A edição desta semana da revista Nature traz uma série de cinco artigos sobre esse tipo de tratamento, que, por meio de experimentos clínicos, começa a fazer efeito sobre alguns tumores conhecidos. São terapias já aprovadas em alguns países para o uso em pacientes, apesar de ainda contarem com uma série de restrições com relação ao número de pessoas nas quais os testes são feitos e às condições de aplicação. Esses estudos já alcançaram respostas clínicas duráveis e há relatos de indivíduos livres de progressão da doença por muitos anos para cânceres como o melanoma e de rim.
Além disso, dois dos trabalhos publicados na Nature descrevem ensaios clínicos em fase 1 (testes de exposição à substância) e comprovam a eficácia da abordagem para tumores de pulmão, de pele e de bexiga urotelial metastático (UBC), considerado um dos mais difíceis de se combater. “Não houve grandes avanços para o tratamento de UBC nos últimos 30 anos. A quimioterapia ainda é o padrão de atendimento. Os resultados dos pacientes, especialmente para aqueles em que a quimioterapia não é eficaz ou é mal tolerada, continuam ruins”, lembra um dos autores, Thomas Powles, da Universidade de Londres Queen Mary. Ele defende a expansão do tratamento imunoterápico para outros tipos de câncer.
Bloqueio
Atualmente, a descoberta dos mecanismos moleculares envolvidos na regulação imune permitiu o surgimento de estratégias que buscam superar a capacidade das células cancerígenas de driblar a vigilância protetora do paciente. Entre as ações de intervenção do câncer no sistema imunológico, os cientistas perceberam que o cancro é capaz de ligar vias inibitórias nas células de defesa. Elas são responsáveis por amortecer ou bloquear as respostas imunes em curso. Em condições normais, essa função é importante para estacionar uma hiperatividade imunitária, como em problemas autoimunes (quando a defesa do organismo ataca a si mesmo). A estratégia empregada pelo tumor não é nada benéfica para a situação do organismo. Sem a atuação do sistema imune, a progressão do tumor é certa.
Os artigos publicados visam a uma abordagem muito específica, denominada bloqueio do ponto de controle, que obstrui a ação dessas vias inibitórias e desperta a resposta do sistema imunológico a tumores. CTLA-4 e PD-1 são dois dos principais receptores de superfície celular que, quando ligados a determinadas moléculas presentes em células tumorais, ativam as vias inibitórias e reduzem a atividade das células de defesa T. A via PD-1 expressa nesse processo pode levar diretamente à morte de células de defesa. Hoje, anticorpos que bloqueiam a CTLA-4 (ipilimumab) e a PD-1 (pembrolizumab e nivolumab) já foram aprovados para tratar pacientes muito específicos. Powles propõe em seu trabalho a utilização de um novo anticorpo que bloqueia a molécula tumoral PD-L1, responsável por ligar a via PD-1, para o UBC.
Em outro artigo, a equipe de Roy Herbst, da Escola de Medicina da Universidade de Yale, demonstra que o bloqueio do ponto de controle produz respostas duráveis em pacientes com cânceres de pulmão, pele e rim, entre outros. Herbst defende que o desenvolvimento do câncer humano é um processo de várias etapas caracterizado pelo acúmulo de alterações genéticas e epigenéticas que impulsionam ou refletem na progressão do tumor. “Essas alterações distinguem as células cancerosas de suas contrapartes normais, permitindo que os tumores sejam reconhecidos como estranhos pelo sistema. No entanto, os tumores são raramente rejeitados espontaneamente, refletindo sua capacidade de manter um microambiente imunossupressor.”
Biomarcadores
Os mesmos anticorpos que atuam no bloqueio do ponto de verificação foram foco de pesquisa de outro time de cientistas. O líder do trabalho, Antoni Ribas, da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, não só aplicou o tratamento imunoterapêutico como identificou marcadores biológicos que podem prever a resposta do paciente à terapia. Isso foi possível com a análise de amostras de tecido tumoral retiradas de 46 pacientes com melanoma metastático antes e durante o tratamento com pembrolizumab (anti-PD-1). “Nas amostras de tumores em série, os pacientes que responderam ao tratamento mostraram proliferação intratumoral de células imunes (T-CD8) que está correlacionada diretamente à redução radiográfica do tamanho do tumor”, explica Ribas.
A partir desses dados, ele concluiu que a regressão do tumor após a terapia de bloqueio de ponto de verificação requer células imunes do tipo T-CD8 preexistentes. Dessa forma, os tumores que atraem células T-CD8 e outras do sistema imune capazes de expressar PD-1 e PD-L1 teriam uma maior sensibilidade ao bloqueio do ponto de verificação com esses anticorpos. “Nós mostramos que células T-CD8 localizadas distintamente na margem do tumor invasivo estão associadas com a expressão do eixo imune inibitório PD-1/PD-L1 e podem prever resposta terápica de amostras.”
Proteínas mutantes
Em vez de atingir diretamente o sistema imune, as estratégias publicadas separadamente, em dois outros artigos, pela equipe de Lélia Delamarre, da empresa de biotecnologia Genentech, em São Francisco, e de Robert Schreiber, da Escola de Medicina da Universidade de Washington, têm um ponto em comum: atacar o tumor. Para estimular a ação do sistema imune, os pesquisadores alteraram geneticamente proteínas no tumor. A mutação permitiu que ele fosse reconhecido como estranho e perigoso pelas células de defesa do organismo (as células T). A proposta foi aplicada em modelos de camundongos em laboratório e responderam com um ataque de soldados do exército imunitário ao cancro.
Em seus artigos, os líderes de pesquisa afirmaram que, uma vez capazes de identificar os antígenos peptídicos (proteínas) mutantes do tumor, é possível também auxiliar na definição dos indivíduos mais propensos a se beneficiarem de terapias de bloqueio de pontos de verificação. Ainda que tragam propostas diferentes para atacar o câncer, acima de tudo, os cinco artigos confirmam o fato principal de que as respostas imunitárias a mutações específicas do tumor são importantes tanto na resposta de defesa natural contra tumores quanto na utilização de terapias imunes que gerem essa resposta.
Ideia original
O conceito de que o sistema imunitário desempenha um papel no controle do câncer não é recente. Mais de um século atrás, o cirurgião norte-americano William Coley trabalhou com a hipótese de que as infecções bacterianas no período pós-operatório poderiam mobilizar a própria resistência do paciente à recorrência do tumor. Coley chegou a desenvolver uma mistura de bactérias mortas pelo calor para injeção intratumoral que, algumas vezes, produziu regressões de longa duração.