Não há pesquisa que indique como as mulheres brasileiras enxergam o momento de dar à luz, mas os dados referentes ao nascimento de bebês no país sugerem que o medo e a falta de informação podem ser grandes influenciadores dessa decisão. Os números são estarrecedores: 84% dos partos feitos na rede privada e 40% dos realizados na rede pública são cesáreas. Ambos os números estão bem acima dos 15% recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Com a intenção de reverter esse quadro considerado epidêmico o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Saúde (ANS) publicaram na última quarta-feira novas regras para estimular o parto normal.
O medo é apenas um dos fatores que pode estar levando as mulheres na direção oposta do parto normal. “Parto com muita intervenção é causa de sofrimento para a mulher e em uma cultura assim, ele se torna um momento de horror”, afirma a pediatra e coordenadora da Comissão Perinatal e dos Comitês de Prevenção de Óbito Materno e Infantil da Secretaria de Saúde de Belo Horizonte Sônia Lansky. Entre as principais causas de violência obstétrica estão a episiotomia (corte entre a vagina e ânus), registrada em 53,5% dos partos vaginais no Brasil, e o uso exacerbado de ocitocina sintética para agilizar o trabalho de parto, que traz malefícios na hora para a mulher e posteriores para a criança.
Outro fator é a influência médica. De acordo com a pediatra, apenas três a cada dez mulheres começa a gravidez considerando a cesariana, mas oito delas acabam optando por esse tipo de parto. O que as faz tender para a cesariana? A ideia de um parto cercado de sofrimento é considerada como um dos motivos para a mudança, no entanto, ela não descarta que, em vários casos, existe sim o estímulo do profissional motivado por interesses não médicos, seja a comodidade ou o financeiro.
Mesmo diante desses desafios, Lansky é otimista em relação às novas regras referentes ao nascimento no Brasil. “Acho que elas podem sim ajudar no estímulo ao parto normal. O fato do assunto agora estar na mídia e ser discutido pela sociedade mostra que a cesariana, como se faz, é um problema grave de saúde publica. Só de se fazer essa medida já alerta a população de que isso não está adequado”, pontua.
A nova resolução traz, entre outras coisas, mais transparência sobre as práticas de hospitais e médicos. Ela determina que a mulher atendida por médicos de planos de saúde poderá solicitar e ter acesso, em até 15 dias, ao índice de partos normais e cesáreos feitos pelo profissional, hospital ou plano. Caso não entreguem os dados no período determinado, as operadoras dos convênios arcam com multa de R$ 25 mil.
Outra mudança trazida pela nova resolução é a obrigatoriedade das operadoras fornecerem o cartão da gestante, de acordo com padrão definido pelo Ministério da Saúde, no qual deverá constar o registro de todo o pré-natal.
Para evitar cesáreas desnecessárias, também será obrigatória a apresentação do partograma — relatório gráfico sobre o que acontece durante o trabalho de parto — para pagamento do procedimento ao profissional. Se não entregar, o médico deverá justificar ao plano a ausência do documento.
O presidente da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), Etelvino Trindade, elogia as iniciativas, mas diz que alguns pontos devem ser discutidos. “A informação do índice de partos pode expor os médicos e deveria ser analisada em contexto. Ela pode ser injusta. Um hospital com tecnologia mais adequada para receber pacientes de maior complexidade, por exemplo, deve ter mais cesarianas”, diz.
A cesariana, quando não tem indicação médica, ocasiona riscos desnecessários à saúde da mulher e do bebê: aumenta em 120 vezes a probabilidade de problemas respiratórios para o recém-nascido e triplica o risco de morte da mãe. Cerca de 25% dos óbitos neonatais e 16% dos óbitos infantis no Brasil estão relacionados a prematuridade.
Nova cultura
Historicamente, a ausência de um sistema regulatório efetivo era tido como um dos principais complicadores no incentivo ao parto normal, assim como o papel referencial de orientação da classe profissional. Com as novas regras focadas nesses dois fatores, a expectativa é de melhorias. No entanto, a mudança na cultura das brasileiras é fundamental para a reversão da quantidade de cesarianas.
Para tanto, uma questão, das tantas que rodeiam o assunto, merece ser repetida entre as mulheres: por que não fazer um parto normal? Em outras culturas que reconheceram os riscos da cesariana esse questionamento já é natural. “Aqui as mulheres ainda acham um conforto ter tudo organizado como se a gente pudesse oferecer o momento de nascer algo planejado e não respeitar a natureza do bebê. Fazer cesariana aqui é ainda visto como um status”, pondera Sônia Lansky. “Temos uma série de coisas para mudar, entre elas a garantia de que a mulher seja a protagonista no parto. Isso foi retirado dela e colocado no profissional de saúde, fazendo o parto passar a ser um ato cirúrgico e não um ato de poder da mulher”, completa.