Enquanto prepara suas malas, Cristina diz que não só as crianças, mas os adultos também precisam manter um certo nível de fantasia como forma de alimentar seus sonhos, de mirar alguma coisa no futuro. “Já criei minhas filhas, tive uma carreira razoável, me sinto realizada e até hoje trabalho. Mesmo assim, sonhava em ir para a Lapônia e isso envolve a fantasia de Papai Noel. É parecido com ir à Disney ou ao parque do Harry Potter. Viver uma fantasia que você leu é muito interessante. É o tipo da coisa que ‘revivifica’, diz a psicóloga, esbanjando alegria e alto astral. Na visão dela, a fantasia é essencial na formação de um ser humano. “A criança tem que fantasiar e os pais precisam permitir. É isso que prepara os pequenos para as frustrações reais da vida”, defende.
A psicóloga Maria Teresa Melo Carvalho concorda. Segundo ela, cada família faz a sua opção sobre como tratar o tema com as crianças, mas manter a tradição na crença no Papai Noel ajuda a estimular a criatividade da criança por meio da imaginação. “Além de ter por trás de si uma imagem positiva, o Papai Noel certamente também tem um forte apelo de consumo, mas cabe a cada família tirar o foco do comércio e transformar o bom velhinho numa figura mais representativa”, observa. Ainda segundo ela, os pais não devem se preocupar com o fato de permitir e até incentivar os filhos a acreditar numa lenda. “Não será esse tipo de coisa que vai levar as crianças a assumir uma postura pouco ética futuramente. É positivo acreditar em Papai Noel. Essa fantasia será compartilhada com outras crianças e os filhos irão se sentir parte de um universo bem maior”, comenta.
Para a administradora de eventos Isadora de Oliveira, mãe de Luisa, de 5, a crença no velhinho rechonchudo que se veste de vermelho é uma etapa importante da infância. “Fazer uma conexão com o mundo da fantasia é valorizar a infância e permitir que a criança viva essa fase da vida antes de assumir as responsabilidades da vida adulta”, acredita. Em sua família, o Natal é uma data importante. É o momento em que todos se reúnem depois de quase um ano inteiro sem se encontrar, fazem orações e reflexões. “Luisa participa de tudo. Desde a montagem da árvore, do passeio para ver as luzes da cidade, vamos a um ou outro shopping para ver a cenografia natalina e para fazer a tradicional foto com o Papai Noel”, explica. Ela às vezes cobra bom comportamento da filha por causa do Natal, mas evita fazer isso muitas vezes para não criar ansiedade na menina.
INCENTIVO
Vestir-se de Papai Noel é uma tradição na vida do comerciante Eduardo Wagner da Cruz Pereira, pai de Arthur, de 10, Ana Luiza, de 4, e Maria Eduarda, de 5. Ao fazer isso, ele se recorda da sua história de infância quando o pai, apesar de enfrentar uma série de dificuldades, incentivava a comemoração natalina. “A imagem do Papai Noel é muito legal, precisamos incentivar. É importante confraternizar, fazer uma oração na hora de comer. Todo ano a gente monta árvore e reúne a família. Quero que lá na frente meus filhos se lembrem disso”, afirma. Como ocorre em muitas casas, na de Eduardo e sua esposa, Andrea Luiz de Almeida Pereira, coube ao primogênito revelar às irmãs que Papai Noel não existe. “Ao mesmo tempo, ele incentiva a imaginação delas. Para ele, ainda há magia. Mesmo que apareça uma pessoa conhecida vestida de Papai Noel, o olho do Arthur brilha. As crianças gostam de acender as luzinhas da árvore, ver o presépio na igreja”, diz o pai.
Na maioria dos casos, os pais resolvem o dilema da diferença social no Natal incentivando seus filhos a fazer doações. “A gente explica que essas crianças têm uma vida diferente da nossa e que a mãe e o pai delas ganham pouco dinheiro, por isso, precisam comprar comida e sobra pouco para o presente. Eles entendem que é importante doar”, observa. Além disso, Eduardo e Andrea dizem aos filhos que Papai Noel vai passar na igreja, recolher os presentes doados e distribuir para as crianças menos afortunadas. Dentro de casa, a cada Natal, os presentes são postos nos pés da árvore depois que as crianças dormem. Quando acordam, são informadas de que ele já se foi, mas deixou os mimos e atendeu aos pedidos “Não vou deixar isso se apagar nunca. Independentemente de eles saberem ou não a verdade sobre Papai Noel, o Natal é momento de agradecer por tudo que aconteceu no ano”, sustenta Eduardo.
Enquanto isso... Educação positiva
Nada de Papai Noel, Coelhinho da Páscoa, festa junina ou manifestações religiosas. Para a doutrina logosófica, criada na Argentina, tudo o que importa é o conhecimento de si mesmo. “Não lidamos com fantasias. A logosofia trabalha com a criança partindo da realidade e da verdade, focando não a imaginação que vem de fora, mas aquela que é baseada no mundo da própria criança. A gente não tira o que o papai e a mamãe fazem, depositando os méritos em outro ser”, explica Terezinha Germano, diretora da Escola Logosófica. Apesar disso, de acordo com ela, nada impede que as famílias das crianças permitam esse tipo de fantasias em casa. “Só não focamos esses aspectos”, esclarece. Por outro lado, de acordo com ela, a família também não questiona o fato de a escola não trabalhar essas datas com as crianças. “A educação que a gente leva em conta é positiva, real. Reforçamos a vontade da criança. Quando elas têm muita imaginação na infância, perdem a (força de) vontade porque as coisas se tornam muito fáceis. Trabalhamos com tudo que poderá ser comprovado pela criança no futuro”, acredita.