Graduada em comércio exterior, Kerlin de Oliveira Marques Vidal, 36 anos, não exerce a profissão desde que João nasceu. A criança precisa de cuidados 24 horas e também foi na Justiça que conseguiu o direito a um home care. O garotinho teve parada cardiorrespiratória ainda na barriga da mãe, durante o trabalho de parto, e ficou com graves sequelas: ele não fala, não anda, não enxerga e não deglute a própria saliva. “Para a medicina ele é considerado um vegetal”, afirma Kerlin.
Apesar do peso da frase, não são todos os profissionais de saúde que pensam dessa forma. Tanto é que a família, depois de tanto lutar para conseguir a prescrição do CBD, encontrou-se com o neuropediatra João Paulo Porto, que antes de o Conselho Federal de Medicina aprovar a prescrição da substância por médicos brasileiros, já tinha colocado nas mãos de Kerlin o documento que ela precisava para dar entrada com o pedido na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Divulgada nesta quinta-feira, a Resolução CFM nº 2.113/2014 que será publicada amanhã no Diário Oficial da União enche de esperança famílias brasileiras que lutam para conseguir o medicamento à base de CBD. No entanto, os adultos ficam de fora e o tetrahidrocanabinol (THC) também. Isso por que a resolução permite o uso do canabidiol somente para crianças e adolescentes até a idade de 18 anos que sofram com crises de epilepsias refratárias e nos casos em que outros medicamentos não fazem efeito.
Por nota enviada ao Saúde Plena, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) afirma que “a decisão do CFM não altera os mecanismos criados pela agência para dar acesso ao medicamento, inclusive porque a prescrição é um dos critérios para a importação excepcional do produto. A ação do CFM vem ao encontro e endossa o profissional que assumia a responsabilidade de prescrever a substância (Canadibiol e/ou THC ) sem qualquer respaldo do Conselho”.
João Gabriel sofre de encefalopatia hipóxica isquêmica grau 3, ou seja, o mais severo. Por causa da doença, falta oxigenação no cérebro dele, o que acarreta as crises convulsivas refratárias (de difícil controle). “Nada controlava, nada cessava”, conta Kerlin. Segundo ela, todos os remédios aprovados pela Anvisa foram tentados e nenhum mudou o quadro de saúde de João.
Por essa razão, ela entrou em contato com Katiele Fischer, mãe de Anny Fischer, 6 anos, que sofre de problema genético raro, e foi a primeira a contrabandear o CBD para o Brasil. A notícia da família de Brasília é referências para todas as outras que desejam tratar seus filhos com a substância derivada da maconha. E foi a experiência de Katiele que ajudou Kerlin a administrar a dosagem do medicamento para o filho. “Usei a tabela da Anny como referência para o João. Ele começou com 2ml. A cada dez dias, aumento a dose que, atualmente é de 10ml”, afirma a mãe do garotinho. Kerlin conta que enquanto tentava conseguir o medicamento pelas vias legais, fez uma 'vaquinha' para conseguir importar as ampolas de CBD.
A expectativa de Kerlin é que, com o aumento da dose, as crises zerem e João Gabriel, que faz acompanhamento com fisioterapeuta e fonoaudióloga, tenha cada vez mais qualidade de vida. “Antes do CBD, qualquer estímulo que João recebia era uma crise convulsiva. A fisioterapeuta levantava a mão dele, uma crise, mexia na perna, outra crise. Hoje isso não existe mais”, explica. Kerlin recebeu com alegria a decisão do CFM, mas garante que a luta não terminou: “queremos o CDB na lista de remédios da Anvisa”.
Entenda a resolução
Além de restringir a prescrição para aos médicos da área de neurologia, neurocirurgia e psiquiatria, a resolução do CFM também dispõe da dosagem e outros detalhes. Veja: