Centenas de trabalhos científicos, produzidos especialmente na América do Norte, mostram uma diferença na maneira com que os tumores malignos podem reagir de acordo com a informação genética herdada por determinada população étnica. Essas informações, na maioria das vezes, também refletem o estilo de vida, os hábitos culturais ou ainda as condições de acesso a um sistema de saúde de qualidade. Maria Paula Curado, epidemiologista do Centro Internacional de Pesquisa do A.C.Camargo Cancer Center, observa, porém, que ainda não há estudos que certifiquem a existência de um fator fisiológico específico para a ocorrência da doença em determinada etnia. “Sabemos que a suscetibilidade é diferente. Isso do ponto de vista epidemiológico e sociodemográfico, mas não do ponto de vista molecular.”
De acordo com a Associação Americana de Pesquisa para o Câncer, as mulheres brancas têm as maiores taxas de incidência da doença em geral, mas as negras morrem mais em decorrência dela. O mesmo cenário ocorre com os homens. Curado não sabe dizer se existe a confirmação desses dados entre a população brasileira pela mistura das raças, mas fazer parte de um grupo étnico deve ser um fator considerado no momento de avaliar o risco de um paciente para algum tipo de tumor maligno, ressalta a especialista.
Os japoneses, por exemplo, têm incidência maior de câncer de estômago, mal ligado à infecção pela bactéria Helicobacter pylori e pela alta ingestão de sódio. O mineral é muito utilizado para a preservação de alimentos e está presente em altíssima quantidade no shoyo, tempero típico da culinária oriental. “A mulher japonesa tem incidência baixa de câncer de mama se comparada às europeias. Porém, a ocidentalização dos comportamentos faz com que os números comecem a se aproximar”, diz a epidemiologista.
As nações em desenvolvimento têm maiores índices de tumores ligados a infecções, como o de colo uterino, causado principalmente pelo papiloma vírus humano (HPV). “Sabemos bem que o nível socioeconômico é um fator a ser considerado e influencia no prognóstico. Também sabemos que o acesso ao tratamento pode piorar o prognóstico, pois pessoas com nível econômico mais baixo têm maior dificuldade de acesso às terapias e até ao diagnóstico precoce”, diz Curado.
FATORES SOCIAIS
Pesquisa recente mostrou que os homens afro-americanos têm uma vez e meia mais chance de desenvolver o câncer de próstata e a probabilidade duas vezes maior de morrer da doença se comparados aos brancos não hispânicos. “As causas da disparidade dessa doença são numerosas, complexas, muitas vezes inter-relacionadas e só parcialmente compreendidas”, enumera David P. Turner, professor assistente no Departamento de Patologia e Medicina Laboratorial da Universidade Médica da Carolina do Sul, nos EUA. Parte dos estudos de Turner, no entanto, aposta na força dos fatores socioeconômicos e aponta para uma ligação biológica que justifique a relação deles com os que conhecidamente contribuem para o desenvolvimento do câncer.
Segundo o cientista, o corpo usa os açúcares ingeridos para produzir energia e gera resíduos nesse processo, incluindo moléculas chamadas produtos finais de glicação avançada (AGEs). Elas se acumulam naturalmente no tecido corporal humano ao longo dos anos e têm sido associadas a doenças do envelhecimento, como diabetes e Alzheimer. As AGEs também podem causar aumento da inflamação e gerar produtos químicos potencialmente nocivos, conhecidos como espécies de oxigênio reativas – ambas as situações promovem o câncer.
Seguindo essa linha, Turner descobriu a ocorrência de nível mais alto dessas moléculas em homens negros com câncer de próstata. “Como a obesidade, os maus hábitos alimentares e um estilo de vida sedentário promovem a acumulação de AGEs, e esses fatores são mais evidentes em afro-americanos, temos a hipótese de que existe uma relação entre esses fatores que pode ajudar a explicar por que esses homens são mais propensos a desenvolver o tumor e morrer em decorrência dele”, detalha.