Poucas coisas têm provocado tanta polêmica no mundo da moda recentemente quanto definir modelos com corpos parecidos com o da mulher dita 'normal' como 'plus size'. Recentemente, a Elle Magazine - uma das principais e mais influentes revistas do setor nos Estados Unidos - foi bombardeada por críticas de internautas após colocar a modelo Myla Dalbesio, que estrela a nova campanha de lingeries da Calvin Klein, nessa categoria. O caso da modelo americana jogou luz sobre uma questão polêmica e deu novo fôlego para uma dúvida de várias mulheres: se isso é ser plus, o que é ser normal?
Há pouco tempo, modelos como ela ficariam no 'limbo' da moda, aquele espaço entre as modelos esbeltas 'padrão' e as de, visivelmente, mais peso. Hoje o que se vê no mercado é uma inclusão às avessas, com o encolhimento do padrão plus e a utilização de mulheres 'normais' para campanhas do tipo, enquanto modelos acima dos 46 continuam às margens do mundo fashion.
O diretor da agência americana de modelos MSA, Anthony Higgins, comprova essa procura por modelos menores. "Antes, as modelos plus size variavam de 44 ou 46 até o 52. Agora, eles estão chamando manequins 42 de plus", disse em entrevista à blogueira Kelly Calabrese. Editoriais como o da Vogue Itália de junho de 2011, com Tara Lynn, Candice Huffine e Robyn Lawley ou o da Cosmopolitan Australia, também com Lawley, e a campanha Perfectly Fit, da Calvin Klein, comprovam isso. Todos os exemplos usam modelos chamadas de plus size pela indústria da moda, mas que aos olhos de leigos são bem parecidas com mulheres 'normais'.
Para a psiquiatra e psicanalista Gilda Poliello, a 'solução' encontrada pelo mercado da moda “é uma faca de dois gumes”. Ela explica que toda imagem se forma pelo traço identificatório. Ou seja, a mulher se identifica mais com uma modelo de proporções próximas às suas que com uma Gisele Bündchen. “Dessa forma, a mulher se sente valorizada por ver a diferença contemplada em editorias de moda, mas chamar esse novo padrão de plus size é uma forma de continuar excluindo – ‘você existe, mas é diferente’...”, afirma.
Poliello diz que “há sempre um hiato entre o que a psicanálise chama de ‘eu ideal’ e ‘ideal do eu’”. É mais ou menos assim: o ‘eu ideal’ é o que você gostaria de ser e ‘ideal do eu’ é o que você pensa que é. “Assim, dentro das imposições de padrões de beleza, a mulher se sente contemplada ao ser inserida em um padrão, mesmo que seja o plus size, mas continua com a Gisele em seu ideal”, observa.
A especialista cita 'Psicologia das massas e análise do eu', estudo de Sigmund Freud, para apontar por onde começa o problema: "É por colocar no lugar do ‘ideal do eu’ o objeto de fascinação amorosa, o líder das massas e o hipnotizador, que se dá a relação de dependência para com eles. E é nesse lugar de ideal também que são colocados os imperativos de beleza, por isso ocorre a submissão. Também por essa razão, as mulheres mais jovens são, em geral, mais susceptíveis", pondera.
Expectativas não realistas
Essa tendência tem incomodado modelos que ocupam a parte superior das tabelas de manequins. Em conversa ao Saúde Plena (relembre aqui), a blogueira e modelo plus size mineira Silvia Neves questionou o uso de modelos relativamente magras em campanhas de roupas para mulheres acima do peso. “A maioria dos produtores de moda abomina quem está acima do peso. Do meu ponto de vista, é um erro de estratégia de marketing. As marcas plus size só querem o nosso dinheiro, mas não querem nos representar?”, questiona. “Em produção de moda, se a modelo está beirando o manequim 40 é comum querer associá-la ao plus size. É um retrocesso, como se quisessem impor a magreza até nesse segmento. Mas nós defendemos a diversidade. Moda é moda e não deveria sequer existir essa divisão. O setor plus size surgiu para atingir quem não se sentia contemplada, mas isso não acontece na prática”, completa.
Para a modelo norte-americana plus size Alex LaRosa, a tendência pode ser ainda mais complexa. "Em um mundo onde você está dizendo à mulheres que plus size é manequim 38 para cima, você está causando problemas de imagem corporal. Você está provocando expectativas não realistas de que todo mundo - toda mulher - deve ser manequim 38. Trazendo isso para a comunidade plus, quando você usa modelos de tamanhos 42, 44 ou 46 em lojas cuja numeração só começa no 48 a mensagem que se passa para as mulheres é 'você quer se parecer com essas modelos. É assim que você deveria ser'. Mas isso nunca vai acontecer", disse em entrevista ao Huffington Post.
O caso mais recente, o da campanha da Calvin Klein, ainda é cercado de incógnitas. Em resposta às polêmicas, a marca se resumiu a chamar o trabalho de 'inclusivo', dizendo que a Perfectly Fit foi criada para "celebrar e prezar pelas necessidades de diferentes tipos de mulheres" e que as imagens foram feitas para se comunicar com silhuetas diferentes e extensa variedade de tamanhos. Dalbesio não foi chamada diretamente de 'gordinha' pela CK, mas nesse contexto é possível questionar o que a marca queria. Apenas nuances separam os corpos das outras modelos nas fotos, sendo o dela o mais diferente. Com quem a marca de fato espera se comunicar por meio do corpo moderadamente curvilíneo de Dalbesio?
Plus ou não, a boa notícia é o crescimento do espaço para modelos com corpos minimamente saudáveis em revistas. Independentemente da nomenclatura utilizada para chamá-los, esses corpos 'possíveis' têm sido mais frequentes, o que é um ganho para quem espera se ver melhor representada na moda.
“Estou recebendo e-mails de meninas de 15 anos dizendo que eu as dei esperança e que compartilhar minha história as fez sentir menos estranhas e capazes de aceitar seus tamanhos”, disse Myla à Elle Magazine, após toda a polêmica. “Eu finalmente encontrei meu lugar, bem no meio. Nem grande, nem pequeno, eu amo poder ser reconhecida pelo que eu sou, um saudável tamanho 10”, confessa.
No Brasil, o manequim 46 continua sendo o plus size convencional. Já meninas entre o 38 e o 40 podem ser facilmente encontradas no mercado comercial. Apesar de entre um grupo e outro haver um leque de números não explorados, modelos nas respectivas categorias têm tido oportunidades no mercado nacional. A informação é da head booker da Mega Models, de BH, Daniela Malta. Ela diz que mais modelos plus têm sido procuradas por marcas de moda praia e lingerie – clientes que não exploravam tanto esse público. Curiosamente, a procura não vem de marcas exclusivas para gordinhas. “Pelo que deu para perceber, as empresas estão abrindo o leque e dizendo que pessoas plus também podem usar as roupas delas. Na moda praia, por exemplo, não se via muito essa procura”, conta.
(Colaborou Valéria Mendes)
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Para a psiquiatra e psicanalista Gilda Poliello, a 'solução' encontrada pelo mercado da moda “é uma faca de dois gumes”. Ela explica que toda imagem se forma pelo traço identificatório. Ou seja, a mulher se identifica mais com uma modelo de proporções próximas às suas que com uma Gisele Bündchen. “Dessa forma, a mulher se sente valorizada por ver a diferença contemplada em editorias de moda, mas chamar esse novo padrão de plus size é uma forma de continuar excluindo – ‘você existe, mas é diferente’...”, afirma.
Poliello diz que “há sempre um hiato entre o que a psicanálise chama de ‘eu ideal’ e ‘ideal do eu’”. É mais ou menos assim: o ‘eu ideal’ é o que você gostaria de ser e ‘ideal do eu’ é o que você pensa que é. “Assim, dentro das imposições de padrões de beleza, a mulher se sente contemplada ao ser inserida em um padrão, mesmo que seja o plus size, mas continua com a Gisele em seu ideal”, observa.
A especialista cita 'Psicologia das massas e análise do eu', estudo de Sigmund Freud, para apontar por onde começa o problema: "É por colocar no lugar do ‘ideal do eu’ o objeto de fascinação amorosa, o líder das massas e o hipnotizador, que se dá a relação de dependência para com eles. E é nesse lugar de ideal também que são colocados os imperativos de beleza, por isso ocorre a submissão. Também por essa razão, as mulheres mais jovens são, em geral, mais susceptíveis", pondera.
Expectativas não realistas
Essa tendência tem incomodado modelos que ocupam a parte superior das tabelas de manequins. Em conversa ao Saúde Plena (relembre aqui), a blogueira e modelo plus size mineira Silvia Neves questionou o uso de modelos relativamente magras em campanhas de roupas para mulheres acima do peso. “A maioria dos produtores de moda abomina quem está acima do peso. Do meu ponto de vista, é um erro de estratégia de marketing. As marcas plus size só querem o nosso dinheiro, mas não querem nos representar?”, questiona. “Em produção de moda, se a modelo está beirando o manequim 40 é comum querer associá-la ao plus size. É um retrocesso, como se quisessem impor a magreza até nesse segmento. Mas nós defendemos a diversidade. Moda é moda e não deveria sequer existir essa divisão. O setor plus size surgiu para atingir quem não se sentia contemplada, mas isso não acontece na prática”, completa.
Para a modelo norte-americana plus size Alex LaRosa, a tendência pode ser ainda mais complexa. "Em um mundo onde você está dizendo à mulheres que plus size é manequim 38 para cima, você está causando problemas de imagem corporal. Você está provocando expectativas não realistas de que todo mundo - toda mulher - deve ser manequim 38. Trazendo isso para a comunidade plus, quando você usa modelos de tamanhos 42, 44 ou 46 em lojas cuja numeração só começa no 48 a mensagem que se passa para as mulheres é 'você quer se parecer com essas modelos. É assim que você deveria ser'. Mas isso nunca vai acontecer", disse em entrevista ao Huffington Post.
O caso mais recente, o da campanha da Calvin Klein, ainda é cercado de incógnitas. Em resposta às polêmicas, a marca se resumiu a chamar o trabalho de 'inclusivo', dizendo que a Perfectly Fit foi criada para "celebrar e prezar pelas necessidades de diferentes tipos de mulheres" e que as imagens foram feitas para se comunicar com silhuetas diferentes e extensa variedade de tamanhos. Dalbesio não foi chamada diretamente de 'gordinha' pela CK, mas nesse contexto é possível questionar o que a marca queria. Apenas nuances separam os corpos das outras modelos nas fotos, sendo o dela o mais diferente. Com quem a marca de fato espera se comunicar por meio do corpo moderadamente curvilíneo de Dalbesio?
Plus ou não, a boa notícia é o crescimento do espaço para modelos com corpos minimamente saudáveis em revistas. Independentemente da nomenclatura utilizada para chamá-los, esses corpos 'possíveis' têm sido mais frequentes, o que é um ganho para quem espera se ver melhor representada na moda.
“Estou recebendo e-mails de meninas de 15 anos dizendo que eu as dei esperança e que compartilhar minha história as fez sentir menos estranhas e capazes de aceitar seus tamanhos”, disse Myla à Elle Magazine, após toda a polêmica. “Eu finalmente encontrei meu lugar, bem no meio. Nem grande, nem pequeno, eu amo poder ser reconhecida pelo que eu sou, um saudável tamanho 10”, confessa.
No Brasil, o manequim 46 continua sendo o plus size convencional. Já meninas entre o 38 e o 40 podem ser facilmente encontradas no mercado comercial. Apesar de entre um grupo e outro haver um leque de números não explorados, modelos nas respectivas categorias têm tido oportunidades no mercado nacional. A informação é da head booker da Mega Models, de BH, Daniela Malta. Ela diz que mais modelos plus têm sido procuradas por marcas de moda praia e lingerie – clientes que não exploravam tanto esse público. Curiosamente, a procura não vem de marcas exclusivas para gordinhas. “Pelo que deu para perceber, as empresas estão abrindo o leque e dizendo que pessoas plus também podem usar as roupas delas. Na moda praia, por exemplo, não se via muito essa procura”, conta.
(Colaborou Valéria Mendes)