Tudo isso por que um site de fofocas publicou uma matéria em que “mostrava” a rotina de treinos da menina, que é filha de um educador físico. Ao mesmo tempo que a garotinha acumulava seguidores, a indignação crescia nas redes sociais. “Em momento algum tivemos dúvidas de que estávamos fazendo o certo. Estamos dando a cara para bater e vamos continuar, é questão de honra. Quem está criticando está errado. Temos orgulho de ter uma vida saudável”, afirma Mileny. A mãe da menina fala que, após o Instagram cancelar a conta da filha ela fez outra, intitulada @musinhafitness e que será administrada por ela. Um perfil no Facebook para a garotinha também foi criado e um membro da família, que é publicitário, será o responsável pelo conteúdo.
Mileny Mansur é mãe também de um menino de 7 anos e conta que a família é adepta de atividades físicas diárias e alimentação saudável. “Meus filhos fazem esporte desde bebês. É uma obrigação. A Anna Clara começou com natação, depois fez ballet e, há 4 meses, pediu para fazer musculação. Nós pensamos que ela desistiria, mas acabou gostando. Quem vê ela treinando percebe que ela está feliz”, relata Mileny que só libera doces e frituras para os filhos aos finais de semana. O pai, Wesley Mansur é personal trainner em várias academias de Goiânia e foi ele próprio que elaborou a série de exercícios da filha. “Ela malha duas vezes por semana por 60 minutos”, diz a mãe.
A empresária conta que a filha começou a postar fotos de sua rotina na academia para mostrar para os coleguinhas, mas sempre com a supervisão da mãe. “No domingo ela tinha 998 seguidores, quando acordei na segunda pela manhã já estava com 4 mil. Ela vibrou, ficou muito feliz porque nessa idade existe uma disputa por quem tem mais seguidores. Na noite de segunda-feira o perfil alcançou 22 mil seguidores. Ela ficou arrasada quando a conta foi bloqueada”, relata a empresária. Até o fechamento da reportagem o novo perfil de Anna Clara no Instagram - que agora não é mais público - estava com 3.171 seguidores e a página no Facebook tem 1.617 curtidas.
Adultização da infância
A psicanalista e psicopedagoga Cristina Silveira diz que a história da 'musinha fitness' se assemelha em muito com o caso da Vogue Kids que publicou um editorial de moda com imagens de meninas em poses sensuais e teve que recolher das bancas os exemplares a pedido da Justiça. Para ela, os pais de Anna Clara Mansur estão equivocados em relação à educação da menina. “É um desconhecimento geral do que uma exposição nos meios de comunicação de fácil acesso pode trazer de consequências imediatas e no futuro”, afirma a especialista.
Para ela, Anna Clara não está sendo valorizada pelo que ela é, mas sim, por conceitos como o culto ao corpo, que regem e, inclusive, oprimem a vida adulta. A especialista alerta ainda para a sensualidade das imagens. “A roupa que ela usa e as poses que ela faz não são adequadas para a idade dela. Os pais estão estimulando um tipo de exposição que traz prejuízos significativos para a autoimagem da criança. Uma menina de 9 anos não tem amadurecimento psíquico para lidar com questões do mundo adulto”, observa.
Adultização, segundo ela, é quando a criança é exposta a uma situação em que não tem condições psíquicas para lidar com ela. “Essa família está estimulando valores superficiais como a beleza infantil”, alerta.
Para Cristina Silveira, o cancelamento do perfil da menina no Instagram, chama atenção para o fato de a sociedade ter mostrado para a família da Anna Clara Mansur o que a menina não pode. “Será que a mãe não percebeu que o limite está sendo dado pela indignação da sociedade com a caso?”, questiona.
Especialista aprova rotina de exercícios
PhD em fisiologia do exercício e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Luciano Sales Prado aprova os exercícios que o pai passou para a filha de 9 anos, mas faz uma ressalva: “Do que foi mostrado, do que tivemos conhecimento pela mídia, são exercícios muito bem planejados e extremamente benéficos. Pode até não ser a melhor atividade, mas fazer musculação nessa idade com um acompanhamento rigoroso e especializado não tem problema nenhum”, afirma.
Sales diz, inclusive, que o treino de Anna Clara Mansur não é focado em musculação: “Na verdade, é o que chamamos de treinamento funcional, que é benéfico em qualquer idade”. O professor explica que a diferença principal do exercício funcional é que ele utiliza o peso do próprio corpo, sem a necessidade de carga. “As séries não são feitas em aparelhos e estimulam equilíbrio, estabilização e percepção do próprio corpo”, define.
Segundo ele, essa modalidade de atividade física traz benefícios para a vida cotidiana. “Se bem feito e bem conduzido é recomendado. Inclusive, são exercícios bem comuns em aulas de educação física para crianças. Não tem nenhuma novidade”, observa. Sales diz que o imprescindível é a orientação de um profissional. O professor alerta ainda sobre o risco de uma criança ficar sozinha em uma sala de musculação. “É um ambiente perigoso”.
Luciano Sales afirma que trabalhar a força é importante em qualquer idade. Segundo ele, grande parte dos problemas posturais da população adulta é por falta de força. O professor cita uma forma lúdica de exercício funcional para as crianças: “O cabo de guerra é um ótimo exemplo, é uma brincadeira refinada que trabalha grupos musculares variados e que não tem risco de lesão. Quando a criança não aguenta, ela para de fazer força”.
Na infância, Sales reforça que qualquer modalidade esportiva tem risco de sobrecarga. “Por isso, é muito importante variar as atividades das crianças. Não é um momento para se especializar em nada. O ideal é uma escolinha de esporte”, afirma. O especialista faz um alerta para os adultos: “Os pais devem saber respeitar os limites da criança. É muito comum que famílias de crianças atletas esperem demais em termos de rendimento esportivo”.
Recomendação da OMS
A Organização Mundial de Saúde recomenda pelo menos 60 minutos de atividade física diária, moderada ou intensa, para quem tem entre 5 e 17 anos. A OMS indica exercícios que incluam brincadeiras, jogos, esportes, locomoção, recreação, educação física ou exercício planejado em família ou durante participação em atividades comunitárias.