Braços, pernas, bumbum e rosto perdem gordura a ponto de, no caso das nádegas, o paciente sentir dor para se sentar. As veias ficam aparentes e o abdômen passa a acumular gordura. Homens e mulheres ganham grandes papadas e, em palavras simples, uma corcunda logo abaixo do pescoço denominada gibosidade dorsal. No caso deles, outra mudança corporal é a ginecomastia ou crescimento das mamas. Veja:
O incômodo com a mudança na aparência é tão grande que desde 2004 o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece a cirurgia plástica reparadora para os pacientes com HIV que sofrem com a lipodistrofia. O problema tem influência direta na qualidade de vida com consequências físicas, psicológicas e sociais. Por isso, a adesão ao tratamento tende a diminuir e o resultado é o pior possível: o desenvolvimento de resistência aos antirretrovirais e o aumento da morbimortalidade, ou seja, incidência da doença e taxa de mortalidade na população.
Infelizmente, em Minas Gerais o procedimento ainda não é uma realidade na rede pública. Segundo a secretaria municipal de saúde, a Rede SUS-BH ainda não realiza a cirurgia para corrigir a lipodistrofia, mas segundo o órgão, o Hospital Eduardo de Menezes, da rede FHEMIG, encontra-se em processo de credenciamento junto ao Ministério da Saúde. A secretaria estadual confirma o credenciamento da instituição citada e afirma que o Hospital das Clínicas da UFMG e o Hospital Universitário de Juiz de Fora também aguardam essa aprovação.
'Você vai sentir tudo isso e muito mais'
Em 1995, Silvana* foi surpreendida pela infecção por HIV. “Meu marido sabia que tinha o vírus, mas não me contou. Quando foi internado já com a doença, o médico me informou do diagnóstico e pediu para que eu fizesse o exame. Ele já estava em estado terminal”, recorda-se. Na época, ela era mãe de um menino de 6 anos e, mais do que receber uma sentença de morte, viu a vida do pai de seu filho ser interrompida. A mulher de 42 anos relata que o companheiro era usuário de drogas e acredita que possa ter compartilhado alguma seringa com alguém contaminado. “Quando descobri não existia sequer medicamento. Não tinha contagem de carga viral, a gente fazia exame de sangue de tempos em tempos, os médicos mandavam os pacientes para casa e ficávamos esperando a morte chegar. O AZT (um dos primeiros medicamentos contra o HIV) só surgiu em 96”, diz. Desde então Silvana está medicada.
Entre 2009 e 2010 começou a sentir a diferença na distribuição da gordura corporal. “Eu sempre fiz academia, gosto de correr, mas comecei a apresentar perda muscular nas pernas, quadril e braços. O médico que me acompanha pediu exames de carga viral para saber se tinha alguma alteração, mas estava zerada”, conta. Um ano depois de constatada a lipodistrofia Silvana conseguiu a cirurgia pelo SUS, no Hospital Heliópolis, em São Paulo, e colocou implante de silicone nos glúteos, fez redução de mamas e preenchimento no rosto. “Atualmente, corro atrás da minha forma física, faço musculação todos os dias e acompanhamento com nutricionista e endocrinologista. Tem que ter força de vontade”, acredita.
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Silvana admite que o tratamento tem, sim, a parte ruim, “principalmente da estética”. Mesmo assim, segundo ela, “a qualidade de vida é mil vezes melhor”. “O que as pessoas precisam pensar é que é possível trocar o medicamento quando o paciente não se adapta. Hoje em dia as coisas estão muito melhores para quem têm HIV, só não conseguimos ainda superar o preconceito, principalmente no mercado de trabalho”, pondera. Atualmente, Silvana trabalha com a irmã que é dona de um bufê de festas.
“Tenho um amigo que abandonou o tratamento neste ano por causa da lipodistrofia, adoeceu e faleceu”, narra. Por essa razão, o recado de Silvana é simples: “Por mais difícil que seja, por mais que seja complicado levantar de manhã, o tratamento vai fazer bem. No começo, principalmente, não é fácil, é muito efeito colateral. A gente precisa trabalhar com diarreia, vômito e dor abdominal, mas depois que acerta o antirretroviral fica mais fácil. O pensamento ‘já que vou morrer, pelo menos não quero sentir nada’ é errado. Na verdade, você vai sentir tudo isso e muito mais. É um engano”, reforça.
Entenda a lipodistrofia
Membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Daniela Pinho é especialista em cirurgia plástica reparadora para pacientes com lipodistrofia. Segundo ela, a alteração na distribuição da gordura corporal atinge 42% dos pacientes com HIV e está muito associada aos antirretrovirais. No entanto, apesar de não existirem estudos que comprovem, o componente genético pode favorecer a manifestação dessa síndrome.
Em razão dessa forte associação, o primeiro passo para tentar barrar a lipodistrofia é trocar a medicação. Presidente da Sociedade Mineira de Infectologia, Estevão Urbano lembra que a mudança só é inviável em casos de pacientes que têm vírus muito resistentes, porque sobrariam poucas opções.
Se depois de realizada a troca, a estratégia não for bem-sucedida, o paciente pode se candidatar à cirurgia reparadora. No entanto, é imprescindível que a pessoa esteja fazendo uso da medicação, seja acompanhada por um infectologista e esteja com a doença controlada. Ou seja, aqueles que estão com Aids (a manifestação aguda dos sintomas do HIV), estão excluídos em função do risco cirúrgico. Lembrando que ser HIV positivo é diferente de ter a doença. Outras restrições à cirurgia reparadora são o uso de anticoagulantes, gravidez e infecção por hepatite C.
Daniela Pinho afirma que muitos pacientes deixam de usar a medicação em função das mudanças no corpo. “São alterações na aparência que estigmatizam os pacientes com HIV, muitos ficam revoltados e preferem a doença, o que aumenta a resistência do vírus, a proliferação e o risco de contaminação”, diz.
Além da questão da autoestima, a especialista lembra que a cirurgia reparadora é um procedimento importante porque aumenta a adesão dos pacientes ao tratamento. Segundo ela, a reconstrução do glúteo com a colocação de próteses de silicone é a cirurgia plástica reparadora mais procurada pelos pacientes soropositivos.
Outros procedimentos realizados com o objetivo de minimizar os efeitos da lipodistrofia são: lipoaspiração, correção de ginecomastia, mamoplastia redutora feminina por lipodistrofia e o preenchimento cutâneo da face com polimetilmetacrilato (PMMA).
Daniela Pinho, que trabalhou muitos anos no Hospital Heliópolis, em São Paulo, instituição que é referência em cirurgia plástica para lipodistrofia, diz que a espera pode ser longa e um mesmo paciente pode precisar de mais de um tipo de cirurgia.
É importante saber também que, mesmo após os procedimentos cirúrgicos, o paciente vai continuar sofrendo a influência da medicação no corpo. Por isso, além da cirurgia, o tratamento da lipodistrofia associada ao HIV envolve mudanças no estilo de vida, com exercício físico e orientação nutricional, redução na exposição às drogas com modificação da terapia antirretroviral e tratamento farmacológico das alterações metabólicas associadas.
O tratamento cirúrgico das alterações corporais da lipodistrofia para pacientes com HIV foi incluído no SUS em 2004, pela Portaria Ministerial nº 2.582. Atualmente, está em vigor a Portaria Conjunta SAS/SVS nº 01, de 20 de janeiro de 2009, que trata das indicações cirúrgicas, normas para o credenciamento dos hospitais e ambulatórios, estrutura física e recursos humanos para o tratamento reparador das alterações corporais relacionadas à lipodistrofia.
A portaria vigente contempla os seguintes procedimentos reparadores:
- Preenchimento facial com polimetilmetacrilato (PMMA);
- Lipoaspiração de gibosidade cervical, submandibular, abdominal ou dorsal;
- Redução de mamas ou ginecomastia;
- Implante de prótese glútea com lipoenxertia e/ou polimetilmetacrilato.
* Nome fictício