saiba mais
-
Sexo e câncer: uma convivência possível?
-
Relação entre alimentos e câncer é desafio para pesquisadores há décadas; entenda
-
Dieta pesada é um gatilho para o câncer de intestino
-
Sobrevida de brasileiros com câncer alcança níveis de nações desenvolvidas
-
Estudos indicam que agressividade de tumores varia conforme as raças
Foi preciso suspender as últimas sessões. A paciente perdeu 5 kg em duas semanas e recentemente descobriu outra interferência: alteração no paladar. "Ou não sinto gosto de nada, ou sinto o alimento "passado", mesmo quando todos dizem que está uma delícia. Perdi o prazer de comer meus pratos preferidos", desabafa a paciente, que não teve orientação sobre alimentação e seus efeitos durante o tratamento. No câncer, é comum a desnutrição, que, como no caso de O.S, podem até interromper o tratamento. Já a radioterapia e a quimioterapia provocam enjoos, dificuldade de deglutição e perda de paladar. Além disso, acumulam-se evidências sobre a associação entre dieta e a ocorrência do câncer: erros alimentares e consumo exagerado de substâncias potencialmente cancerígenas podem contribuir para cerca de 40% dos casos. Essa realidade faz da nutrição oncológica uma abordagem essencial para o conforto dos pacientes.
Segundo Simone de Vasconcelos Generoso, doutora em ciência de alimentos e professora do Departamento de Nutrição da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a maioria dos tumores aumenta o gasto energético e a perda de peso. "Assim, a alimentação adequada em calorias, proteínas e outros nutrientes é importante para a resposta ao tratamento", explica. De acordo com o oncologista Bruno Ferrari, da Oncoclínicas do Brasil, essa desnutrição pode ser causada pela própria doença, por causa da síndrome de caquexia neoplásica (perda de peso associada ao processo inflamatório do câncer); pela localização do tumor, caso de um câncer oral ou de esôfago; ou pelo tratamento, que pode levar a efeitos colaterais no trato gastrointestinal, como náuseas e vômitos. Os riscos de ocorrer dependem da doença, do estágio e da quimioterapia empregada.
De acordo com o oncologista André Márcio Murad, coordenador do serviço de oncologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e do Centro Avançado de Tratamento Oncológico (Cenantron), a incidência de desnutrição em pacientes com câncer varia de 40 a 80%, sendo mais comuns em tumores na região de cabeça e pescoço, pulmão, esôfago, pâncreas, estômago, cólon, reto, fígado e pâncreas; e menos comuns em pacientes com câncer de mama, leucemia, sarcoma e linfomas têm baixo risco de perda de peso. Segundo Simone, o ômega -3 tem mostrado importante papel ao minimizar alguns sintomas da caquexia.
Sem apetite
O quadro piora com a perda da vontade de comer. A doença pode desregular o controle do apetite no sistema nervoso central e gerar resistência à grelina, hormônio responsável pela sensação de fome. O estresse, inflamações e infecções, em alguns casos, também superestimulam os mecanismos de saciedade. Além disso, a mucosite (lesões na boca que podem atingir estômago e intestino), induzida pela quimioterapia e radioterapia, causa dor e dificuldades para ingerir alimentos. Por fim, a diarreia e as síndromes de má absorção, usualmente causadas pelos mesmos agentes terapêuticos, também interferem no apetite. "Nesses casos, devem-se evitar alimentos ácidos ou salgados, extremos de temperatura, e optar por alimentos mais macios, comendo em pequenas quantidades e mais vezes ao dia", sugere Simone Generoso.
Às vezes é preciso modificar a consistência de alimentos, aumentar ou reduzir temporariamente a ingestão de certos nutrientes, a fim de melhorar a resposta ao tratamento nutricional. "Estabilizar a perda de peso do paciente é o alvo principal e com o passar do período mais crítico, fazemos intervenções nutricionais que propiciem alcançar um peso desejável", explica a nutricionista Kelly Araújo, da Oncomed-BH.
Ganho de peso
Por outro lado, há chances de ganho de peso com o uso concomitante de corticoides – adotados na quimioterapia como antieméticos (medicamentos para enjoos) e antialérgicos – e com o tratamento com drogas hormonais. Os corticosteroides retêm sal e água e induzem ao acúmulo da gordura na parte central do corpo. Muitas vezes também há uma redução do funcionamento da glândula tireóide, por ação de alguns quimioterápicos. A ansiedade provocada pelo tratamento também pode levar aumentar a ingestão de alimentos hipercalóricos e reduzir a atividade física.
Além disso, é preciso ter cuidado para não afetar, com alimentação inadequada, os órgãos acometidos pela doença, O administrador Giovanni Vinícius Sales, de 31 anos, foi diagnosticado com câncer de rim em 2012. O tratamento foi cirúrgico, com a retirada de parte do órgão, e ele precisou evitar alimentos que sobrecarregam o rim. "O órgão precisava voltar a funcionar da melhor maneira, para se regenerar. Tive que evitar proteínas e sódio. Não é simples, mas eu não tinha muita escolha", conta o paciente que após esse processo seguiu um acompanhamento nutricional para perder peso. Os alimentos embutidos e enlatados, por exemplo, seguem reduzidos em sua alimentação.
Mal-estar
Algumas drogas quimioterápicas estimulam náuseas e vômitos, que podem ainda ter origem psicológica, caso dos vômitos antecipatórios, que podem ocorrer mesmo antes da administração da medicação. Segundo Bruno Ferrari, há várias estratégias para amenizar esses efeitos. "Novos fármacos estão cada vez mais direcionados às células do câncer e, consequentemente, com menos ação nas células normais. Há ainda o desenvolvimento de terapias anti-vômito modernas e direcionadas aos neurotransmissores relacionados. Essas estratégias têm amenizado muito esses sintomas", adianta. Alimentos leves, frutas e verduras – no dia da quimioterapia e nos primeiros dias subsequentes – podem contribuir para o controle desses sintomas.
André Murad ressalta, ainda, a importância de orientar os pacientes a aumentar o fracionamento das refeições; não ingerir líquidos nesse momento; ficar afastado da cozinha durante o preparo dos alimentos, devido ao cheiro proveniente, que pode induzir náuseas; evitar os alimentos muito condimentados, gordurosos e doces; alternar refeições líquidas com as sólidas, de forma não-concomitantes; sugerir preparações de alta digestibilidade em temperatura fria ou gelada ou à temperatura ambiente, além de evitar deitar-se logo após comer.
Paladar
A redução ou a perversão do paladar é outro efeito colateral comum da quimioterapia: cerca de 50% dos pacientes apresentam essas alterações, que geralmente cessam três ou quatro semanas após o término do tratamento. Segundo Murad, o mecanismo se deve, principalmente, ao dano reversível das células das papilas gustativas da língua. O tratamento radioterápico da região da cabeça e pescoço também pode danificar essas células, por vezes até de forma irreversível. A radioterapia pode, ainda, causar alterações no olfato, já que o cheiro e o gosto estão intimamente ligados: as mudanças no olfato podem afetar o sabor dos alimentos.
As alterações do paladar provocadas pela radioterapia geralmente começam a melhorar a partir de três semanas a dois meses após o término do tratamento. No entanto, essa melhora é gradativa e pode demorar até um ano, podendo não voltar a ser exatamente a mesma. "Não existem abordagens específicas para problemas do paladar. O tratamento dentário pode ajudar a melhorar as mudanças causadas por infecções na boca, boca seca ou problemas de gengiva. Eventualmente, esses danos, assim como a mucosite induzida por quimioterapia e radioterapia, podem ser atenuados e prevenidos com laserterapia", diz.
Fuja dos cancerígenos
Dietas ricas em calorias, gordura saturada e proteína animal, e pobre em fibra vegetal, estão relacionadas ao surgimento de tumores de mama, endométrio, próstata, intestino grosso e vesícula biliar. Segundo o oncologista André Márcio Murad, e coordenador do serviço de oncologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e do Centro Avançado de Tratamento Oncológico (Cenantron), consumo de carnes artificialmente conservadas – especialmente as salgadas e defumadas, como a carne de sol e o bacon – pode causar câncer de estômago e esôfago. A redução na incidência do câncer de estômago, observada nos EUA nas últimas décadas, poderia estar, em parte, relacionada aos melhores métodos de conservação dos alimentos.
"Ademais, na população americana em geral, reduziu-se o consumo de alimentos defumados e salgados e aumentou-se o consumo de frutas frescas e verduras nos últimos anos. Em animais, os alimentos conservados com nitritos e nitratos são carcinogênicos. Admite-se que os aditivos alimentares à base de nitratos possam ser transformados em nitritos carcinogênicos pela flora bacteriana anaeróbica, que coloniza o estômago, especialmente de pacientes portadores de gastrite atrófica. Felizmente, nos últimos anos, houve uma acentuada redução (75%) no emprego de nitratos e nitritos como conservantes de alimentos", relata. Uma dieta rica em fibras vegetais, por outro lado, reduz a absorção intestinal de estrógenos, eliminados das vias biliares.
O consumo de soja e seus produtos também parece reduzir a incidência do câncer de mama, possivelmente pela alta concentração dos chamados fitoestrógenos. Esse tipo especial de estrógeno vegetal parece atuar no tecido mamário como um antagonista ao efeito cancerígeno dos estrógenos naturais. Portanto, uma dieta adequada para a redução do risco do câncer deve ter baixo teor calórico e ser pobre em proteína e gordura animais e rica em soja e seus produtos, além de frutas, legumes e verduras, especialmente brócolis, repolho, couve-flor, couve e frutas cítricas.
O consumo de altas doses de substâncias como as vitaminas A e E ou beta caroteno, como suplemento alimentar ou mesmo em forma de medicamentos não é recomendada. Não existem dados na literatura que sugiram qualquer efeito preventivo dessa conduta. Ao contrário, ensaios clínicos utilizando doses elevadas de vitamina E e beta caroteno em pacientes fumantes, com a finalidade de reduzir a incidência de câncer de pulmão, demonstraram mesmo um efeito oposto, qual seja, um pequeno mas, preocupante incremento do risco", alerta Murad.
ABACATE
Rico em gorduras poli-insaturadas e muito calórico, o abacate é útil durante o tratamento de alguns tipos de tumores. Mesmo em pequenas quantidades é capaz de fornecer muitas calorias, amenizando a desnutrição.
DURANTE A QUIMIOTERAPIA E A RADIOTERAPIA
» EVITE
Alimentos gordurosos
Alimentos condimentados
Alimentos processados
Temperos industrializados
Alimentos quentes
» PRIORIZE
Água
Alimentos macios e com caldo (quando a rádio é de cabeça e pescoço)
Alimentos secos (quando tiver muita náusea)
Alimentos gelados
* Sempre que necessário, o paciente deve procurar auxílio médico ou nutricional para evitar a desnutrição. Quando o apetite ficar reduzido e for necessário aumentar o valor calórico, a dica é comer em intervalos pequenos, a cada uma hora, escolhendo alimentos toleráveis pelo paciente, o que varia de um para o outro
Fonte: Gisele Magalhães, nutricionista do Cetus Hospital Dia
PREVENINDO O CÂNCER E REINCIDIVAS
» EVITE
Alimentos calóricos
Gordura saturada
Proteína animal (especialmente carnes vermelhas)
Alimentos pobres em fibra vegetal
Carnes artificialmente conservadas (especialmente as salgadas e defumadas, como a carne de sol e o bacon)
Alimentos conservados com nitritos e nitratos
Suplementos ou medicamentos com altas doses de vitaminas A e E ou betacaroteno
» PRIORIZE
Frutas, legumes e verduras (especialmente brócolis, repolho, couve-flor, couve e frutas cítricas)
Alimentos ricos em fibras vegetais
Soja
Alimentos ricos em licopeno (como tomate)
Fonte: André Murad e Bruno Ferrari