Estudos indicam que agressividade de tumores varia conforme as raças

As negras, por exemplo, morrem mais de problema nas mamas. Faltam, porém, explicações moleculares para essas disparidades

por Bruna Sensêve 20/01/2015 10:33

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Um tumor é o crescimento anormal de células em um determinado tecido do corpo. Pode ser benigno e não oferecer ameaça à vida, ou maligno, também chamado de câncer. Como as células começam a se desenvolver dessa forma e o que motiva o processo ainda intrigam os cientistas. Mas uma coisa é certa para quase todos os tipos de cancro: o peso da herança genética. Ter mãe, tia ou uma prima com diagnóstico de câncer de mama, por exemplo, serve de alerta para que a mulher busque um acompanhamento preventivo minucioso. Se essa é uma verdade nas relações entre famílias, quanto também não une uma população, uma cultura ou uma etnia? Em busca de intervenções mais efetivas, pesquisadores estudam possíveis disparidades raciais e étnicas na incidência, na agressividade e até mesmo no tratamento de doenças como o câncer.

Homens afro-americanos têm uma vez e meia mais chance de desenvolver o câncer de próstata e a probabilidade duas vezes maior de morrer da doença se comparados aos brancos não hispânicos
Centenas de trabalhos científicos, produzidos especialmente na América do Norte, mostram uma diferença na maneira com que os tumores malignos podem reagir de acordo com a informação genética herdada por determinada população étnica. Essas informações, na maioria das vezes, também refletem o estilo de vida, os hábitos culturais ou ainda as condições de acesso a um sistema de saúde de qualidade. Maria Paula Curado, epidemiologista do Centro Internacional de Pesquisa do A.C.Camargo Cancer Center, observa, porém, que ainda não há estudos que certifiquem a existência de um fator fisiológico específico para a ocorrência da doença em determinada etnia. “Sabemos que a suscetibilidade é diferente. Isso do ponto de vista epidemiológico e sociodemográfico, mas não do ponto de vista molecular.”

De acordo com a Associação Americana de Pesquisa para o Câncer, as mulheres brancas têm as maiores taxas de incidência da doença em geral, mas as negras morrem mais em decorrência dela. O mesmo cenário ocorre com os homens. Curado não sabe dizer se existe a confirmação desses dados entre a população brasileira pela mistura das raças, mas fazer parte de um grupo étnico deve ser um fator considerado no momento de avaliar o risco de um paciente para algum tipo de tumor maligno, ressalta a especialista.

Os japoneses, por exemplo, têm incidência maior de câncer de estômago, mal ligado à infecção pela bactéria Helicobacter pylori e pela alta ingestão de sódio. O mineral é muito utilizado para a preservação de alimentos e está presente em altíssima quantidade no shoyo, tempero típico da culinária oriental. “A mulher japonesa tem incidência baixa de câncer de mama se comparada às europeias. Porém, a ocidentalização dos comportamentos faz com que os números comecem a se aproximar”, diz a epidemiologista.

As nações em desenvolvimento têm maiores índices de tumores ligados a infecções, como o de colo uterino, causado principalmente pelo papiloma vírus humano (HPV). “Sabemos bem que o nível socioeconômico é um fator a ser considerado e influencia no prognóstico. Também sabemos que o acesso ao tratamento pode piorar o prognóstico, pois pessoas com nível econômico mais baixo têm maior dificuldade de acesso às terapias e até ao diagnóstico precoce”, diz Curado.

FATORES SOCIAIS
Pesquisa recente mostrou que os homens afro-americanos têm uma vez e meia mais chance de desenvolver o câncer de próstata e a probabilidade duas vezes maior de morrer da doença se comparados aos brancos não hispânicos. “As causas da disparidade dessa doença são numerosas, complexas, muitas vezes inter-relacionadas e só parcialmente compreendidas”, enumera David P. Turner, professor assistente no Departamento de Patologia e Medicina Laboratorial da Universidade Médica da Carolina do Sul, nos EUA. Parte dos estudos de Turner, no entanto, aposta na força dos fatores socioeconômicos e aponta para uma ligação biológica que justifique a relação deles com os que conhecidamente contribuem para o desenvolvimento do câncer.

Segundo o cientista, o corpo usa os açúcares ingeridos para produzir energia e gera resíduos nesse processo, incluindo moléculas chamadas produtos finais de glicação avançada (AGEs). Elas se acumulam naturalmente no tecido corporal humano ao longo dos anos e têm sido associadas a doenças do envelhecimento, como diabetes e Alzheimer. As AGEs também podem causar aumento da inflamação e gerar produtos químicos potencialmente nocivos, conhecidos como espécies de oxigênio reativas – ambas as situações promovem o câncer.

Seguindo essa linha, Turner descobriu a ocorrência de nível mais alto dessas moléculas em homens negros com câncer de próstata. “Como a obesidade, os maus hábitos alimentares e um estilo de vida sedentário promovem a acumulação de AGEs, e esses fatores são mais evidentes em afro-americanos, temos a hipótese de que existe uma relação entre esses fatores que pode ajudar a explicar por que esses homens são mais propensos a desenvolver o tumor e morrer em decorrência dele”, detalha.