Aprender um novo idioma abre inúmeras oportunidades: ler livros no original, conhecer outros países com desenvoltura, ganhar pontos no currículo… Mas há um benefício que, talvez, supere todos os outros: ser bilíngue atrasa em mais de quatro anos os sintomas de demências, incluindo o Alzheimer, em pacientes que sofrem desse mal. Pesquisas têm demonstrado o potencial que o aprendizado de uma linguagem traz para a cognição e a memória. A mais recente, realizada na Bélgica, corroborou essa teoria.
Uma equipe de psicólogos e neurologistas da Universidade de Ghent analisou o histórico médico de 134 pessoas diagnosticadas com a doença de Alzheimer, sendo que 65 delas eram bilíngues. Entre as que falavam apenas um idioma, a demência se manifestou, em média, aos 71,5 anos. No segundo grupo, os primeiros sinais do problema surgiram aos 76,1 anos. Essa diferença também apareceu na idade em que os indivíduos receberam o diagnóstico oficial: 72,5 contra 77,3 anos.
“O bilinguismo foi a única variável que demonstrou um efeito no atraso da manifestação dos sintomas. Diferentemente de outros estudos, no nosso, alguns fatores, como estresse associado à profissão e privação de sono, não tiveram peso significativo”, esclarece a psicóloga Evy Woumans, principal autora de um artigo sobre a pesquisa, publicado no jornal Bilingualism: language and cognition. “O que esses novos estudos estão indicando é que falar mais de um idioma atua como elemento de proteção da mente, em termos de declínio da cognição e da memória”, afirma.
Densidade Segundo Andrea Chiang, pesquisador de psicologia da linguagem da Universidade Quest, no Canadá, numerosos estudos descobriram que uma das melhores formas de adiar a deterioração da mente é mantê-la em atividade, seja jogando sudoku, fazendo palavras cruzadas ou lendo livros. Para ele, não há tanta diferença entre se empenhar nessas atividades ou entrar para um curso de idiomas. “O cérebro é um músculo que precisa se exercitar, como qualquer outro. Todas as atividades mentais estimulam o cérebro e constroem uma espécie de reserva cognitiva, mesmo quando o declínio físico já está aí”, afirma ele.
Evy Woumans, no entanto, sustenta que há bons motivos para acreditar que a aprendizagem de um idioma pode ser mais eficaz que outras estratégias de “malhação mental”. “Estudos de imagem já mostraram que quem fala duas línguas apresenta maior densidade de matéria cinzenta e branca no cérebro, comparado a pessoas da mesma idade que só falam o idioma materno. Esses estudos fornecem uma base neural para uma potencial vantagem do bilinguismo na reserva cerebral, à medida que o declínio cognitivo é associado à diminuição da integridade da matéria branca e à redução no volume de massa cinzenta”, afirma. De acordo com ela, uma nova linha de pesquisa, ainda muito recente para produzir resultados certeiros, tem indicado que o aprendizado de uma segunda língua, inclusive, traz um incremento para a plasticidade cerebral, ou seja, a capacidade que o órgão tem de se adaptar e se renovar.
O linguista e professor de literatura inglesa Hans Bak, da Universidade de Nijmegen, na Holanda, publicou há alguns anos um estudo que, assim como o dos colegas belgas, indicou que o bilinguismo retarda os sintomas do Alzheimer. Na pesquisa, ele constatou que tanto essa forma de demência quanto outro tipo de declínio cognitivo podem ser atenuados pelo fato de se falar duas línguas ou mais. “Esse conhecimento de idiomas teve o efeito mais dramático em pessoas diagnosticadas com demência do lobo frontotemporal, que compromete a memória e o comportamento de uma forma progressiva e muito séria”, diz. Saber mais de uma língua atrasou em até seis anos os sinais do problema. “É importante destacar que não é o número de idiomas que conta. Você pode falar quatro ou duas línguas, o efeito é o mesmo”, diz.
Projeções
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 35,6 milhões de pessoas no mundo sofram de demência, com 7,7 milhões de novos casos anualmente. Como, na Índia, o problema aparentemente será maior, com 10 milhões de pacientes em 2100, segundo projeções, o Departamento Indiano de Ciência e Tecnologia financiou um grande estudo para detectar fatores de proteção da mente. O bilinguismo foi o principal, contou Suvarna Alladi, neurologista do Instituto Nizam de Ciências Médicas em Hyderabad, na Índia.
Por meio da assessoria de imprensa do jornal Neurology, no qual publicou o resultado de uma pesquisa sobre esse tema, a médica relatou que, em seu país, a demência ocupa o posto de um dos mais sérios problemas de saúde pública. “Como muitas pessoas lá podem falar fluentemente dois ou mais idiomas em seu dia a dia, nos traz certo alívio saber que temos esse fator de proteção. Fizemos, então, um estudo para verificar se idiomas com raízes muito distintas da língua materna trazem maior benefício para a mente. Percebemos que, sim, quanto mais distintos esses idiomas, maior o potencial de poupar o cérebro de declínios futuros”, diz.
Para Hans Bak, contudo, esse não é um fator tão relevante. “Já vi alguns pesquisadores argumentarem isso, mas não vejo essa importância toda na questão da distância linguística. Temos de aguardar mais estudos a respeito para chegar a uma conclusão mais contundente”, afirma. O linguista conta que outra curiosidade dos cientistas diz respeito à idade que se começam os estudos. “Há um interesse em saber se as habilidades cognitivas podem ser retidas de forma similares se a pessoa aprende o segundo idioma apenas na segunda metade da vida. Ainda não temos estudos sobre o tópico, mas meu palpite é de que o benefício para a mente é igual, não importa quando se começou a estudar o idioma”, diz.
Nova técnica de detecção
Mudanças nas conexões cerebrais visíveis no exame de ressonância magnética funcional podem representar um biomarcador de imagem da doença de Alzheimer, segundo estudo apresentado na semana passada no encontro anual da Sociedade Radiológica da América do Norte. Embora não exista cura para o problema, acredita-se que tratamentos preventivos podem ser efetivos antes de o paciente ser diagnosticado.
Até agora, os esforços de detecção precoce têm se focado no nível de beta-amiloide circulante no organismo. Essa proteína aparece em quantidades anormais em pessoas com Alzheimer e pode ser encontrada no líquido cefalorraquidiano, substância que circula no cérebro e na medula espinhal. Mas o novo estudo se debruçou sobre a estrutura das conexões de neurônios na massa branca do cérebro.
A equipe de pesquisadores do Centro Médico da Universidade de Duke, nos Estados Unidos, analisou 102 pacientes que participam de um estudo nacional chamado Iniciativa de Neuroimagem da Doença de Alzheimer. Essas pessoas se submeteram ao exame de imagem de difusão, um tipo de ressonância que verifica a integridade da matéria branca do cérebro, ao medir a facilidade de a água se mover pelos sulcos existentes nela. “Sabe-se que a água prefere se mover por regiões bem definidas no cérebro, o que faz desse exame uma ferramenta excedente para avaliar a estrutura da matéria branca”, disse, em um comunicado, Jeffrey W. Prescott, radiologista de Duke.
Os pesquisadores correlacionaram mudanças na estrutura da matéria branca com os resultados obtidos pelo exame do PET scan, técnica que mede a quantidade de placas beta-amiloides no cérebro. Constatou-se que quanto maior o acúmulo da proteína, mais fraca é a conexão estrutural nas cinco áreas pesquisadas. Ou seja, o novo exame mostrou-se eficaz para detectar a presença do Alzheimer. “Tradicionalmente, acredita-se que a doença produza os efeitos cognitivos adversos por danificar a massa cinzenta, onde a maior parte das células nervosas está concentrada”, diz Prescott. “Mas esse estudo sugere que o depósito amiloide na matéria cinzenta está associado a problemas nas conexões que ocorrem na matéria branca, essencial para conduzir mensagens por meio de bilhões de células nervosas”, acrescenta .