Saúde

Entenda a relação entre cesariana marcada e o risco de prematuridade

A idade gestacional é apenas uma estimativa, a certeza de que o bebê está pronto para nascer é o início do trabalho de parto. Marcar uma cesariana antes da 39ª semana, além de não ter respaldo técnico, é arriscado para o bebê, que pode nascer prematuro ou imaturo. Índice de prematuridade no Brasil alcança 12,5%, considerado muito elevado pelos parâmetros da OMS

Valéria Mendes

Nas regiões mais desenvolvidas do Brasil (Sul e Sudeste) é maior a incidência de prematuridade
Com 37 semanas, a empresária Magali Alvarenga, 34 anos, descobriu pela secretária do médico que acompanhava seu pré-natal que o especialista estaria em viagem na semana que antecederia a data provável do parto de seu segundo filho e para quem pagaria R$ 7 mil, além das despesas com o plano de saúde. Ela conta que o ginecologista já tinha acompanhado o parto de seu primeiro filho, Eric, de 3 anos, que nasceu de cesariana. “Ele sabia que eu queria parto normal, mas me ofereceu adiantar a cirurgia para a 38ª semana, antes de viajar”, relata. Magali foi categórica e disse que não queria marcar data, que queria entrar em trabalho de parto e não gostaria de uma segunda cesariana. “Até parece que faria uma cesariana para acompanhar agenda de médico”, desabafa.


Magali pediu, então, uma indicação de outro especialista, mas ouviu do médico que a acompanhava no pré-natal que ele tinha como política só indicar um segundo nome se houvesse necessidade. Eles teriam ainda uma semana e meia antes do compromisso do profissional fora de Belo Horizonte... A empresária fingiu concordar, mas foi em busca de outra pessoa. “Eu preferia ter meu filho com um plantonista do que tirá-lo antes da hora”, enfatiza.

A mãe de Eric e Breno, que tem 15 dias de vida, diz ter encontrado um médico “super a favor do parto normal que não colocou a minha primeira cesárea como impedimento e ainda não cobrava ‘por fora’”. A data prevista para o caçula nascer era 24 de janeiro, mas no dia 22, o garotinho deu sinais de que queria vir ao mundo. “Durante a madrugada senti minhas primeiras contrações e fui para o hospital, fiquei 6 horas em trabalho de parto, o médico me sugeriu esperar mais um pouco, mas eu já estava com muita dor e optei pela cesariana. O Breno estava sentado e nasceu com 4,045 quilos”, finaliza a empresária.


O Brasil vive um fenômeno que tem sido chamado de paradoxo epidemiológico: nas regiões mais desenvolvidas (Sul e Sudeste) é maior a incidência de prematuridade. Um estudo do Unicef em parceria com o Ministério da Saúde mostra que, a cada ano que passa, aumenta o número de bebês que nascem prematuros por aqui. Em 2000, o índice era de 7%; em 2014 chegou a 12,5% e coloca o Brasil no mesmo patamar dos países de baixa renda, de acordo com a Organização Mundial de Saúde. Na Inglaterra, por exemplo, esse índice é 55% menor. “Pesquisas apontam uma estreita relação entre prematuridade e cesariana marcada”, afirma a coordenadora da Linha de Cuidados Neonatais do Hospital Sofia Feldman, a médica neonatologista Raquel Lima.

Para estabelecer essa relação com exatidão mais estudos são necessários, mas um exemplo brasileiro reforça essa associação. Pediatra, epidemiologista e coordenadora da Comissão Perinatal da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, Sônia Lansky cita um modelo que tem sido adotado pela Unimed Brasil para reduzir os índices de cesarianas em suas maternidades. Na unidade de Jaboticabal, em São Paulo, o projeto conseguiu reduzir a incidência de cesariana de 99,3% para 50% e baixar a zero a incidência de prematuridade, isso em apenas um ano, entre 2012 e 2013. Além disso, aconteceu uma redução de 60% no número de internações em UTI neonatal. “A observação em curso dos efeitos para redução de cesariana no Brasil estão apontando claramente a relação com a prematuridade”, afirma Lansky.

A cesariana marcada, sem indicação médica, é um problema porque o tempo de uma gravidez não é exato, alguns bebês vêm ao mundo com 38 semanas e outros com 42. O risco de fazer uma cesariana na 38ª semana de gestação é que o bebê pode ter apenas 36 semanas, ou seja, nasceria prematuro. É sempre bom lembrar que a prematuridade é a principal causa de mortalidade infantil no primeiro mês de vida. Um estudo que gerou burburinho na semana passada, divulgado pelo Perinatal Institute, uma ONG britânica, mostra que a data provável de parto (DPP) quase nunca é precisa: apenas 4% dos bebês nascem na data estimada. Ou seja, a estimativa da DPP falha em 96% das vezes.
O tempo de uma gravidez não é exato, alguns bebês vêm ao mundo com 38 semanas e outros com 42

Entenda a contagem
Diretor clínico do Hospital Sofia Feldman, o ginecologista e obstetra João Batista Lima explica que o padrão internacional da contagem da idade gestacional parte do último dia da menstruação. “A essa data, soma-se 280 dias”, explica. Segundo ele, se após o ultrasson – que precisa ser feito no primeiro trimestre de gravidez – houver uma diferença superior a cinco dias entre a data da última menstruação e idade gestacional que o exame mostra, o médico passa a considerar a informação do exame.

O especialista afirma ainda que o Colégio Americano de Ginecologia e Obstetrícia e a Sociedade de Medicina Fetal dos Estados Unidos elaborou uma subdivisão que define o que é considerado ‘gestação a termo’. “Existe uma expectativa de que a OMS passe a adotar essa definição também”, enfatiza. Atualmente, a OMS considera ‘a termo’ quando o bebê nasce entre 37 e 42 semanas. Veja como é a subdivisão que já está sendo adotada:

termo precoce: de 37 a 38 semanas e 6 dias
termo completo: de 39 a 40 semanas e 6 dias - Momento ideal pra os bebês nascerem.
termo tardio: de 41 a 41 semanas e 6 dias
pós-termo: após 42 semanas

Ou seja, antes de 37 semanas (ou 36 semanas e 6 dias) o bebê é considerado prematuro. “No Brasil já começamos a usar essas referências até para alertar as mulheres de que não se deve fazer uma cesariana eletiva (marcada) antes de 39 semanas”, reforça João Batista. Para ele, no entanto, como nenhum método de datação é preciso ele não recomenda cesariana antes de 40 semanas. Essa referência, de acordo com o ginecologista, é, inclusive, utilizada como indicador de qualidade das maternidades no país.

Para ele, do ponto de vista técnico, a cirurgia de extração fetal antes de 39 semanas é uma conduta errada, mas condizente com a cultura de cesariana que assola o país: na rede privada o índice é 88%, na rede pública, 46%, enquanto a recomendação da OMS é de 15%. “Progressivamente estão sendo feitas cesarianas mais precocemente. Esperar significa aumentar a chance de a mulher entrar em trabalho de parto espontâneo, o que apesar de não impedir a cirurgia foge ao critério de parto planejado”, explica. João Batista diz que os bebês que nascem de cesariana no país têm, em média, duas semanas a menos de idade gestacional em relação aos que nascem de parto normal.

Ginecologista, obstetra e membro da Associação de Ginecologistas e Obstetras e de Minas Gerais (SOGIMIG), Marcos Taveira afirma que o trabalho de parto é a única certeza de que o bebê está pronto para nascer. Num mundo hipotético, segundo ele, se a mulher soubesse com certeza absoluta a data da última menstruação, existiria uma grande chance de a estimativa da data de parto corresponder à idade gestacional mostrada pelo ultrasson. “Se o exame é realizado nas primeiras nove semanas de gestação, temos um ‘erro’ na estimativa que varia de três a cinco dias, o que é considerado pequeno. Se o exame for realizado entre 9 até 12 semanas, a diferença aumenta para cinco a sete dias. De 20 a 28 semanas, a diferença da idade gestacional varia entre 14 a 20 dias e, a partir de 28 semanas pode chegar a 30 dias de diferença”, detalha.

Segundo Taveira, mesmo se a mulher tiver certeza absoluta da data da última menstruação e o resultado do ultrasson coincidir dentro da margem de erro de sete dias, pode acontecer de o bebê nascer prematuro com uma cesariana de 39 semanas. “O imponderável acontece, 100% de certeza não há como. Para ter segurança absoluta, a mulher tem que entrar em trabalho de parto”, salienta. Para ele, no entanto, a mulher que deseja uma cesariana não quer entrar em trabalho de parto porque não quer sentir contração. “Do ponto de vista de conforto, não seria o ideal”, diz.

Marcos Taveira reforça o risco de fazer uma cesariana antes da 39a semana: “o bebê pode ter problemas respiratórios, síndrome do pulmão encharcado e necessidade de UTI”. O médico afirma que a ideia da cesariana com data marcada está sendo muito combatida atualmente: “O importante nesse contexto todo, é o conceito de que cada dia que o bebê passa dentro do útero da mãe é vantajoso para ele, desde que sem risco para mãe ou para o feto. É algo que está bem incorporado por todos os médicos. Mesmo em gestações de alto risco, todo o esforço é para ir o mais longe possível. O combate à prematuridade está sendo feito com unhas e dentes”, reforça.
As últimas semanas da gestação são importantes para o mecanismo fino do desenvolvimento

Opinião de pediatra
Raquel Lima e Sônia Lansky defendem a espera pelo trabalho de parto para não arriscar em prematuridade ou imaturidade. Para elas, é a forma mais segura para se evitar riscos para a criança. “Um bebê que nasce com menos de 39 semanas tem duas ou três vezes mais risco de morbidade”, afirma Raquel Lima. Entre eles, patologias respiratórias, distúrbios metabólicos, mais chance de ter hipoglicemia, icterícia mais severa e dificuldade de sucção para mamar.

Segundo ela, quando o bebê nasce, o pediatra realiza exames para avaliar a idade gestacional da criança. Entre os mais conhecidos estão o método de Capurro e o New Ballard que consistem em avaliar características físicas da criança. “Cada característica física analisada recebe uma pontuação que permite estimar a idade pela média das notas”. Por exemplo, quanto mais fina a pele, mais prematura é a criança. As preguinhas dos pés também são um indicador: recém-nascido sem nenhuma ‘dobrinha’ provavelmente tem uma idade gestacional menor. A partir desses testes, que incluem também a formação da genitália e características da orelha, o pediatra avalia se a idade gestacional calculada (feita pelo obstetra) é compatível com a idade gestacional estimada (feita pelo pediatra) e a informação entra no registro da Declaração dos Nascidos Vivos.

Para Sônia Lansky, o Brasil tem a oportunidade de incluir o pediatra no acompanhamento à gestante. “Temos hoje uma relação hierárquica, quase solitária, da mulher com o médico, que prejudica a informação. O pediatra seria mais um profissional que poderia ajudar na assistência ao parto”, afirma.

A especialista chama atenção para outro indicador – além da prematuridade. “Os índices de baixo peso ao nascer também têm aumentado no Brasil, a média é próxima a 2,5 quilos”, alerta. Para se ter uma ideia, 2,5 quilos é peso de bebê prematuro que nasce entre 37 e 38 semanas, segundo ela. “Não atingimos mais nem 40 semanas de gestação, que é a média esperada, e nem 3 quilos, que é média da normalidade de peso. Não se vê mais bebê com 3 quilos no setor privado”, afirma.

Para ela, mesmo uma cesariana com 39 semanas sem trabalho de parto é tirar um bebê que está imaturo em algum nível. Sônia Lansky reforça: “não é prematuro, mas é considerado termo precoce”. A pediatra explica que esse bebê está imaturo em algum nível da fisiologia e do sistema biológico. “Ele tem imaturidade neurológica, pulmonar, intestinal e dos rins. Ele não tem problema grave como o prematuro, que não consegue respirar, mas também terá dificuldades respiratórias. As últimas semanas da gestação são importantes para o mecanismo fino do desenvolvimento. Interromper esse desenvolvimento fino ou amadurecimento final do bebê pode levar à obesidade, diabetes, hipertensão na infância e na vida adulta. Tudo isso, muito provavelmente pela privação do trabalho de parto, que é quando ocorre a interação da carga genética da mãe com o filho, e que protege os bebês de doenças, alergias e existem associações até com o autismo”, pondera.
Marcar uma cesariana antes da 39ª semana não tem respaldo técnico

Quase um mês de diferença
A psicóloga Aretha Castro é mãe de duas meninas: Marina, de 5 anos, e Carolina, de 3 anos e meio. “Não queria cesariana em nenhuma das vezes. Na gravidez da Marina fui diagnosticada na 24ª semana com diabetes gestacional. Fiz acompanhamento com nutricionista e endocrinologista para controlar o quadro usual de mãe e bebê engordarem muito. Mas aconteceu o inverso: ao invés de engordar, paramos de ganhar peso. No último mês, perdi um quilo. Fiz dieta para fugir do risco do gigantismo. Tenho 1,49 cm e meu marido, 1,85 e vivi aquele mito de que não conseguiria parir por ser uma mulher pequena. Ouvia sempre da minha médica: ‘se ela ficar muito grande, você não terá parto normal’”, conta.

Com 37 semanas, Marina parou de ganhar peso. “Pensei, vou parar a dieta e começar a comer. Na sequência, fiz um ultrasson, ela voltou a ‘engordar’, mas a médica notou uma alteração na oxigenação cerebral. Ouvi dela: ‘se fosse minha filha marcava uma cesárea’. Fiquei desorientada com o risco e passei por uma cesariana com 38 semanas e cinco dias. Marina nasceu com 2,450 quilos e 46,5 cm. Achei que o baixo peso tinha relação com a dieta até nascer minha segunda filha com 52 cm e 3,380 quilos. Ou a Marina nasceu prematura ou imatura”, acredita Aretha.

Após o parto, a mãe de Marina ficou intrigada, foi conferir o último ultrasson com o anterior e viu que o exame não apontava diferença nenhuma na oxigenação. “Ela não teve queda de oxigênio, foi o mito que ela inventou para me operar. Se fosse realmente falta de oxigênio, a cesárea tinha que ser de emergência e não para o dia seguinte...”.

Outra cesariana

No início da segunda gestação, a data provável de parto chegou a ser estimada em 22 de julho, mas Carolina nasceu em 15 de agosto, uma diferença de quase um mês. A garotinha também veio ao mundo de cesariana, mas dessa vez, Aretha entrou em trabalho de parto. “Com 39 semanas e 4 dias minha médica me ligou e disse que se eu não entrasse em trabalho de parto até a 40ª, ela iria marcar a cesariana porque seria arriscado esperar em função do quadro de diabetes gestacional. Pedi para que ela esperasse até sábado (quando eu completaria as 40 semanas), ela disse que era dia do aniversário dela e falou que se eu quisesse esperar teria que ir ao consultório dela assinar um documento assumindo os riscos. Eu respondi que assinava”, recorda-se.

Aretha conta que, naquele dia, conversou com Carolina pedindo para que a filha a ajudasse a entrar em trabalho de parto. “À noite fomos para o hospital sem a minha médica saber e já estava com 3 cm de dilatação e sentindo contrações. Minha ideia era que a Carol nascesse com plantonista, mas quem me atendeu conhecia a minha médica, viu o nome no cartão de pré-natal e ligou pra ela. Quando ela chegou me deu ocitocina para acelerar o trabalho de parto, eu cheguei a 10 cm de dilatação, mas ela avaliou que o quadro não estava evoluindo e, como eu era pequena, não teria passagem. Antes de fazer a cesariana, me disse: ‘você experimentou de tudo de um parto normal, não era isso que você queria?’”, relembra a psicóloga.

Apesar de Carolina ter ido direto para os braços da mãe após o nascimento e mamado na primeira hora de vida - situação que Aretha não viveu com Marina que precisou de berço aquecido e a mãe só foi vê-la 6 horas depois que veio ao mundo -, a psicóloga teve hemorragia, passou por uma cirurgia em que foi necessário retirar o útero e ficou dois dias no CTI longe da filha. Ela e o marido tinham o sonho de uma família grande, com quatro filhos.