Árvores, canteiros de flores e um banco na sombra. A imagem de uma praça na cabeça de uma criança, adulto ou idoso não será muito diferente disso. Seja onde ela estiver. A diferença é que alguns países sabem aproveitar melhor esse espaço público. Diferente daqui, onde a regra é não pisar na grama, por lá as pessoas não só almoçam como tiram um cochilinho depois. Incentivar o contato das crianças com esses espaços públicos é uma esperança de que um dia experimentemos essa mesma realidade.
Esse direito à cidade faz bem. Para o sociólogo e urbanista Robert Park, a cidade é a tentativa mais bem-sucedida do homem de refazer o mundo em que vive mais de acordo com os desejos do seu coração. Mas, se a cidade é o mundo que o homem criou, é também o mundo onde ele está condenado a viver daqui por diante. Assim, indiretamente, e sem ter nenhuma noção clara da natureza da sua tarefa, ao fazer a cidade o homem refez a si mesmo.
Park também vê a vizinhança como uma das formas mais estreitas de sociabilidade. É nela que podem se firmar sentimentos de amizade, de solidariedade, de lazer. Os parques e praças são promotores dessa sociabilidade ao permitir os encontros entre vizinhos, mesmo que desconhecidos. Ali, as crianças se unem para o futebol, negociam a ordem de quem desce primeiro no escorregador e, mesmo pequenas, acabam constituindo suas relações de vizinhança e diversas possibilidades de encontros mais próximos.
Nesse contexto, a cidade e o bairro se tornam palco para o surgimento de possibilidades, ações e reações dos indivíduos que neles estão, onde o outro da relação se faz presente como modelador das práticas sociais. O passeio matinal com o bebê pela vizinhança cria laços entre as mães, babás e, futuramente, entre as próprias crianças. Mais que isso. O contato precoce com o espaço público será essencial para criar valores de respeito à natureza e ao direito do outro.
Mas para a publicitária Flávia Pelegrini, uma das idealizadoras do blog Na Pracinha, falta mais consciência de pais e responsáveis de que praças e parques são uma opção de lazer para as crianças por permitir que elas explorem a criatividade e a curiosidade, gastem energia e se divirtam. “Muitas vezes, preferem fazer ‘passeios’ indoor com os filhos, em lugares com vários estímulos eletrônicos que podem inibir a criatividade das crianças, mas deixá-las quietas, ou incentivar o consumismo infantil”, afirma.
Pensando nas férias, mas principalmente na consolidação de novas formas de interação com o lado de fora, o Bem Viver ouviu especialistas e pessoas envolvidas com a promoção do brincar ao ar livre. A edição traz ainda uma lista com sugestões de parques e praças para curtir a capital mineira. Pegue a vovó pelo braço e passe uma tarde ouvindo boas histórias no banco da pracinha. Escolha um bom livro e vá curtir sombra e brisa. Relembre sua própria infância ao embalar seu filho em uma gangorra por aí.
Diversão compartilhada
Blog idealizado por mães incentiva o brincar lúdico, simples e em família para resgatar a essência da infância. Movimento tem estimulado a diversão em parques e praças da capital mineira
Elas eram mães de primeira viagem. Experimentavam, no mesmo momento, as delícias e as preocupações da maternidade. Entre elas, o desejo de que as filhas tivessem uma infância lúdica. Juntas, trocavam dicas da rotina de ser mãe e assim tiveram a ideia de fazer um blog que falava, entre outras coisas, de opções de passeios pela cidade. Assim as publicitárias Flávia Pellegrini, de 34 anos, mãe de Cecília, de 4, e Olívia, de 4 meses; e Miriam Barreto, também de 34, mãe da Sara, de 3, e à espera de Raul, criaram o Na Pracinha (www.napracinha.com.br).
“Belo Horizonte não tinha um blog com o perfil que imaginamos e passamos a publicar essas dicas virtualmente. Do espaço virtual, por uma demanda dos próprios leitores, o blog passou para os encontros ao ar livre realizados mensalmente”, lembra Miriam. A proposta é valorizar o brincar ao ar livre, lá fora. “Incentivamos uma infância livre, curtida em família pelos espaços públicos e culturais da capital mineira”, defende Miriam, que quando criança brincou em parques e praças, mas não com a mesma frequência que a filha hoje. Sinal de que não serve a desculpa de “no passado era mais tranquilo”.
Ela lembra que na época, para sua mãe, que tinha seis filhos, era complicado administrar o tempo. “Minha filha certamente aproveita muito mais os espaços públicos hoje do que eu quando pequena”, conta Miriam, que passou a frequentar as praças e parques depois do nascimento da filha. Como para a maioria das mães, começou com a necessidade de tomar um solzinho e foi aumentando à medida que ela descobria o quanto era agradável, não só para Sara, mas para a interação de toda a família. Hoje, esse é um dos programas dos fins de semana.
Os locais mais frequentados são os próximos de casa, caso da Praça Floriano Peixoto, uma das mais bem conservadas de BH. Mas em função do blog, ela circula por outros espaços. Recentemente, esteve no Barreiro, no Parque das Águas. “O contato com a natureza é o principal atrativo. O fato de não estar entre quatro paredes e ter liberdade é maravilhoso. Brinco com minha filha, empurro-a no balanço, acompanho-a no escorregador, incentivo outras brincadeiras, como bola, pique, incentivo também a sua interação com outras crianças. E, além disso, converso com outras mães, dividindo dicas.”
ROTINA SAUDÁVEL
Já Flávia cresceu brincando na rua - mesmo morando em BH - em parques e praças. “Tenho excelentes memórias dessa época. Minha mãe tinha como hábito levar os filhos para a pracinha do bairro, o Cidade Nova, diariamente, salvo os dias chuvosos. Nos fins de semana, meus pais nos levavam ao parque municipal. Frequentei muito também os parques Lagoa do Nado e o Marcos Mazzoni”, lembra Flávia, que gosta de dizer que foi uma criança de praça, hábito que perdurou até a adolescência, e com o Na pracinha manteve-se forte.
Brincar ao ar livre, em sua opinião, faz bem para o físico, para o psíquico e para o comportamento da criança, além de fortalecer o vínculo com pais ou responsáveis. “Mas é de extrema importância que a sociedade entenda que o parque e a praça pertencem a ela, e que também é de sua responsabilidade a conservação desses ambientes. Ao levar o seu filho para passear em um local público, ensine-o a conservá-lo, a respeitá-lo, não deteriorando os brinquedos, os bancos, não estragando o gramado, os jardins e, principalmente, descartando o lixo de forma adequada”, reforça.
MENOS CONSUMISMO
Brincar ao ar livre é saudável, econômico, ecológico, distancia as crianças das telas e do foco no consumo. Para a especialista em educação ambiental e para o consumo Desirée Ruas, membro do Movimento Consciência e Consumo e da Rede Brasileira Infância e Consumo (Rebrinc), as crianças estão brincando pouco por causa do apelo tecnológico. “Muitos jogos eletrônicos e conteúdos televisivos incentivam cada vez mais o consumismo infantil, um problema de toda a sociedade, pois vai em direção oposta à sustentabilidade, além de desrespeitar a infância. Infelizmente, o lazer das famílias está atrelado a compras e gastos, com intenso bombardeio mercadológico sobre as crianças”, lamenta.
Mas de que lazer a criança precisa? Para Desirée, o brincar não depende de consumo, e a praça e o parque mostram isso. “O acesso gratuito democratiza a diversão e ensina outros valores. Não importa muito o brinquedo tecnológico que a criança ganhou no último Natal, mas sua capacidade de interagir, conviver e criar brincadeiras com os elementos que estão ali”, acredita. O movimento de reocupação desses espaços está relacionado à busca do ambiente que não há mais nas residências brasileiras, porque cada vez mais famílias vivem em apartamentos ou em casas sem quintais. “Nas praças e parques, elas podem correr e se movimentar com liberdade. Em frente às telas, elas deixam de interagir com o mundo real.”
Além disso, há pouco contato entre os vizinhos e, às vezes, não há crianças na mesma faixa etária nos prédios. Segundo Desirée, na praça e no parque as crianças podem se encontrar e exercitar, o que é fundamental para a infância: brincar de forma livre e criativa. “Esses espaços ensinam a respeitar e a compartilhar. Os brinquedos que lá estão são para uso coletivo e de forma gratuita. As crianças devem usá-los com responsabilidade e respeito, lembrando que outra criança vai usá-los em seguida. E esse aprendizado ocorre na própria brincadeira, porque a criança entende aquele espaço como algo que ela pode usar, mas não pode danificar. E o que se aprende ali pode ser repetido em outros espaços”, explica.
Os parques e praças, quando seguros, bem cuidados e bem equipados, permitem que as crianças ainda estabeleçam um vínculo com seu bairro ou cidade. “Cria-se um sentimento de pertencimento”. A Rebrinc (www.rebrinc.com.br) incentiva a reflexão sobre a criança e o consumo, o que inclui o direito de a criança ser criança. “Uma cidade que não garante espaços adequados para elas não respeita a infância. Toda a sociedade tem que reivindicar a proteção da infância, que também significa garantir espaços para brincar, aprender e se divertir. E quando temos cultura e arte associadas aos espaços públicos fica ainda mais completo o lazer, não apenas da criança mas de toda a família”, diz a especialista.
Esse direito à cidade faz bem. Para o sociólogo e urbanista Robert Park, a cidade é a tentativa mais bem-sucedida do homem de refazer o mundo em que vive mais de acordo com os desejos do seu coração. Mas, se a cidade é o mundo que o homem criou, é também o mundo onde ele está condenado a viver daqui por diante. Assim, indiretamente, e sem ter nenhuma noção clara da natureza da sua tarefa, ao fazer a cidade o homem refez a si mesmo.
Park também vê a vizinhança como uma das formas mais estreitas de sociabilidade. É nela que podem se firmar sentimentos de amizade, de solidariedade, de lazer. Os parques e praças são promotores dessa sociabilidade ao permitir os encontros entre vizinhos, mesmo que desconhecidos. Ali, as crianças se unem para o futebol, negociam a ordem de quem desce primeiro no escorregador e, mesmo pequenas, acabam constituindo suas relações de vizinhança e diversas possibilidades de encontros mais próximos.
Nesse contexto, a cidade e o bairro se tornam palco para o surgimento de possibilidades, ações e reações dos indivíduos que neles estão, onde o outro da relação se faz presente como modelador das práticas sociais. O passeio matinal com o bebê pela vizinhança cria laços entre as mães, babás e, futuramente, entre as próprias crianças. Mais que isso. O contato precoce com o espaço público será essencial para criar valores de respeito à natureza e ao direito do outro.
Mas para a publicitária Flávia Pelegrini, uma das idealizadoras do blog Na Pracinha, falta mais consciência de pais e responsáveis de que praças e parques são uma opção de lazer para as crianças por permitir que elas explorem a criatividade e a curiosidade, gastem energia e se divirtam. “Muitas vezes, preferem fazer ‘passeios’ indoor com os filhos, em lugares com vários estímulos eletrônicos que podem inibir a criatividade das crianças, mas deixá-las quietas, ou incentivar o consumismo infantil”, afirma.
Pensando nas férias, mas principalmente na consolidação de novas formas de interação com o lado de fora, o Bem Viver ouviu especialistas e pessoas envolvidas com a promoção do brincar ao ar livre. A edição traz ainda uma lista com sugestões de parques e praças para curtir a capital mineira. Pegue a vovó pelo braço e passe uma tarde ouvindo boas histórias no banco da pracinha. Escolha um bom livro e vá curtir sombra e brisa. Relembre sua própria infância ao embalar seu filho em uma gangorra por aí.
Diversão compartilhada
Blog idealizado por mães incentiva o brincar lúdico, simples e em família para resgatar a essência da infância. Movimento tem estimulado a diversão em parques e praças da capital mineira
Elas eram mães de primeira viagem. Experimentavam, no mesmo momento, as delícias e as preocupações da maternidade. Entre elas, o desejo de que as filhas tivessem uma infância lúdica. Juntas, trocavam dicas da rotina de ser mãe e assim tiveram a ideia de fazer um blog que falava, entre outras coisas, de opções de passeios pela cidade. Assim as publicitárias Flávia Pellegrini, de 34 anos, mãe de Cecília, de 4, e Olívia, de 4 meses; e Miriam Barreto, também de 34, mãe da Sara, de 3, e à espera de Raul, criaram o Na Pracinha (www.napracinha.com.br).
“Belo Horizonte não tinha um blog com o perfil que imaginamos e passamos a publicar essas dicas virtualmente. Do espaço virtual, por uma demanda dos próprios leitores, o blog passou para os encontros ao ar livre realizados mensalmente”, lembra Miriam. A proposta é valorizar o brincar ao ar livre, lá fora. “Incentivamos uma infância livre, curtida em família pelos espaços públicos e culturais da capital mineira”, defende Miriam, que quando criança brincou em parques e praças, mas não com a mesma frequência que a filha hoje. Sinal de que não serve a desculpa de “no passado era mais tranquilo”.
Ela lembra que na época, para sua mãe, que tinha seis filhos, era complicado administrar o tempo. “Minha filha certamente aproveita muito mais os espaços públicos hoje do que eu quando pequena”, conta Miriam, que passou a frequentar as praças e parques depois do nascimento da filha. Como para a maioria das mães, começou com a necessidade de tomar um solzinho e foi aumentando à medida que ela descobria o quanto era agradável, não só para Sara, mas para a interação de toda a família. Hoje, esse é um dos programas dos fins de semana.
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Parques e praças viram ponto de encontro que valorizam contato com os outros
Parques e praças viram ponto de encontro que valorizam contato com os outros
Os locais mais frequentados são os próximos de casa, caso da Praça Floriano Peixoto, uma das mais bem conservadas de BH. Mas em função do blog, ela circula por outros espaços. Recentemente, esteve no Barreiro, no Parque das Águas. “O contato com a natureza é o principal atrativo. O fato de não estar entre quatro paredes e ter liberdade é maravilhoso. Brinco com minha filha, empurro-a no balanço, acompanho-a no escorregador, incentivo outras brincadeiras, como bola, pique, incentivo também a sua interação com outras crianças. E, além disso, converso com outras mães, dividindo dicas.”
ROTINA SAUDÁVEL
Já Flávia cresceu brincando na rua - mesmo morando em BH - em parques e praças. “Tenho excelentes memórias dessa época. Minha mãe tinha como hábito levar os filhos para a pracinha do bairro, o Cidade Nova, diariamente, salvo os dias chuvosos. Nos fins de semana, meus pais nos levavam ao parque municipal. Frequentei muito também os parques Lagoa do Nado e o Marcos Mazzoni”, lembra Flávia, que gosta de dizer que foi uma criança de praça, hábito que perdurou até a adolescência, e com o Na pracinha manteve-se forte.
Brincar ao ar livre, em sua opinião, faz bem para o físico, para o psíquico e para o comportamento da criança, além de fortalecer o vínculo com pais ou responsáveis. “Mas é de extrema importância que a sociedade entenda que o parque e a praça pertencem a ela, e que também é de sua responsabilidade a conservação desses ambientes. Ao levar o seu filho para passear em um local público, ensine-o a conservá-lo, a respeitá-lo, não deteriorando os brinquedos, os bancos, não estragando o gramado, os jardins e, principalmente, descartando o lixo de forma adequada”, reforça.
MENOS CONSUMISMO
Brincar ao ar livre é saudável, econômico, ecológico, distancia as crianças das telas e do foco no consumo. Para a especialista em educação ambiental e para o consumo Desirée Ruas, membro do Movimento Consciência e Consumo e da Rede Brasileira Infância e Consumo (Rebrinc), as crianças estão brincando pouco por causa do apelo tecnológico. “Muitos jogos eletrônicos e conteúdos televisivos incentivam cada vez mais o consumismo infantil, um problema de toda a sociedade, pois vai em direção oposta à sustentabilidade, além de desrespeitar a infância. Infelizmente, o lazer das famílias está atrelado a compras e gastos, com intenso bombardeio mercadológico sobre as crianças”, lamenta.
Mas de que lazer a criança precisa? Para Desirée, o brincar não depende de consumo, e a praça e o parque mostram isso. “O acesso gratuito democratiza a diversão e ensina outros valores. Não importa muito o brinquedo tecnológico que a criança ganhou no último Natal, mas sua capacidade de interagir, conviver e criar brincadeiras com os elementos que estão ali”, acredita. O movimento de reocupação desses espaços está relacionado à busca do ambiente que não há mais nas residências brasileiras, porque cada vez mais famílias vivem em apartamentos ou em casas sem quintais. “Nas praças e parques, elas podem correr e se movimentar com liberdade. Em frente às telas, elas deixam de interagir com o mundo real.”
Além disso, há pouco contato entre os vizinhos e, às vezes, não há crianças na mesma faixa etária nos prédios. Segundo Desirée, na praça e no parque as crianças podem se encontrar e exercitar, o que é fundamental para a infância: brincar de forma livre e criativa. “Esses espaços ensinam a respeitar e a compartilhar. Os brinquedos que lá estão são para uso coletivo e de forma gratuita. As crianças devem usá-los com responsabilidade e respeito, lembrando que outra criança vai usá-los em seguida. E esse aprendizado ocorre na própria brincadeira, porque a criança entende aquele espaço como algo que ela pode usar, mas não pode danificar. E o que se aprende ali pode ser repetido em outros espaços”, explica.
Os parques e praças, quando seguros, bem cuidados e bem equipados, permitem que as crianças ainda estabeleçam um vínculo com seu bairro ou cidade. “Cria-se um sentimento de pertencimento”. A Rebrinc (www.rebrinc.com.br) incentiva a reflexão sobre a criança e o consumo, o que inclui o direito de a criança ser criança. “Uma cidade que não garante espaços adequados para elas não respeita a infância. Toda a sociedade tem que reivindicar a proteção da infância, que também significa garantir espaços para brincar, aprender e se divertir. E quando temos cultura e arte associadas aos espaços públicos fica ainda mais completo o lazer, não apenas da criança mas de toda a família”, diz a especialista.