Depois dos sustos que Gabriela deu, Valquíria tomou algumas providências. Ela parou de comprar brinquedos pequenos e sempre vigia a filha quando está se divertindo. “Na primeira vez, ela tinha 2 anos e introduziu um coração que acompanhava um calçado infantil. A sorte é que não desceu para o pulmão e ficou agarrado no nariz. Na segunda vez, ela tinha 3 anos e meio e colocou uma bolinha de sílica que veio numa caixa de produto eletrônico”, conta a mãe.
Valquíria conta que os médicos tiveram dificuldade de retirar a bola de sílica do nariz da filha. “O objeto era muito escorregadio e eles não conseguiram retirar com a pinça. Foi preciso expandir o nariz da minha filha no bloco cirúrgico e houve sangramento. Foi bem difícil”, conta a engenheira. Hoje, diz conversar muito com a filha e fica monitorando ela brincar o tempo todo. Segundo Valquíria, a menina costuma ganhar de presente bonecas com sapatinhos e roupas minúsculas, mas agora guarda tudo para a criança brincar somente quando crescer mais um pouco.
Médicos do HPS alertam que os pais não devem considerar apenas o fator preço ou a escolha da criança no momento de comprar o presente de Natal. A segurança oferecida pelo brinquedo é imprescindível, segundo eles, e os riscos com a ingestão de objetos são muitos.
Pediatra e coordenador de emergência do HPS, Sílvio Grandinetti conta que o procedimento mais urgente no hospital é a retirada de baterias engolidas por crianças. “A bateria é corrosiva e provoca lesões no esôfago, que podem ser graves”, disse. Segundo ele, já houve casos de crianças que ganharam dos pais celulares de brinquedo e conseguiram retirar e engolir a bateria, mesmo ela estando em um compartimento parafusado.
FAIXA ETÁRIA
Grandinetti recomenda a compra de brinquedos de acordo com a idade da criança, lembrando que deve cumprir as regras da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) e ter a faixa etária indicativa. “Devem, ainda, tomar cuidado com brinquedos baratos que não seguem a norma técnica”, disse o médico. Segundo ele, os acidentes aumentam depois do Natal com a distribuição de brinquedos. “A maior preocupação nossa são os produtos importados que não seguem as normas técnicas”, disse. Para crianças pequenas, que colocam tudo na boca, a orientação do médico é que o brinquedo tem que ser grande o suficiente para não passar pela boca. “O brinquedo não deve soltar peças e não deve ser tóxico ou inflamável”, disse.
Brinquedos devem ser arredondados, não devem ter quinas, pontas afiadas e nem fazer muito barulho. Ruídos acima de 100 decibéis podem prejudicar a audição da criança. Correntes, tiras e cordas com mais de 15 centímetros também devem ser evitadas. Os acidentes são mais comuns a partir dos 3 anos de idade, segundo o HPS. A coordenadora da pediatria do hospital, Eliane de Souza, aconselha os pais e outros responsáveis pelas crianças a nunca tentarem remover o objeto. As crianças devem ser levadas imediatamente ao hospital, segundo ela, principalmente quando o objeto for colocado no nariz, pois pode sufocá-las.
As pilhas e baterias ingeridas pelas crianças, quando alojadas no esôfago, podem romper num período de 4 horas e provocar a morte da criança. Se aspirados, esses objetos passam pela laringe, traqueia e brônquios e podem atingir os pulmões. As baterias maiores podem obstruir a traqueia e provocar insuficiência respiratória.
PAIS EM ALERTA
Veja algumas dicas para diminuir os riscos
Se o brinquedo for a pilha, dê preferência aos que tiverem o compartimento parafusado
Não compre brinquedos incompatíveis com a idade da criança
Quando houver diferença de faixa etária entre as crianças, tenha o cuidado de guardar os brinquedos separadamente
Para as crianças menores de 6 anos, evite brinquedos que tenham peças pequenas
O adulto deve abrir a embalagem e ler as instruções, ensinando a criança como usar adequadamente o brinquedo
Ao abrir o brinquedo, jogue fora todos os embrulhos plásticos
Brinquedos que imitam alimentos podem confundir a criança e ela pode tentar comê-lo
É fundamental que, para aumentar a segurança da criança, ela esteja acompanhada da supervisão de um adulto enquanto brinca
Jamais levar para casa brinquedos que não tenham o selo do Inmetro
Observe os materiais que compõem os brinquedos e se não são tóxicos
Evite brinquedos com vidro para menores de 5 anos
Evite artigos elétricos, que são ligados em tomadas, com elementos de aquecimento, pilhas e baterias para crianças com menos de 8 anos
Deixe sempre o chão livre de objetos pequenos como botões, bolas de gude, moedas e tachinhas
Se a criança engolir algum objeto, procure imediatamente atendimento médico de emergência
Fontes: HPS João XXIII e Inmetro
MORTES NO BRASIL
No Dia Nacional de Prevenção de Acidentes com Crianças e Adolescentes deste ano, em agosto, a Rede Primeira Infância e a ONG Criança Segura divulgaram dados do Datasus que indicam os acidentes como a primeira principal causa de morte com crianças a partir de 1 ano no Brasil. Eles foram responsáveis por 3.142 mortes e mais de 75 mil hospitalizações de meninos e meninas nessa idade em 2012 no país. Os acidentes de trânsito, que incluem atropelamentos e atingem passageiros de veículos, motos e bicicletas, representaram 33% das mortes, seguidos de afogamento (23%), sufocamento (23%), queimaduras (7%) e quedas (6%). “Existem políticas públicas que podem ser estabelecidas para prevenção, uso de produtos mais seguros e treinamento em primeiros socorros, por exemplo, mas é uma situação que só pode ser revertida com cada um, adequando os ambientes das casas, usando a cadeirinha no carro, brincando em espaços seguros”, destacou a coordenadora nacional da ONG Criança Segura, Alessandra Françoia. “São atitudes simples, mas que precisam fazer parte do dia a dia.” De acordo com o governo brasileiro, cerca de R$ 70 milhões são gastos na rede do Sistema Único de Saúde (SUS) com o atendimento de crianças que sofreram acidentes.
Proposta de novas normas
Nas lojas do Centro de Belo Horizonte, muitos brinquedos são vendidos sem as recomendações do Inmetro. Alguns não têm a indicação da faixa etária a que estão destinados, possuem ímãs e peças imantadas, o que é proibido. “Brinquedos destinados a crianças menores de 36 meses não podem conter bolinhas, bolinhas removíveis ou ímãs. Brinquedos destinados a crianças a partir de 37 meses que tiverem as bolas devem conter uma advertência sobre seu uso”, diz a regulamentação brasileira.
A fabricação e a importação de brinquedos ganharão regras mais rígidas a partir de 2015. O Inmetro publicou portaria propondo novos requisitos de avaliação para certificação compulsória de cerca de 120 brinquedos. É uma consulta pública, que estará disponível até 6 de janeiro. Uma das propostas é avaliar a presença de formamida em produtos feitos de EVA (espuma presente em tapetes e jogos, por exemplo) e fazer ensaios de mordida e fervura em brinquedos da primeira idade. Uma nova classificação de faixa etária sendo proposta para diversos brinquedos.
O chefe da Divisão de Regulamentação Técnica e Programas de Avaliação da Conformidade do Inmetro, Leonardo Rocha, disse que o órgão está atento às inovações que acontecem na indústria e na regulamentação em outros países, além de monitorar os acidentes de consumo. “Estamos propondo melhorias para tornar o regulamento para brinquedos, vigente desde 1992, ainda mais seguro”, disse.
A partir da data de publicação da portaria definitiva, fabricantes e importadores terão 18 meses para se adequar à nova regulamentação e mais seis meses para deixar de comercializar produtos fora dos padrões. “O varejo terá 48 meses, a contar da publicação da portaria, para escoar o estoque e somente comercializar produtos em conformidade”, informou o Inmetro.
A população pode participarda consulta pública mandando sugestões e relatos pelo e-mail dipac.consultapublica@inmetro.gov.br, além do site do Inmetro, ou via carta para a Rua da Estrela, 67, 2º andar – Rio Comprido – CEP 20251-900 – Rio de Janeiro, RJ, A/C da Divisão de Regulamentação Técnica e Programas de Avaliação da Conformidade (Dipac).