O olhar para os processos subjetivos e inconscientes da mente pode ser objetivo de uns, fuga de outros, indiferença de tantos. A busca pelo autoconhecimento e o aprender a viver com menos peso e mais leveza atraem muitos, ainda que não seja uma decisão fácil. Início de ano é o momento em que muitas pessoas repensam o caminho, buscam respostas e, entre tantas decisões, escolhem fazer terapia. Mas, por onde começar? Psicanálise ou psicoterapia? Qual linha buscar? Freudiana, lacaniana, junguiana ou kleiniana? Terapia cognitivo comportamental, Gestalt ou sistêmica? O que aborda cada uma delas?
Hoje, o Bem Viver pretende despertar uma fagulha em quem pensa fazer terapia, mas não decidiu qual escola de pensamento seguir. É um empurrão também para aquelas que se sentem atraídas, mas não imaginam como começar. Profissionais de várias linhas concordaram em dissipar as dúvidas mais comuns e questões proeminentes. Ao mesmo tempo, alguns ressaltam que, independentemente de qual linha se entregar, o fundamental para ter resultado é a qualidade do relacionamento, confiança, segurança e vínculo criado dentro da sala de terapia, seja qual for o divã.
Inicialmente, Sigmund Freud não fazia distinção entre os termos “psicoterapia” e “psicanálise” e empregava-os indistintamente para caracterizar o método psicológico que criara e, frequentemente, utilizava a expressão terapia psicanalítica como se estabelecendo conexão entre ambas. Posteriormente, percebeu a necessidade de separá-las. O que ocorre é que existe um largo leque de psicoterapias: breve, focal, cognitivo comportamental, psicanalítica (essa é muito próxima da psicanálise) e, muitas vezes, elas se superpõem, sendo difícil diferenciá-las de forma inconteste.
A postura investigativa em relação à autodescoberta é uma decisão pessoal, individual, particular e essencial para degustar a vida com a “garantia” de um percurso sem tantos tombos, apesar de inevitáveis. A médica psiquiatra e psicanalista Marília Brandão Lemos Morais, com formação nas escolas de Freud e Lacan, não segue uma ou outra. Diz sempre que “sigo a psicanálise, que é uma linha que vai além da psicoterapia, que lida com o alívio de sintomas, já que propõe mudança subjetiva frente à sua fantasia fundamental, seus fantasmas”.
Marília enfatiza que na psicanálise não tem definição de tempo, “ele é interno, cada um tem o seu trajeto e não há trilho determinado a priori, cada pessoa descobre onde esse processo vai levar”. E lembra que, “como não alivia sintomas, quem decide fazer psicanálise precisa saber que é um processo doloroso que vai destituí-la de certezas. Hoje, todos estão apressados e, ao se propor à análise, é bom saber que não vai ter um fim em seis meses, com data marcada”. E alerta que “o psicanalista não é juiz, não vai falar o que está certo ou errado. O paciente é livre e por meio do corte do psicanalista ele se confronta com suas questões, ideologias e, ao se desvincular, às vezes, irá perder certezas subjetivas e se questionará mais. E tudo depende do querer continuar e ter responsabilidade própria nas suas escolhas e saber bancá-las”.
COM QUAL VOCÊ SE IDENTIFICA?
Linhas da psicanálise
» Freud – As descobertas da psicanálise à vida mental da pessoa inclui o inconsciente, a sexualidade, os sonhos e a nossa vida interna.
» Lacan – Reformulou as bases da teoria freudiana, com a interação da filosofia e psicanálise.
» Jung – Não se prende ao passado, nem trabalha com as transferências em relação ao outro.
» Melaine Klein – A hipótese principal da terapia kleiniana é de que o psiquismo se origina, em primeiro lugar, da relação do bebê e sua mãe.
Linhas da psicoterapia
» Terapia cognitivo comportamental (TCC) – Abordagem que se baseia na visão teórica de que os sentimentos e os comportamentos do indivíduo estão relacionados ao modo como ele estrutura o mundo por seus pensamentos e crenças.
» Terapia sistêmica – Compreende o indivíduo na relação com seus diversos sistemas (familiar, escola, trabalho, comunidade...) os quais são interdependentes um do outro.
» Gestalt terapia – Orienta o indivíduo para que ele perceba a responsabilidade sobre suas escolhas e alcance atitude mais autônoma e autossustentada
Interlocutor qualificado
Terapia é o espaço para compartilhar dificuldades, promover reflexões, resolver problemas e buscar soluções. Psicóloga da linha TCC e psicanalista freudiana apontam caminhos
Você que ainda está em dúvida sobre fazer ou não terapia, a psicóloga Vânia de Morais, mestre em ciências da saúde e doutora em linguística, enfatiza que buscar uma psicoterapia deveria ser tão simples quanto ir ao médico quando a pessoa não se sente bem e lembra que não é preciso estar passando por uma crise para buscar ajuda terapêutica. “A terapia é um espaço no qual as pessoas podem compartilhar suas dificuldades com um profissional qualificado para ajudá-las a pensar sobre seus problemas e buscar soluções.” Além do compromisso com o sigilo, conversar com um terapeuta é bem diferente de conversar com você mesma ou apelar para seu ciclo de conhecidos, amigos e parentes, que, certamente, “interagem com você conduzidos por afetos, desejos e expectativas a seu respeito e falam a partir do ponto de vista deles. Já o terapeuta busca promover reflexões a partir das premissas do cliente e lidar com as questões trazidas por ele dentro do seu sistema de referências”.
Dentro das várias linhas da psicoterapia, Vânia trabalha em seu consultório com a terapia cognitivo comportamental (TCC), que combina recursos da Terapia Cognitiva, desenvolvida pelo psiquiatra Aaron Beck, com estratégias que promovem mudanças comportamentais. Ela explica que a TCC vai ajudar a pessoa a compreender como suas emoções e comportamentos são influenciados pela maneira como ela pensa e interpreta as situações. “Quando as pessoas entendem que sua percepção não corresponde aos fatos em si, mas a uma interpretação dos fatos, podem dar-se conta de que seus problemas estão relacionados aos padrões cognitivos que estão na base de suas ações, emoções e tomadas de decisão.”
Vânia explica que a psicoterapia é recomendável todas as vezes que a pessoa busca alívio para alguma forma de sofrimento psíquico ou emocional, sejam dificuldades nos relacionamentos afetivos, sociais ou profissionais, medos, quadros de ansiedade ou depressão, dificuldades para tomar decisões ou para sustentá-las, compulsões, oscilações de humor, enfim, algo que cause prejuízo para a vida da pessoa e que ela não consiga encontrar uma saída sozinha. A psicóloga destaca que a psicoterapia tem recursos e ferramentas para isso. “No caso da TCC, buscamos lidar com os problemas diretamente e resolver incômodos pontuais. Isso não significa, obviamente, trabalhar só o problema, já que ele não existe sozinho, mas está conectado a uma rede de significados construída ao longo da vida, que precisa ser revista. No entanto, a TCC é uma forma de terapia focada nas dificuldades atuais vivenciadas pelo paciente.”
ABORDAGEM BREVE
A mestre e doutora esclarece que a terapia cognitivo comportamental (assim como várias outras linhas da terapia) é uma abordagem breve e focal. Vânia enfatiza que “é um trabalho cooperativo, que visa promover a reflexão e o desenvolvimento de habilidades para que a pessoa possa identificar e lidar com os problemas, com as emoções, comportamentos e pensamentos perturbadores. Nosso objetivo é que a pessoa desenvolva recursos para sua autonomia, ou seja, para que ela possa seguir sem o terapeuta”.
Vânia destaca que a terapia é o momento em que a pessoa para “para pensar em como ela pensa. O terapeuta é um guia neste processo, mas é a pessoa quem decide o que é melhor para ela. Às vezes, seguimos, na vida adulta, usando recursos desenvolvidos na infância ou na adolescência, que foram úteis e necessários naquele momento, mas não servem mais para as situações atuais. De alguma forma, não percebemos que a estratégia é inadequada ou desnecessária e não a mudamos. Por isso, a necessidade e a importância de um interlocutor qualificado, que se preparou para ajudar as pessoas a reconhecerem esses padrões e fazer as mudanças apropriadas”.
Refazer a realidade
É preciso coragem e dor para buscar o autoconhecimento, não é fácil e muito menos simples. Com tantos caminhos então, tomar a decisão é tarefa árdua. Saber com qual linha se identifica mais pode levar tempo. Mas é essa a pergunta a ser respondida. É o primeiro passo, até porque, Rosemary do Carmo Vieira, psicanalista de casal, família e individual que trabalha com a linha freudiana, alerta que, apesar de o profissional ter a formação em determinada escola e ter leituras com um ou outro pensamento, no fim a decisão sobre o caminho a tomar é uma escolha subjetiva do candidato à análise (ter conforto diante de determinada abordagem).
Agora, se seu desejo é se descobrir por meio da psicanálise (Sigmund Freud), Rosemary explica que “o pensamento freudiano se baseia nos conteúdos inconscientes, como se fosse a caixa-preta do avião, onde estão os registros da mais precoce idade e, como um espelho, vai refletir na vida afora do sujeito, inscrições que vão estar presentes pelo resto da sua vida”. Ela explica que esses registros vão aparecer em sintomas, sonhos, fantasias, atos falhos, angústias, problemas de relacionamento, dificuldades de lidar com a vida e às vezes reações psicossomáticas.
Rosemary lembra que tem situações focais, com dificuldades específicas, que podem ser tratadas pontualmente. O problema é resolvido e a pessoa vai embora, não precisa passar por um processo analítico. “Quem busca a análise tem uma angústia existencial que sempre retorna. Por exemplo, a pessoa está num relacionamento que se esgota e ela parte para outro indefinidas vezes. Muda de pessoa como se mudasse de problema. Ela pensa que a questão está no outro e não nela e assim vai levando suas demandas para os outros encontros.”
Para quem acha que a psicanálise demora demais e não tem paciência, Rosemary ressalta que a terapia analítica , com o passar do tempo, tenta se adequar ao mundo atual. “A análise de longa duração tem encontrado resistências, as pessoas têm emergência. Não temos varinha mágica ou o poder de mudar os fatos, mas a psicanálise tem se preocupado com o mundo moderno e oferecido meios de lidar com a demanda atual. Assim, hoje, em vez só de uma psicanálise clássica, os psicanalistas têm trabalhado com analise de família, de casais e de grupos.” E se ainda estiver inseguro quanto a encarar ou não uma terapia, a psicanalista esclarece que fazer análise pode não ser confortável, mas “tentamos mostrar que a pessoa já está em sofrimento, mas vai ter retorno e será bom, proveitoso e produtivo refazer aquela realidade tanto interna quanto externamente.”
O ouvir psíquico
Especialistas com abordagem nas escolas Melaine Klein e Carl Gustav Jung dissecam as linhas e exaltam o valor da vida mental sadia para a evolução do ser humano
Quando procurar um terapeuta? Será que falar, falar e falar sobre as questões tão íntimas com um estranho vai resolver? Como saber que preciso fazer análise? Maria Bernadette Biaggi, psicóloga, psicanalista e presidente do Istituto Biaggi – Psicoterapia Psicoanalisi Cultura e Arte Brasil-Italia, instituição especializada no desenvolvimento humano, esclarece que, em geral, as pessoas procuram a ajuda de um profissional em momentos de sofrimento emocional e psíquico devido às turbulências naturais do existir. Diferente dos amigos, que têm função terapêutica e não psicoterapêutica, ela lembra que o profissional mantém um “ouvido no funcionamento psíquico, onde a mente se expressa segundo sua constituição desde as memórias sensoriais da vida intrauterina e onde ocorrem as primeiras sinapses neurais. Todas as nossas vivências são registradas e, em especial as da primeira infância, que serão as matrizes do comportamento futuro”. Ela explica que a mente é um ecossistema equilibrado. Funciona como o oceano. Nele existem todos os tipos de peixe, os feios, coloridos, assassinos, pequenos, grandes. Mas todos circulam e equilibram o sistema natural. “Não existe emoção ruim ou boa, feia ou bela. Todas são necessárias ao equilíbrio psíquico.”
Bernadette, analista que segue a Escola Inglesa das Relações de Objeto de Origem Kleiniana (Melaine Klein), aponta que se alguma situação estressante ou traumática interrompe o fluxo natural da energia libidinal necessária ao crescimento mental, o psiquismo entra em funcionamento defensivo para suportar a dor. “Esses mecanismos psíquicos protegem e defendem o ego (eu) a ponto de causar prejuízos nas relações com o mundo, chegando ao empobrecimento da sua expressão como ser psicossomático (corpo e mente em uníssono). Ele passa a viver aquém do seu potencial e na busca desesperada do preenchimento das suas necessidades de amor e reconhecimento. São essas partes que choram por meio dos sintomas e que levam à busca da psicoterapia.”
A psicanalista diz que fazer análise é “sonhar, imaginar com o paciente o seu mundo interno, num processo fino de lapidar suas emoções, de trazer à consciência o material depositado na memória não declarativa, inconsciente. De posse de si mesmo, já com defesas mais realísticas e apropriadas, ele poderá construir um espaço mental para hospedar a sua mente, suas experiências de vida, sem ter que vomitá-las no mundo ou em si mesmo”. Para Bernadette, a psicanálise focaliza o crescimento mental, e não apenas a mudança de comportamento, e procura restabelecer a qualidade das emoções e da vida mental, “mas que a observação da pessoa se encontrava impedida pela percepção fragmentada do mundo interno e externo”. Para os céticos, desconfiados ou preconceituosos, Bernardette avisa que a terapia não se trata de uma busca inacabada nem conclusões definitivas, mas deve constituir em novas e progressivas aberturas, numa constante interrelação. “Segundo Bion, psicanalista inglês de origem indiana, é o universo em expansão. A análise nos conduz a uma renúncia das ilusões narcísicas, uma saída do autoengano.”
AVANÇO
Diante dos avanços, Bernadette explica que hoje chegou-se a um modelo de campo psicanalítico. “Autores do porte do italiano Antonino Ferro e do americano Thomas Ogden propõem que o analista entre com a sua mente no campo relacional. Assim, o modelo clássico de observação é rompido e o analista é colocado em cena, contribuindo com a própria vida mental às ocorrências dentro da sessão de análise. É nessa proposição que o modelo de campo analítico se constitui. Partimos do modelo arqueológico para um modelo do que surge do encontro entre as duas mentes, analista-analisando, criando um espaço gerador de uma experiência emocional da dupla. O encontro analítico toma a feição de um encontro entre subjetividades. Nesse encontro surge o terceiro, que é narrado pelas participantes. Não se trata de extrair um significado, mas de um interagir na construção de um sentido compartilhado.”
DEPOIMENTO - J.S.T *
“Por dois anos tive experiência com a linha freudiana. Saí porque não senti resultado. Ficava muito incomodada com a pouca intervenção do terapeuta. Deitada no divã, de costas para ele, sem proximidade, relação direta ou olho no olho. Não tinha diálogo. Entendo que a proposta era um momento de reflexão comigo mesma, ele pouco intervinha, mas não me senti bem. E também porque todas as minhas questões eram colocadas como se fosse conflitos da infância. Não achei satisfatório e questionava. Acabei saindo e fiquei longe da terapia por quase três anos, achando que não valeria insistir. No entanto, as mesmas questões que me levaram a procurar a terapia pela primeira vez, me fizeram voltar. Só que agora tinha a certeza de que a interação, o diálogo e a troca seriam fundamentais. Há mais de três anos faço a abordagem junguiana e é gratificante porque sinto a terapeuta mais em pé de igualdade, numa relação mais próxima. Outro ponto é que ela trabalha o inconsciente com a análise dos meus sonhos. Como tenho facilidade em sonhar e lembrar, é bem interessante porque já consegui identificar e solucionar várias questões por meio da interpretação dos sonhos. É uma terapia coletiva, terapeuta e paciente. Acredito que não existe método certo ou errado, mas o que dá as respostas que procura. Você chega a reflexões que nem sequer imagina. É um tempo para pensar em você, a busca do autoconhecimento para lidar com você, com o outro, com a vida”.
* Preferiu não se identificar
Escolhas reais
Quem decide encarar uma psicoterapia precisa acreditar que vale o investimento financeiro e emocional e ter paciência consigo mesmo. O autoconhecimento exige força de vontade e crença em uma ciência cujos resultados poderão, às vezes, demorar a serem vistos. Olinta Fraga, psicóloga clínica com abordagem junguiana, recomenda que as pessoas se permitam experimentar e insistam, pois é da natureza humana resistir a mudanças. “E sem o autoconhecimento a vida fica limitada, você só reage, não age, não há escolhas reais!”
Olinta Fraga diz que a terapia é necessária quando falta entusiasmo nas suas tarefas cotidianas, quando determinados comportamentos frustrantes se repetem, dificuldades nos relacionamentos e diante de transtornos mentais já estabelecidos com enorme sofrimento, como fobias e depressões. Se preferir, a ajuda pode vir da psicologia analítica profunda de Carl Gustav Jung. “O diferencial na psicologia de Jung é a descoberta do inconsciente coletivo, que é a fonte, a matriz de toda a consciência humana. Cada característica de nossa consciência esteve um dia no inconsciente e estão contidos lá muitos potenciais que natural e continuamente se manifestam na consciência, passando a fazer parte desta.”
Para Jung (pronuncia-se iungue), o caminho de realização do ser humano é sair desse bloco coletivo original e se individualizar, isto é, manifestar-se como ser único que é. “As experiências do curso normal da vida nos levam a isso, porém, às vezes, ficamos paralisados por muito tempo numa questão doentia e necessitamos de ajuda especial.” A psicóloga conta que na análise, o terapeuta ao lado do paciente impulsionaria esse processo na identificação das suas sombras, isto é, aquelas partes que ainda não foram integradas à sua consciência, mas que atuam sobre nós e que se manifestam camufladas nas explosões de raiva, ciúme, medo, orgulho, autoritarismo. Ela destaca que, para Jung, os sonhos são extremamente úteis para desatar os “nós” porque expressam crenças e atitudes inconscientes, padrões de relacionamentos. “No processo analítico, por meio do exame reflexivo diário, na avaliação de seus padrões de funcionamento, na análise de seus sonhos, a pessoa acessa esses conteúdos, redireciona-os e os integra à consciência, tornando-se mais coerente em seus atos e escolhas. O paciente dita o seu tempo e até onde pode ir e cabe ao terapeuta sinalizar suas resistências. Acredito que se o momento pessoal é de mergulhar em ‘mares profundos de si mesmo’, a esses somente a análise junguiana será satisfatória.”
Hoje, o Bem Viver pretende despertar uma fagulha em quem pensa fazer terapia, mas não decidiu qual escola de pensamento seguir. É um empurrão também para aquelas que se sentem atraídas, mas não imaginam como começar. Profissionais de várias linhas concordaram em dissipar as dúvidas mais comuns e questões proeminentes. Ao mesmo tempo, alguns ressaltam que, independentemente de qual linha se entregar, o fundamental para ter resultado é a qualidade do relacionamento, confiança, segurança e vínculo criado dentro da sala de terapia, seja qual for o divã.
Inicialmente, Sigmund Freud não fazia distinção entre os termos “psicoterapia” e “psicanálise” e empregava-os indistintamente para caracterizar o método psicológico que criara e, frequentemente, utilizava a expressão terapia psicanalítica como se estabelecendo conexão entre ambas. Posteriormente, percebeu a necessidade de separá-las. O que ocorre é que existe um largo leque de psicoterapias: breve, focal, cognitivo comportamental, psicanalítica (essa é muito próxima da psicanálise) e, muitas vezes, elas se superpõem, sendo difícil diferenciá-las de forma inconteste.
A postura investigativa em relação à autodescoberta é uma decisão pessoal, individual, particular e essencial para degustar a vida com a “garantia” de um percurso sem tantos tombos, apesar de inevitáveis. A médica psiquiatra e psicanalista Marília Brandão Lemos Morais, com formação nas escolas de Freud e Lacan, não segue uma ou outra. Diz sempre que “sigo a psicanálise, que é uma linha que vai além da psicoterapia, que lida com o alívio de sintomas, já que propõe mudança subjetiva frente à sua fantasia fundamental, seus fantasmas”.
Marília enfatiza que na psicanálise não tem definição de tempo, “ele é interno, cada um tem o seu trajeto e não há trilho determinado a priori, cada pessoa descobre onde esse processo vai levar”. E lembra que, “como não alivia sintomas, quem decide fazer psicanálise precisa saber que é um processo doloroso que vai destituí-la de certezas. Hoje, todos estão apressados e, ao se propor à análise, é bom saber que não vai ter um fim em seis meses, com data marcada”. E alerta que “o psicanalista não é juiz, não vai falar o que está certo ou errado. O paciente é livre e por meio do corte do psicanalista ele se confronta com suas questões, ideologias e, ao se desvincular, às vezes, irá perder certezas subjetivas e se questionará mais. E tudo depende do querer continuar e ter responsabilidade própria nas suas escolhas e saber bancá-las”.
COM QUAL VOCÊ SE IDENTIFICA?
Linhas da psicanálise
» Freud – As descobertas da psicanálise à vida mental da pessoa inclui o inconsciente, a sexualidade, os sonhos e a nossa vida interna.
» Lacan – Reformulou as bases da teoria freudiana, com a interação da filosofia e psicanálise.
» Jung – Não se prende ao passado, nem trabalha com as transferências em relação ao outro.
» Melaine Klein – A hipótese principal da terapia kleiniana é de que o psiquismo se origina, em primeiro lugar, da relação do bebê e sua mãe.
Linhas da psicoterapia
» Terapia cognitivo comportamental (TCC) – Abordagem que se baseia na visão teórica de que os sentimentos e os comportamentos do indivíduo estão relacionados ao modo como ele estrutura o mundo por seus pensamentos e crenças.
» Terapia sistêmica – Compreende o indivíduo na relação com seus diversos sistemas (familiar, escola, trabalho, comunidade...) os quais são interdependentes um do outro.
» Gestalt terapia – Orienta o indivíduo para que ele perceba a responsabilidade sobre suas escolhas e alcance atitude mais autônoma e autossustentada
Interlocutor qualificado
Terapia é o espaço para compartilhar dificuldades, promover reflexões, resolver problemas e buscar soluções. Psicóloga da linha TCC e psicanalista freudiana apontam caminhos
Você que ainda está em dúvida sobre fazer ou não terapia, a psicóloga Vânia de Morais, mestre em ciências da saúde e doutora em linguística, enfatiza que buscar uma psicoterapia deveria ser tão simples quanto ir ao médico quando a pessoa não se sente bem e lembra que não é preciso estar passando por uma crise para buscar ajuda terapêutica. “A terapia é um espaço no qual as pessoas podem compartilhar suas dificuldades com um profissional qualificado para ajudá-las a pensar sobre seus problemas e buscar soluções.” Além do compromisso com o sigilo, conversar com um terapeuta é bem diferente de conversar com você mesma ou apelar para seu ciclo de conhecidos, amigos e parentes, que, certamente, “interagem com você conduzidos por afetos, desejos e expectativas a seu respeito e falam a partir do ponto de vista deles. Já o terapeuta busca promover reflexões a partir das premissas do cliente e lidar com as questões trazidas por ele dentro do seu sistema de referências”.
Dentro das várias linhas da psicoterapia, Vânia trabalha em seu consultório com a terapia cognitivo comportamental (TCC), que combina recursos da Terapia Cognitiva, desenvolvida pelo psiquiatra Aaron Beck, com estratégias que promovem mudanças comportamentais. Ela explica que a TCC vai ajudar a pessoa a compreender como suas emoções e comportamentos são influenciados pela maneira como ela pensa e interpreta as situações. “Quando as pessoas entendem que sua percepção não corresponde aos fatos em si, mas a uma interpretação dos fatos, podem dar-se conta de que seus problemas estão relacionados aos padrões cognitivos que estão na base de suas ações, emoções e tomadas de decisão.”
Vânia explica que a psicoterapia é recomendável todas as vezes que a pessoa busca alívio para alguma forma de sofrimento psíquico ou emocional, sejam dificuldades nos relacionamentos afetivos, sociais ou profissionais, medos, quadros de ansiedade ou depressão, dificuldades para tomar decisões ou para sustentá-las, compulsões, oscilações de humor, enfim, algo que cause prejuízo para a vida da pessoa e que ela não consiga encontrar uma saída sozinha. A psicóloga destaca que a psicoterapia tem recursos e ferramentas para isso. “No caso da TCC, buscamos lidar com os problemas diretamente e resolver incômodos pontuais. Isso não significa, obviamente, trabalhar só o problema, já que ele não existe sozinho, mas está conectado a uma rede de significados construída ao longo da vida, que precisa ser revista. No entanto, a TCC é uma forma de terapia focada nas dificuldades atuais vivenciadas pelo paciente.”
ABORDAGEM BREVE
A mestre e doutora esclarece que a terapia cognitivo comportamental (assim como várias outras linhas da terapia) é uma abordagem breve e focal. Vânia enfatiza que “é um trabalho cooperativo, que visa promover a reflexão e o desenvolvimento de habilidades para que a pessoa possa identificar e lidar com os problemas, com as emoções, comportamentos e pensamentos perturbadores. Nosso objetivo é que a pessoa desenvolva recursos para sua autonomia, ou seja, para que ela possa seguir sem o terapeuta”.
Vânia destaca que a terapia é o momento em que a pessoa para “para pensar em como ela pensa. O terapeuta é um guia neste processo, mas é a pessoa quem decide o que é melhor para ela. Às vezes, seguimos, na vida adulta, usando recursos desenvolvidos na infância ou na adolescência, que foram úteis e necessários naquele momento, mas não servem mais para as situações atuais. De alguma forma, não percebemos que a estratégia é inadequada ou desnecessária e não a mudamos. Por isso, a necessidade e a importância de um interlocutor qualificado, que se preparou para ajudar as pessoas a reconhecerem esses padrões e fazer as mudanças apropriadas”.
Refazer a realidade
É preciso coragem e dor para buscar o autoconhecimento, não é fácil e muito menos simples. Com tantos caminhos então, tomar a decisão é tarefa árdua. Saber com qual linha se identifica mais pode levar tempo. Mas é essa a pergunta a ser respondida. É o primeiro passo, até porque, Rosemary do Carmo Vieira, psicanalista de casal, família e individual que trabalha com a linha freudiana, alerta que, apesar de o profissional ter a formação em determinada escola e ter leituras com um ou outro pensamento, no fim a decisão sobre o caminho a tomar é uma escolha subjetiva do candidato à análise (ter conforto diante de determinada abordagem).
Agora, se seu desejo é se descobrir por meio da psicanálise (Sigmund Freud), Rosemary explica que “o pensamento freudiano se baseia nos conteúdos inconscientes, como se fosse a caixa-preta do avião, onde estão os registros da mais precoce idade e, como um espelho, vai refletir na vida afora do sujeito, inscrições que vão estar presentes pelo resto da sua vida”. Ela explica que esses registros vão aparecer em sintomas, sonhos, fantasias, atos falhos, angústias, problemas de relacionamento, dificuldades de lidar com a vida e às vezes reações psicossomáticas.
Rosemary lembra que tem situações focais, com dificuldades específicas, que podem ser tratadas pontualmente. O problema é resolvido e a pessoa vai embora, não precisa passar por um processo analítico. “Quem busca a análise tem uma angústia existencial que sempre retorna. Por exemplo, a pessoa está num relacionamento que se esgota e ela parte para outro indefinidas vezes. Muda de pessoa como se mudasse de problema. Ela pensa que a questão está no outro e não nela e assim vai levando suas demandas para os outros encontros.”
Para quem acha que a psicanálise demora demais e não tem paciência, Rosemary ressalta que a terapia analítica , com o passar do tempo, tenta se adequar ao mundo atual. “A análise de longa duração tem encontrado resistências, as pessoas têm emergência. Não temos varinha mágica ou o poder de mudar os fatos, mas a psicanálise tem se preocupado com o mundo moderno e oferecido meios de lidar com a demanda atual. Assim, hoje, em vez só de uma psicanálise clássica, os psicanalistas têm trabalhado com analise de família, de casais e de grupos.” E se ainda estiver inseguro quanto a encarar ou não uma terapia, a psicanalista esclarece que fazer análise pode não ser confortável, mas “tentamos mostrar que a pessoa já está em sofrimento, mas vai ter retorno e será bom, proveitoso e produtivo refazer aquela realidade tanto interna quanto externamente.”
O ouvir psíquico
Especialistas com abordagem nas escolas Melaine Klein e Carl Gustav Jung dissecam as linhas e exaltam o valor da vida mental sadia para a evolução do ser humano
Quando procurar um terapeuta? Será que falar, falar e falar sobre as questões tão íntimas com um estranho vai resolver? Como saber que preciso fazer análise? Maria Bernadette Biaggi, psicóloga, psicanalista e presidente do Istituto Biaggi – Psicoterapia Psicoanalisi Cultura e Arte Brasil-Italia, instituição especializada no desenvolvimento humano, esclarece que, em geral, as pessoas procuram a ajuda de um profissional em momentos de sofrimento emocional e psíquico devido às turbulências naturais do existir. Diferente dos amigos, que têm função terapêutica e não psicoterapêutica, ela lembra que o profissional mantém um “ouvido no funcionamento psíquico, onde a mente se expressa segundo sua constituição desde as memórias sensoriais da vida intrauterina e onde ocorrem as primeiras sinapses neurais. Todas as nossas vivências são registradas e, em especial as da primeira infância, que serão as matrizes do comportamento futuro”. Ela explica que a mente é um ecossistema equilibrado. Funciona como o oceano. Nele existem todos os tipos de peixe, os feios, coloridos, assassinos, pequenos, grandes. Mas todos circulam e equilibram o sistema natural. “Não existe emoção ruim ou boa, feia ou bela. Todas são necessárias ao equilíbrio psíquico.”
Bernadette, analista que segue a Escola Inglesa das Relações de Objeto de Origem Kleiniana (Melaine Klein), aponta que se alguma situação estressante ou traumática interrompe o fluxo natural da energia libidinal necessária ao crescimento mental, o psiquismo entra em funcionamento defensivo para suportar a dor. “Esses mecanismos psíquicos protegem e defendem o ego (eu) a ponto de causar prejuízos nas relações com o mundo, chegando ao empobrecimento da sua expressão como ser psicossomático (corpo e mente em uníssono). Ele passa a viver aquém do seu potencial e na busca desesperada do preenchimento das suas necessidades de amor e reconhecimento. São essas partes que choram por meio dos sintomas e que levam à busca da psicoterapia.”
A psicanalista diz que fazer análise é “sonhar, imaginar com o paciente o seu mundo interno, num processo fino de lapidar suas emoções, de trazer à consciência o material depositado na memória não declarativa, inconsciente. De posse de si mesmo, já com defesas mais realísticas e apropriadas, ele poderá construir um espaço mental para hospedar a sua mente, suas experiências de vida, sem ter que vomitá-las no mundo ou em si mesmo”. Para Bernadette, a psicanálise focaliza o crescimento mental, e não apenas a mudança de comportamento, e procura restabelecer a qualidade das emoções e da vida mental, “mas que a observação da pessoa se encontrava impedida pela percepção fragmentada do mundo interno e externo”. Para os céticos, desconfiados ou preconceituosos, Bernardette avisa que a terapia não se trata de uma busca inacabada nem conclusões definitivas, mas deve constituir em novas e progressivas aberturas, numa constante interrelação. “Segundo Bion, psicanalista inglês de origem indiana, é o universo em expansão. A análise nos conduz a uma renúncia das ilusões narcísicas, uma saída do autoengano.”
AVANÇO
Diante dos avanços, Bernadette explica que hoje chegou-se a um modelo de campo psicanalítico. “Autores do porte do italiano Antonino Ferro e do americano Thomas Ogden propõem que o analista entre com a sua mente no campo relacional. Assim, o modelo clássico de observação é rompido e o analista é colocado em cena, contribuindo com a própria vida mental às ocorrências dentro da sessão de análise. É nessa proposição que o modelo de campo analítico se constitui. Partimos do modelo arqueológico para um modelo do que surge do encontro entre as duas mentes, analista-analisando, criando um espaço gerador de uma experiência emocional da dupla. O encontro analítico toma a feição de um encontro entre subjetividades. Nesse encontro surge o terceiro, que é narrado pelas participantes. Não se trata de extrair um significado, mas de um interagir na construção de um sentido compartilhado.”
DEPOIMENTO - J.S.T *
“Por dois anos tive experiência com a linha freudiana. Saí porque não senti resultado. Ficava muito incomodada com a pouca intervenção do terapeuta. Deitada no divã, de costas para ele, sem proximidade, relação direta ou olho no olho. Não tinha diálogo. Entendo que a proposta era um momento de reflexão comigo mesma, ele pouco intervinha, mas não me senti bem. E também porque todas as minhas questões eram colocadas como se fosse conflitos da infância. Não achei satisfatório e questionava. Acabei saindo e fiquei longe da terapia por quase três anos, achando que não valeria insistir. No entanto, as mesmas questões que me levaram a procurar a terapia pela primeira vez, me fizeram voltar. Só que agora tinha a certeza de que a interação, o diálogo e a troca seriam fundamentais. Há mais de três anos faço a abordagem junguiana e é gratificante porque sinto a terapeuta mais em pé de igualdade, numa relação mais próxima. Outro ponto é que ela trabalha o inconsciente com a análise dos meus sonhos. Como tenho facilidade em sonhar e lembrar, é bem interessante porque já consegui identificar e solucionar várias questões por meio da interpretação dos sonhos. É uma terapia coletiva, terapeuta e paciente. Acredito que não existe método certo ou errado, mas o que dá as respostas que procura. Você chega a reflexões que nem sequer imagina. É um tempo para pensar em você, a busca do autoconhecimento para lidar com você, com o outro, com a vida”.
* Preferiu não se identificar
Escolhas reais
Quem decide encarar uma psicoterapia precisa acreditar que vale o investimento financeiro e emocional e ter paciência consigo mesmo. O autoconhecimento exige força de vontade e crença em uma ciência cujos resultados poderão, às vezes, demorar a serem vistos. Olinta Fraga, psicóloga clínica com abordagem junguiana, recomenda que as pessoas se permitam experimentar e insistam, pois é da natureza humana resistir a mudanças. “E sem o autoconhecimento a vida fica limitada, você só reage, não age, não há escolhas reais!”
Olinta Fraga diz que a terapia é necessária quando falta entusiasmo nas suas tarefas cotidianas, quando determinados comportamentos frustrantes se repetem, dificuldades nos relacionamentos e diante de transtornos mentais já estabelecidos com enorme sofrimento, como fobias e depressões. Se preferir, a ajuda pode vir da psicologia analítica profunda de Carl Gustav Jung. “O diferencial na psicologia de Jung é a descoberta do inconsciente coletivo, que é a fonte, a matriz de toda a consciência humana. Cada característica de nossa consciência esteve um dia no inconsciente e estão contidos lá muitos potenciais que natural e continuamente se manifestam na consciência, passando a fazer parte desta.”
Para Jung (pronuncia-se iungue), o caminho de realização do ser humano é sair desse bloco coletivo original e se individualizar, isto é, manifestar-se como ser único que é. “As experiências do curso normal da vida nos levam a isso, porém, às vezes, ficamos paralisados por muito tempo numa questão doentia e necessitamos de ajuda especial.” A psicóloga conta que na análise, o terapeuta ao lado do paciente impulsionaria esse processo na identificação das suas sombras, isto é, aquelas partes que ainda não foram integradas à sua consciência, mas que atuam sobre nós e que se manifestam camufladas nas explosões de raiva, ciúme, medo, orgulho, autoritarismo. Ela destaca que, para Jung, os sonhos são extremamente úteis para desatar os “nós” porque expressam crenças e atitudes inconscientes, padrões de relacionamentos. “No processo analítico, por meio do exame reflexivo diário, na avaliação de seus padrões de funcionamento, na análise de seus sonhos, a pessoa acessa esses conteúdos, redireciona-os e os integra à consciência, tornando-se mais coerente em seus atos e escolhas. O paciente dita o seu tempo e até onde pode ir e cabe ao terapeuta sinalizar suas resistências. Acredito que se o momento pessoal é de mergulhar em ‘mares profundos de si mesmo’, a esses somente a análise junguiana será satisfatória.”