Essa história bem que caberia nas primeiras linhas do currículo de Gisele Bundchen – lá pela altura dos 13 ou 14 anos, quando as tops costumam iniciar a carreira. A manequim em questão, entretanto, é uma senhora hoje com 69 anos, há dez sob os holofotes do mundo fashion. Advogada, funcionária aposentada do Ministério da Saúde, Polmon abraçou a carreira num momento de autoestima abalada. “Tinha acabado de passar por um câncer de mama. O tratamento deixa a gente mais pra baixo que a doença em si, então resolvi me aposentar, não estava com vontade de fazer nada. Mas acabei indo atrás dessa oportunidade que a vida me deu e foi a melhor coisa que fiz. Voltei 100% à atividade. Desfilo, faço fotos... Já fiz ensaios até de lingerie”, gaba-se a modelo – que é casada, mãe de dois filhos, avó de quatro netos, mas em nada corresponde ao estereótipo de senhorinha de cabelos de algodão. “Faço luzes no cabelo, vou à academia e tenho muito cuidado com a pele. Vivo plenamente”, conta.
Com perfil semelhante ao de Jeanette, pelo menos duas pessoas procuram, diariamente, a agência de modelos Bravo! Model, em São Paulo, que já contabiliza cerca de 50 profissionais entre 55 e 70 anos só na filial paulistana. Segundo a gerente da empresa, Kátia Minghini, o elenco da terceira idade cresceu muito, sobretudo na última década, acompanhando o aumento da demanda por profissionais desse segmento. “A procura por idosos aqui na agência já é praticamente igual à de modelos jovens. A demanda que eles atendem é mais de publicidade, claro, tipo comerciais de banco, farmácia, hospital e outros do gênero. Mas são chamados pra desfiles, campanhas, catálogos de moda também. Cada vez mais”, explica.
APOIO DA FAMÍLIA
A aposentada Wilma Sambuc, de 74, trabalhou em banco. “Depois de 30 anos trabalhando me aposentei, mas eles me convidaram a continuar prestando serviços, e aí fiquei por mais 13 anos. Ficava ali no ‘Posso ajudar?’. Quando estava para sair do banco, uma cliente minha, que atuava numa agência de modelos, me deu um cartão e me convidou para fazer umas fotos. Pensei: ‘O que será que essa moça quer comigo?’. Mas fui lá. Tirei as fotos, e acabei assinando um contrato para trabalhar só para a agência dela. Não demorou muito e comecei a ser convidada para fazer trabalhos”, lembra.
Wilma já estreou na passarela, como avó de uma noiva, num desfile. “Fiquei emocionada. Já fiz alguns comerciais também. Tem três anos que comecei a mexer com isso.” Ela conta que os trabalhos são esporádicos e o dinheiro não é muito. Às vezes, demora para receber. “Mas é bom demais quando sou convidada pra fazer alguma coisa. A gente conhece pessoas novas... é tudo muito diferente do serviço que tinha lá no banco. A autoestima? Ah, essa aumentou muito também. Você imagina o que é uma senhora de 74 anos fotografando, aparecendo por aí. Até parece que eu sou bonita!”
A aposentada diz que não é muito vaidosa. “Faço as unhas e corto o cabelo, até porque sou de uma geração que não é muito de salão de beleza não. Mas me cuido. Sou viúva, tenho dois filhos e três netos. A família me dá o maior apoio. Meus filhos até me levam e me buscam nos lugares onde sou convidada a trabalhar como modelo. Ficam no maior orgulho.”
Maturidade poderosa
É só bater o olho no atual perfil demográfico brasileiro para compreender o aquecimento do mercado fashion para vovôs e vovós. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados em setembro do ano passado, revelam que a quantidade de brasileiros com 60 anos ou mais cresceu 68,3% entre 2001 e 2013. Em números absolutos, isso significa que o país hoje conta com mais de 26,1 milhões de idosos – o que representa 13% da população total – contra 15,5 milhões em 2001.
A turma da cabeça branca tem também papel significativo no sustento das famílias – consequentemente, no giro da economia. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mensalmente, a faixa etária em questão injeta em torno de R$ 28,5 bilhões no mercado – sendo, portanto, responsável por 20% do poder de compra do país.
O Ipea detectou ainda que a maturidade, além de economicamente poderosa, tem gastado mais. Desde 2012, suas despesas superaram a média dos outros perfis de idade, e são aplicadas principalmente em saúde, cuidados pessoais, alimentação e vestuário. “É um segmento do mercado ainda pouco explorado, mas com enorme potencial”, acredita Karin Jardinovsky, gerente de marketing da Jarmod, confecção especializada em roupas para mulheres maduras.
“Trata-se de um público que investe mais em si mesmo, é muito ativo socialmente e quer envelhecer com qualidade de vida. São clientes, portanto, que estão mais por conta de satisfazer seus gostos. Podem se dar a esse luxo porque a fase do sacrifício em nome da família ou da construção do patrimônio já passou”, analisa, destacando ainda que o perfil das consumidoras de idade mais avançada é mais exigente e mais vaidoso que há cerca de 15 anos. “Quem compra conosco quer hoje qualidade e não se importa em pagar mais por isso. Quer peças duradouras. São senhoras também atentas às tendências de moda, e que gostam de looks com ar jovem. Elas se cuidam, inclusive, para poder usá-los. Prova disso é que o nosso tamanho mais vendido é o 44. Ou seja, a mulherada está envelhecendo sem tirar o olho da balança. Não quer engordar muito”, afirma.
PARA SER GISELE GRISALHA
Não basta ser bonito para entrar para o seleto time de Adriana Ambrósio e Paulo Zulu na juventude. Meninos e meninas devem atender aos padrões rigorosos de altura, peso, medidas, entre outros critérios, que costumam ser bem cruéis. A boa notícia é que, na maturidade, as exigências do mercado são menos severas. “Não existe um padrão. Tudo vai depender do tipo de profissional que os clientes da agência querem contratar. É claro que não é todo mundo que se candidata a manequim que vai conseguir ser. O idoso passa por teste de seleção como qualquer outro que chega aqui na Bravo!, mas ele não tem que ter tantos centímetros de quadril, tal peso ou tal altura”, esclarece Kátia Minghini. A pronta disposição e disponibilidade para o trabalho, contudo, são quesitos importantes na hora da avaliação.
O cachê pago, segundo a gerente, costuma ser razoável – até mais alto, muitas vezes, que o oferecido a profissionais mais novos. Longe – mas bem longe mesmo – porém, de ser suficiente para levar a vida de Adriana Lima, que faturou em torno de US$ 8 milhões no ano passado, segundo a revista americana Forbes. “É uma segunda renda, mas não conto com ela pra viver. Tenho minha aposentadoria. Pra falar a verdade, faço esse trabalho muito mais por prazer do que por qualquer outro motivo. Se fosse olhar só o retorno financeiro, não me dedicaria a isso – até porque, trabalhar como modelo me trouxe um pouco mais de gastos também. Tenho que me cuidar mais e isso custa caro”, pondera a top Jeanette Polmon.
Rodrigo Nicolato, psicogeriatra/professor do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da UFMG
Como o senhor vê a entrada de idosos no mundo da moda?
Ver idosos engajados em atividades como essa nos mostra que a velhice não é uma etapa de aposentadoria ou de descanso, em que a pessoa não tem mais nada para inventar, criar. O idoso pode ter ainda muito a produzir e a oferecer. Inclusive sua beleza. As senhoras das passarelas nos mostram também como a terceira idade é uma faixa etária muito heterogênea, ao contrário do que se costuma pensar. Costumamos enxergar os velhos de maneira uniforme, como se eles fossem uma massa de pessoas doentes, pacatas, que vivem para esperar a morte. Mas, assim como os jovens e as crianças, os idosos são muito diferentes uns dos outros. Carregam virtudes, características, fraquezas e vontades. E também mudam, adquirem habilidades. Podem, portanto, mesmo a uma altura avançada da vida, ser capazes de dar uma guinada na carreira, aprender um ofício novo, caminhar para a arte, para a moda, para tantas direções.
O senhor acredita que ver idosos em espaços tradicionalmente dominados pelos jovens será cada vez mais comum?
Sim. Acredito que os idosos tendem a colonizar, cada vez mais, os espaços até então tidos como exclusivos da juventude. Mesmo porque, estamos envelhecendo, temos hoje cerca de 32 mil idosos com 100 anos ou mais, por exemplo. As pessoas, assim, hoje permanecem vivas umas boas décadas de suas vidas após os 60 anos, logo querem continuar namorando, vestindo-se bem, trabalhando, sendo vistas, ditando moda.
Que benefícios pode trazer para o idoso a participação em atividades ligadas à moda?
Acredito que entrar para o universo da moda certamente faz muito bem ao idoso. Desfilar, fazer fotos, servir de espelho e modelo a outras pessoas, e até mesmo a outras gerações, com certeza aumenta muito a autoestima dele.
Resgate da autoestima
Mulheres que conseguiram entrar nesse mercado recuperam o amor-próprio, a sensualidade e o senso de utilidade na sociedade
Para senhores e senhoras que acreditam levar jeito para a passarela, já existem cursos de aperfeiçoamento específicos disponíveis. A novidade, infelizmente, ainda não chegou a Belo Horizonte, mas quem estiver disposto a correr atrás do sonho (por que não?!) encontrará no Rio de Janeiro algumas opções. É lá que funciona, por exemplo, a qualificação ministrada pelo produtor Eduardo Araúju. Com duração de 10 meses, a formação inclui aulas de andamento e postura, técnicas de passarela, dicas de maquilagem e expressão corporal.
As participantes podem concorrer ainda em concursos organizados pelo próprio Araúju, que elegem a miss, a rainha e a “rainha das rainhas” da maturidade, numa espécie de Oscar. “O mais bonito de trabalhar com essas senhoras nem é vê-las entrando para o mercado – quando elas conseguem, porque ele se diversificou um pouco, mas ainda é fechado para a terceira idade. É perceber como elas resgatam a autoestima, a sensualidade e o senso de utilidade também. É muito triste o que esse país faz com seus velhos. Eles são tratados como objetos descartáveis quando, na verdade, são tão cheios de todo tipo de beleza. Mas a gente só gosta daquela que enche o olho – e que, ironicamente, é a mais efêmera de todas”, reflete.
DIVAS INSPIRADORAS
Quem se aventura pela carreira de modelo na juventude logo entende que essa é uma profissão semelhante à de atleta: as pessoas entram já com um prazo de validade carimbado na testa. Implacável, a aposentaria vem cedo: geralmente, em torno dos 35 anos. A inglesa Daphne Selfe, de 86 anos, contudo, conseguiu a impressionante façanha de driblar o apetite estrondoso do mundo da moda por carne fresca. A top começou a trabalhar no início dos anos 50, quando ganhou um concurso de beleza promovido por um jornal local. Foi longe. Tem no currículo campanhas para a Dolce & Gabbana, Nivea e outras marcas globais. Hoje, com mais rugas, mas o mesmo poder, segue com agenda lotada, representando esses e outros nomes de peso.
Carmen Dell'Orefice é outro exemplo admirável de alguém que se sobrepôs com incrível grandeza à data de nascimento. De tal maneira que, octogenária, continua seduzindo grandes estilistas e suas grifes, tais como Dior, Gucci, entre outras de renome. No mercado há 70 anos, a americana, que começou a modelar aos 13, recentemente revelou – ou melhor, esnobou: “Tive mais capas nos últimos 15 anos do que em todos os outros anos de minha vida”. Morra de inveja, Gisele Bundchen. Sim, até você.
Impossível também é não sentir uma pontinha de despeito da atriz e modelo Mimi Weddell, morta em 2009, aos 94. Afinal, não é para qualquer um começar a chamar a atenção dos flashes e holofotes aos 65 – e ser eleita, aos 89, a mais bonita nova-iorquina do ano pela revista New York Magazine. Com seu porte longilíneo, a lady era conhecida por seu estilo aristocrático e por sua paixão por chapéus – em seu closet, mantinha mais de 150. Segundo Weddell, isso (sair com chapéus) era “a coisa mais romântica da vida”. Participou de campanhas da Louis Vuitton, da Juicy Couture e da Burberry. Seu espírito elegante continua a inspirar mulheres por todo o mundo.
CAMPANHAS FAMOSAS
Terreno ainda dominado pela juventude, o cenário internacional da moda ainda é extremamente fechado à beleza de quem conta muitas primaveras. Alguns estilistas, entretanto, ousaram quebrar esse padrão, realizando campanhas criativas, delicadas e até chocantes. Confira quem foi.
Ronaldo Fraga
» Em 2009, o estilista mineiro Ronaldo Fraga emocionou a plateia do São Paulo Fashion Week trazendo ao palco idosos e crianças à passarela para apresentar sua coleção de inverno. Inspirada no espetáculo Giz, da companhia Giramundo, a grife montou um cenário de sonhos, com bonecos gigantes e peças de antiquário. Meninos e pessoas mais velhas vestiam as criações de Fraga e carregavam pequenas lousas em que se liam palavras como “linda”, “formosa” e “amor”.
Marc Jacobs
» Esse barbarizou. Em sua campanha outono-inverno 2011, mostrou um senhor completamente nu, com a genitália à
mostra, cercado apenas de balões coloridos.
Missoni
» Ottavio Missoni, fundador da Missoni, comemorou 90 anos em 2011 de forma inusitada. Para celebrar seu aniversário, o italiano protagonizou a campanha de inverno 2011 de sua grife. O estilista faleceria cerca de dois anos depois, em maio de 2013.
Tom Ford
» Em outubro de 2010, foi a vez de o estilista Tom Ford – artista por trás de marcas como a Gucci – quebrar os padrões. Protestando contra o culto à juventude, Ford estampou na capa da revista alemã Madame a modelo americana Carmen Dell'Orefice, de 83 anos.
Eles vão assim
Para além das passarelas e do campo profissional da moda, idosos e idosas fashion têm começado a povoar também a internet – seara dos blogs de moda de rua e estilo. Um dos mais famosos é o Advanced Style, criado pelo americano Ari Seth Cohen. Tudo começou em 2008, quando Ari percebeu senhores e senhoras com senso estético apuradíssimo caminhando pelas ruas de Nova York. Fascinado por tanta criatividade, confiança e autoconhecimento, decidiu percorrer as ruas da Big Apple atrás desses velhinhos, para fotografá-los. Hoje, ele publica não apenas fotos feitas por ele, como também as que recebe de pessoas de diversas partes do mundo.
Outro Tumblr de looks diários que anda bombando na web é o What Ali wore, cuja estrela é Ali, um turco de 85 anos que vive na Alemanha. O mais incrível sobre esse simpático senhor é que, não bastasse o gosto impecável para se vestir, ele também confecciona as próprias roupas. A iniciativa de clicá-lo é de Zoe Spawton, uma garçonete que acompanhava a passagem diária do tiozão pelo estabelecimento em que trabalhava.
O mais bem-humorado vovô fashion da internet, no entanto, talvez seja o chinês Liu Xianping, de 74. Ele virou febre como modelo da loja virtual YueKou, que pertence à sua neta e a outros quatro jovens empreendedores, vestindo roupas femininas. As imagens do catálogo da empresa são cada vez mais compartilhadas nas redes sociais de todo o mundo.