Para definir o sexo masculino, são necessários os cromossomos X e Y. No caso das mulheres, uma dobradinha de cromossomos X faz o truque. A diferença genética entre os sexos está ligada basicamente a esse fator — que pode parecer simples, mas guarda alguns dos segredos femininos para uma vida mais longa que a do “sexo forte”. A partir de hoje, o Estado de Minas publica uma série de reportagens sobre os principais fatores genéticos, fisiológicos e sociais que favorecem as mulheres na luta pela sobrevivência na selva contemporânea ou desfavorecem os fortes e resistentes machos da espécie humana.
O microscópico requisito cromossômico para considerar um organismo feminino ou masculino já traz em sua definição uma evidência. Enquanto o Y é o menor dos cromossomos humanos e não tem nenhuma função além de definir o sexo masculino, o X responde pela produção de inúmeras proteínas essenciais ao funcionamento do corpo. Porém, a cópia a mais nas mulheres não é ativa ao longo da vida adulta. Logo cedo, no desenvolvimento embrionário, uma cópia do X é inativada. Nesse momento, o embrião é apenas um emaranhado de células que precisam definir imediatamente qual X será desativado, o que vem da mãe ou o que vem do pai.
Mas, se ao fim todos têm um cromossomo X ativado, qual a vantagem feminina? O mecanismo de compensação de dose. O fato de ficar com o X paterno ou materno ativo na célula faz com que, se houver uma mutação em um desses genes herdados, ela pode compensar esse defeito com o gene perfeito recebido do outro cromossomo. Mesmo que vá produzir a mesma quantidade que o homem de certa proteína, vai ter ainda a chance de produzir a proteína que ganhou da mãe ou aquela que recebeu do pai. O homem sempre terá somente uma chance porque só tem um X.
“Cromossomos são as estruturas em nossas células que contêm os nossos genes. O X contém muitos genes envolvidos na reparação do DNA para, quando ele estiver danificado, por danos causados pela luz ultravioleta nas células da pele ou pelos radicais livres nas células de todo o corpo, por exemplo”, explica Thomas Perls, diretor fundador do Estudo de Centenários de New England, na Inglaterra. Segundo ele, biologicamente, as células em mulheres têm uma escolha a partir de dois genes, uma em cada um dos dois cromossomos X, e elas usam o gene com a variação que é mais propícia para uma boa saúde. “Essa ‘vantagem’ está distribuída por todo o corpo adulto. As células em homens não têm a oportunidade de fazer essa escolha.”
Controle de qualidade
Doutora na área de genética do envelhecimento e professora do Departamento de Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Carmen Saavedra lembra outra hipótese que também busca explicar a longevidade feminina: a do DNA mitocondrial. Quando o espermatozoide encontra o óvulo, ele contribui apenas com o núcleo para a formação do zigoto. Já o óvulo participa da formação do núcleo e de todo o citoplasma da célula. No citoplasma, estão as mitocôndrias, únicas organelas celulares a possuir DNA além do núcleo. Os genes que estão codificados dentro delas são chamados maternos porque somente as mães contribuem com eles.
Dessa forma, a seleção natural tende a filtrar os melhores genes mitocondriais ligados ao sexo feminino, mas, se ocorrer uma mutação mitocondrial que prejudique apenas o sexo masculino, ela provavelmente vai se manter. Ao persistir ao longo desse controle de qualidade evolutivo, é possível que, ao longo de gerações, muitas das mutações que prejudicaram os homens se acumularam. “Por esse motivo, mutações no DNA mitocondrial afetam mais particularmente os homens. Existem, inclusive, várias doenças do envelhecimento que estão associadas a essas mutações.” As condições são raras e letais em muitos casos. Esses genes regem a respiração celular e, dependendo da mutação, atingem principalmente os tecidos que precisam de muita energia, como o muscular, o muscular cardíaco e o cerebral.
Repressão
Artigo publicado há cinco anos pela Universidade de Tóquio de Agricultura na revista Human Reproduction trouxe os resultados mais surpreendentes sobre as teorias genéticas que favorecem a longevidade feminina. A equipe liderada por Tomoshiro Kono e Manabu Kawahara produziu 13 camundongos em laboratório sem utilizar o esperma, a partir do material genético de duas fêmeas. Outras 13 cobaias foram geradas para o grupo de controle com o mesmo material genético, mas pelo acasalamento natural de macho e fêmea.
Os animais nasceram entre outubro de 2005 e março de 2006. Todos foram mantidos nas mesmas condições ambientais, livres de infecção e com acesso ilimitado à comida, tornando improvável a ação de algum fator externo na expectativa de vida. O tempo médio de vida dos camundongos bimaternos foi de 186 dias a mais que o do grupo controle. A cobaia do segundo grupo mais longeva viveu 996 dias; a do primeiro, 1.045. Kono também percebeu que os animais bimaternos eram menores, mais leves e com sistemas imunitários melhores.
“Nós acreditamos que a razão mais provável para as diferenças de longevidade está relacionada à repressão do gene Rasgrf1 nas ratinhas bimaternas. Ele normalmente é expresso a partir do cromossomo herdado pelo pai e está associado ao crescimento pós-natal”, detalha. O cientista acredita que o estudo pode dar uma resposta para as questões cruciais: se a longevidade em mamíferos é controlada pela composição do genoma de apenas um ou de ambos os pais e, talvez, o motivo pelo qual as mulheres estão em vantagem sobre os homens no que diz respeito à expectativa de vida. (BS)
DUAS PERGUNTAS PARA...
Thomas Perls, pesquisador do Instituto Nacional sobre Envelhecimento e professor de medicina na Faculdade de Medicina da Universidade de Boston
O senhor realiza um estudo grande e prestigiado sobre centenários. Existe algo que eles têm em comum e que pode se encaixar como uma razão para a longevidade?
Há um forte componente genético para a capacidade de obter uma vida muito longa, com mais de 105 anos. Essas pessoas vivem a grande maioria da vida em boas condições funcionais e de saúde, provavelmente por causa de um grande grupo de genes que promove a longevidade. Não há um forte gene raro que faz isso. São muitos genes que, individualmente, têm um efeito pequeno, mas, como um grupo na combinação certa, podem ter um efeito muito forte.
Na maioria das vezes, a genética soa como algo que não podemos mudar. Como avaliar também os fatores epigenéticos? Eles são ativos na longevidade?
Com certeza a epigenética, a nossa interação com o ambiente externo, é muito importante. Por exemplo, o tabagismo, a exposição a outras toxinas, a quantidade de exercício físico, a alimentação; além do nosso ambiente interno, como a geração celular de subprodutos do metabolismo. Algumas dessas interações são determinadas por efeitos de genes sobre os outros e as interações entre os nossos genes e os fatores externos. É uma rede muito complexa de fatores.
O microscópico requisito cromossômico para considerar um organismo feminino ou masculino já traz em sua definição uma evidência. Enquanto o Y é o menor dos cromossomos humanos e não tem nenhuma função além de definir o sexo masculino, o X responde pela produção de inúmeras proteínas essenciais ao funcionamento do corpo. Porém, a cópia a mais nas mulheres não é ativa ao longo da vida adulta. Logo cedo, no desenvolvimento embrionário, uma cópia do X é inativada. Nesse momento, o embrião é apenas um emaranhado de células que precisam definir imediatamente qual X será desativado, o que vem da mãe ou o que vem do pai.
Mas, se ao fim todos têm um cromossomo X ativado, qual a vantagem feminina? O mecanismo de compensação de dose. O fato de ficar com o X paterno ou materno ativo na célula faz com que, se houver uma mutação em um desses genes herdados, ela pode compensar esse defeito com o gene perfeito recebido do outro cromossomo. Mesmo que vá produzir a mesma quantidade que o homem de certa proteína, vai ter ainda a chance de produzir a proteína que ganhou da mãe ou aquela que recebeu do pai. O homem sempre terá somente uma chance porque só tem um X.
“Cromossomos são as estruturas em nossas células que contêm os nossos genes. O X contém muitos genes envolvidos na reparação do DNA para, quando ele estiver danificado, por danos causados pela luz ultravioleta nas células da pele ou pelos radicais livres nas células de todo o corpo, por exemplo”, explica Thomas Perls, diretor fundador do Estudo de Centenários de New England, na Inglaterra. Segundo ele, biologicamente, as células em mulheres têm uma escolha a partir de dois genes, uma em cada um dos dois cromossomos X, e elas usam o gene com a variação que é mais propícia para uma boa saúde. “Essa ‘vantagem’ está distribuída por todo o corpo adulto. As células em homens não têm a oportunidade de fazer essa escolha.”
Controle de qualidade
Doutora na área de genética do envelhecimento e professora do Departamento de Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Carmen Saavedra lembra outra hipótese que também busca explicar a longevidade feminina: a do DNA mitocondrial. Quando o espermatozoide encontra o óvulo, ele contribui apenas com o núcleo para a formação do zigoto. Já o óvulo participa da formação do núcleo e de todo o citoplasma da célula. No citoplasma, estão as mitocôndrias, únicas organelas celulares a possuir DNA além do núcleo. Os genes que estão codificados dentro delas são chamados maternos porque somente as mães contribuem com eles.
Dessa forma, a seleção natural tende a filtrar os melhores genes mitocondriais ligados ao sexo feminino, mas, se ocorrer uma mutação mitocondrial que prejudique apenas o sexo masculino, ela provavelmente vai se manter. Ao persistir ao longo desse controle de qualidade evolutivo, é possível que, ao longo de gerações, muitas das mutações que prejudicaram os homens se acumularam. “Por esse motivo, mutações no DNA mitocondrial afetam mais particularmente os homens. Existem, inclusive, várias doenças do envelhecimento que estão associadas a essas mutações.” As condições são raras e letais em muitos casos. Esses genes regem a respiração celular e, dependendo da mutação, atingem principalmente os tecidos que precisam de muita energia, como o muscular, o muscular cardíaco e o cerebral.
Repressão
Artigo publicado há cinco anos pela Universidade de Tóquio de Agricultura na revista Human Reproduction trouxe os resultados mais surpreendentes sobre as teorias genéticas que favorecem a longevidade feminina. A equipe liderada por Tomoshiro Kono e Manabu Kawahara produziu 13 camundongos em laboratório sem utilizar o esperma, a partir do material genético de duas fêmeas. Outras 13 cobaias foram geradas para o grupo de controle com o mesmo material genético, mas pelo acasalamento natural de macho e fêmea.
Os animais nasceram entre outubro de 2005 e março de 2006. Todos foram mantidos nas mesmas condições ambientais, livres de infecção e com acesso ilimitado à comida, tornando improvável a ação de algum fator externo na expectativa de vida. O tempo médio de vida dos camundongos bimaternos foi de 186 dias a mais que o do grupo controle. A cobaia do segundo grupo mais longeva viveu 996 dias; a do primeiro, 1.045. Kono também percebeu que os animais bimaternos eram menores, mais leves e com sistemas imunitários melhores.
“Nós acreditamos que a razão mais provável para as diferenças de longevidade está relacionada à repressão do gene Rasgrf1 nas ratinhas bimaternas. Ele normalmente é expresso a partir do cromossomo herdado pelo pai e está associado ao crescimento pós-natal”, detalha. O cientista acredita que o estudo pode dar uma resposta para as questões cruciais: se a longevidade em mamíferos é controlada pela composição do genoma de apenas um ou de ambos os pais e, talvez, o motivo pelo qual as mulheres estão em vantagem sobre os homens no que diz respeito à expectativa de vida. (BS)
DUAS PERGUNTAS PARA...
Thomas Perls, pesquisador do Instituto Nacional sobre Envelhecimento e professor de medicina na Faculdade de Medicina da Universidade de Boston
O senhor realiza um estudo grande e prestigiado sobre centenários. Existe algo que eles têm em comum e que pode se encaixar como uma razão para a longevidade?
Há um forte componente genético para a capacidade de obter uma vida muito longa, com mais de 105 anos. Essas pessoas vivem a grande maioria da vida em boas condições funcionais e de saúde, provavelmente por causa de um grande grupo de genes que promove a longevidade. Não há um forte gene raro que faz isso. São muitos genes que, individualmente, têm um efeito pequeno, mas, como um grupo na combinação certa, podem ter um efeito muito forte.
Na maioria das vezes, a genética soa como algo que não podemos mudar. Como avaliar também os fatores epigenéticos? Eles são ativos na longevidade?
Com certeza a epigenética, a nossa interação com o ambiente externo, é muito importante. Por exemplo, o tabagismo, a exposição a outras toxinas, a quantidade de exercício físico, a alimentação; além do nosso ambiente interno, como a geração celular de subprodutos do metabolismo. Algumas dessas interações são determinadas por efeitos de genes sobre os outros e as interações entre os nossos genes e os fatores externos. É uma rede muito complexa de fatores.