismo dos animais reagiu bem às células artificiais, que não se transformaram em tumores ou adquiriram funções inadequadas.

Facilidade
Outras fontes de células humanas foram utilizadas com sucesso para a remielinização em ratos, como as presentes na substância branca fetal ou adulta. O acesso a elas, entretanto, é difícil. O oncologista Eduardo Johnson, da clínica Oncotek, em Brasília, ressalta que a capacidade de extrair as potencialidades das células-tronco para o tratamento do câncer são o ponto forte do estudo.

“A aplicação clínica desses resultados vai demorar, pois nem sequer fizeram os testes com humanos. Há ainda alguns desafios. Por exemplo, será preciso ajustar as doses e a quantidade de células transplantadas. Eles colocaram 1 milhão de células nos ratos, mas, em um adulto humano, a quantidade deveria ser de pelo menos 100 milhões. Isso precisa ser avaliado”, pondera.

Também membro da American Society of Clinical Oncology (Asco) e da European Society of Medical Oncology (Esmo), Johnson avalia que será necessário observar a rejeição do corpo às células implantadas. Há, segundo o especialista, um grande debate sobre esse assunto. “Essas células precisariam ser usadas com um imunossupressor porque o sistema imunológico do paciente poderia atuar contra elas. Acontece que isso é perigoso para um paciente com câncer, que poderia ter uma progressão da doença”, explica.

Johnson acredita que a técnica seria “revolucionária” se os cientistas conseguissem extrair as células do próprio paciente. “Embora seja precoce, o trabalho mostra o potencial das células-tronco e as dificuldades que temos hoje para conduzir esse tratamento”, observa.

Regressão de laboratório
Em 2006, o pesquisador japonês Shinya Yamanaka conseguiu fazer com que células adultas de camundongos regredissem ao estado embrionário, podendo, assim, ser reprogramadas para qualquer tecido do corpo. Elas foram chamadas células-tronco de pluripotência induzida (iPS). Em 2007, Yamanaka repetiu o processo usando células humanas, contornando as objeções éticas e religiosas com as pesquisas com células-tronco de embriões. O feito rendeu a ele e a outro pesquisador, John B. Gurdon, o prêmio Nobel de Medicina em 2012.

Edemas fatais
Eduardo Johnson, oncologista

“Na maioria das vezes, a radioterapia é utilizada para tratar a metástase cerebral, que eu considero ser o maior desafio da oncologia hoje. Esse tratamento é a principal forma de terapia e, infelizmente, a sobrevida dos pacientes é curta. O cérebro é totalmente fechado e o tratamento o faz expandir, formando edemas que podem causar a morte. Felizmente, é possível fazer o que chamamos de radiocirurgia, que não é um procedimento cirúrgico, mas uma radioterapia localizada. Ela consegue, de certa forma, resultados melhores quando o tumor é único ou são poucos. O valor desse trabalho (dos EUA) é aprimorar o conhecimento sobre os tratamentos disponíveis para tumores no cérebro, que possui uma barreira (a hematoencefálica) que dificulta o acesso da quimioterapia, por exemplo. Isso não acontece com a radioterapia, que sempre ultrapassa essa barreira. Por isso é importante melhorá-la.”